Em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, nossa entrevistada é a Josiane Fonseca Lage, que veio representar a importância feminina no agronegócio.
Zootecnista, formada pela Universidade Federal de Viçosa, com mestrado realizado na mesma instituição. Realizou o doutorado e pós-doutorado pela Unesp de Jaboticabal, com especialidade em bovinocultura de corte. Atualmente é gerente de P&D, ruminantes, América Latina, da empresa Trouw Nutrition.
Scot Consultoria: Josiane, qual a sua ligação com o agronegócio? Poderia nos contar um pouco sobre sua história no setor?
Josiane Lage: O meu avô materno tinha uma fazenda em Minas Gerais e a pecuária leiteira era a principal atividade da propriedade. Passei grande parte da infância no meio rural e acredito que isso despertou a minha paixão pelo mundo do agro.
Eu cresci, e quando comecei a pensar sobre minha profissão, passei a ler sobre o que eu poderia fazer, algo que tivesse alguma ligação com o agro. Nesse caminho encontrei a Zootecnia, que me despertou grande interesse.
Concluí minha graduação em Zootecnia na Universidade Federal de Viçosa, onde também fiz o mestrado, na área de nutrição e produção de ruminantes. Em seguida, concluí o doutorado na Unesp, em Jaboticabal, dando continuidade com a especialidade em bovinocultura de corte.
Durante o doutorado, fizemos uma parceria de pesquisa com a Trouw Nutrition e a oportunidade do emprego chegou logo depois que defendi minha tese. Trabalho na Trouw há quase sete anos e hoje sou responsável pela área de pesquisa & desenvolvimento (P&D) de produtos para ruminantes, na América Latina.
Scot Consultoria: É crescente o número de mulheres no agronegócio, tanto executivas, como proprietárias, fazendeiras, consultoras e gestoras, e isso é um caminho mais que positivo, extremamente gratificante. Na sua opinião, qual é o maior desafio das mulheres no meio agro?
Josiane Lage: O número é crescente e sinto que as mulheres estão cada vez mais rompendo algumas barreiras e fazendo um belo trabalho no campo. Nós temos vários desafios no trabalho, mas ser mulher em um meio considerado ainda muito masculino, é o maior deles.
Algumas áreas do agro têm uma concentração muito maior de homens, como no caso da pecuária de corte. Eu gosto de ressaltar que o nosso desafio não começa no mercado de trabalho. Ele começa desde a escolha que fazemos durante a faculdade, como no meu caso, quando decidi seguir no mestrado e doutorado, em um meio de predominância masculina.
Na minha opinião, a maior conquista de uma mulher no agro não é uma ascensão em relação a cargos e salários, mas sim, conquistar o respeito do público masculino pelo seu trabalho e competência, independente da sua posição no mercado. E isso não é conquistado facilmente, exige persistência, dedicação, posicionamento e autoconfiança.
Scot Consultoria: Qual é a atual situação das mulheres no mundo do agronegócio e de que forma elas estão presentes no campo? Quais são as desigualdades de gêneros dentro do mercado de trabalho, na sua opinião?
Josiane Lage: Algumas pesquisas reportam que as mulheres representam 40% dos trabalhadores no agronegócio e é importante mencionar que há um crescimento da participação feminina ao longo dos últimos anos. A maior parte dessas mulheres trabalha na agroindústria e a cada ano tem aumentado também a qualificação dessas mulheres.
Hoje, quando analisamos os perfis nas universidades, temos um grande percentual de mulheres também. Nos projetos de pesquisa em ruminantes que conduzimos em parceria com as universidades, temos 55% de mulheres liderando os nossos trabalhos.
Portanto, o mercado terá que absorver esse número crescente de mulheres que vão chegar para contribuir com o desenvolvimento e o crescimento do agro. Em relação aos cargos de gestão e liderança, ainda há uma grande desigualdade, pois apenas um terço das mulheres estão ocupando esse perfil de cargo na agroindústria.
As maiores desigualdades de gêneros no mercado de trabalho ainda são em relação à igualdade de oportunidades e equiparação salarial. Há alguns perfis de cargo no mercado onde há preferência pelo público masculino e isso precisa mudar.
É importante ressaltar que as mulheres estão cada vez mais unidas, formando grupos de debates, eventos específicos, trocando experiências e informações, sendo exemplos, umas para as outras. Eu criei um grupo em uma rede social (@mulheresdapecuaria) no ano passado, com essa intenção: de levar exemplos, informações, de promover autoestima e confiança nas mulheres e percebi o quanto elas são carentes de apoio e informações nesse sentido.
Scot Consultoria: Lage, você acredita que as mulheres sofram mais preconceito durante o processo de ingresso no mercado de trabalho, ou em altos cargos de liderança, como o seu? Há alguma liderança feminina que te inspira?
Josiane Lage: O preconceito está em toda parte e não apenas no agro. É algo cultural, entretanto, fica mais evidente nesse mercado em função da maior concentração de homens. Não consegui ainda perceber diferenças desse preconceito em relação ao cargo/ingresso no mercado. Se alguém tem atitude preconceituosa com a mulher, irá praticá-la, independentemente da posição que a mulher ocupa.
Porém, é importante mencionar que muitos homens admiram e apoiam nosso trabalho. Essa também é uma força que nos move. Na página que criei com foco só para mulheres da pecuária, um terço dos seguidores é composto por homens e acho isso fantástico.
As lideranças femininas que me inspiram são duas grandes mulheres do agro: a Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e a presidente da Sociedade Rural Brasileira, Teresa Vendramini, que ocupou um cargo que permaneceu sob a liderança masculina por um período de 100 anos consecutivos. Elas são exemplos de força e determinação. Elas nos mostram que podemos ter nosso espaço e podemos prosperar no agro, desde que o respeito e a competência sejam os nossos principais aliados.
Scot Consultoria: Josi, o que é se tornar uma profissional bem sucedida no meio agro atualmente?
Josiane Lage: O agro está cada dia mais se desenvolvendo, o Brasil tem muitas oportunidades, muitas tecnologias estão sendo adotadas e quem não acompanhar essa evolução, vai perder o seu espaço. Ser bem sucedido no trabalho para mim é: amar o que você faz, ser reconhecido pelo bem que você faz no desenvolvimento e crescimento da pecuária e ter equipes que apoiam e acreditam no seu propósito, porque ninguém faz nada sozinho.
Scot Consultoria: Quais seriam as conquistas da pesquisa e desenvolvimento na pecuária nacional que você destacaria? Em um momento fortemente negacionista quanto à ciência, quais os desafios do setor de pesquisa e desenvolvimento em levar ao campo os resultados obtidos?
Josiane Lage: A pecuária de corte brasileira já teve grandes avanços devido ao conhecimento gerado em pesquisa científica, mas ainda temos muito espaço para uso de tecnologias e intensificação com a intenção de melhorar a produtividade e rentabilidade do sistema, principalmente dos rebanhos de cria.
O conhecimento adquirido por meio de pesquisas científicas, como o uso da suplementação em pasto, é um exemplo disso. Foi um dos grandes avanços da pecuária, pois permitiu aumento na produção de animais por hectare, redução do ciclo produtivo, abate de animais mais jovens com consequente melhora na qualidade da carne, além de um excelente retorno ao pecuarista.
O Brasil tem um enorme potencial de produção de carne bovina e temos investido bastante nos últimos anos em pesquisas em todas as fases de produção: cria, recria e terminação. O importante não é pensar só em desenvolvimento de um produto, mas também em conceitos que contribuem com uma melhora no sistema de produção. Esse é o trabalho que faço desde que entrei na Trouw.
As empresas ainda têm alguns desafios na comunicação, mas os produtores estão cada vez mais interessados e conscientes da importância de ter resultados científicos comprovados sobre um conceito ou produto novo, antes de aplicá-lo nas fazendas.