Melina Bonato é formada em Zootecnia e possui mestrado e doutorado em produção e nutrição animal pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, UNESP, Campus de Jaboticabal.
Desde 2013, atua como gerente de pesquisa e desenvolvimento na empresa ICC Brazil, que é especializada em oferecer soluções à base de leveduras focadas em nutrição, sistema imune, saúde intestinal e desempenho animal. Já publicou 23 artigos em revistas científicas, 123 resumos em anais de congressos, 5 capítulos de livros e vários artigos técnicos.
Scot Consultoria: Hoje, quais são os principais desafios com relação à saúde intestinal de aves para corte e para postura? Quais são os tipos de microrganismos causadores da maior parte das infecções entéricas das aves?
Melina Bonato: Os desafios estão ligados à presença de patógenos que podem causar danos ao epitélio intestinal, desencadeando uma série de problemas entéricos e que tem grande impacto em produtividade. Destaco a salmonelose, que afeta a saúde intestinal das aves de maneira geral, como as Salmonellas paratífias, S. Enteritidis, S. Heidelberg, S. Typhimurium, entre outras. Essas são bactérias gram negativas, que possuem flagelos e fímbrias, e são extremamente eficientes em colonizar o intestino das aves, podendo assim causar danos ao epitélio intestinal e translocar-se para os órgãos internos.
Em frangos de corte, uma grande preocupação é com a coccidiose, onde observa-se lesões no intestino, causadas pelo protozoário do gênero Eimeria. Ainda podemos citar problemas causados pelo Clostridum perfringens, bactéria gram positiva que é considerada, de maneira geral, um patógeno oportunista que se prolifera em situações em que já há danos ao epitélio intestinal, como no caso da associação com a presença de coccidiose, que leva a um quadro de enterite necrótica.
Já para aves de postura, considerando nosso modelo de criação em gaiolas, a presença desses patógenos pode ser menor, no entanto, se as práticas sanitárias (desinfecção, manejo etc.) não forem executadas corretamente, os mesmos problemas serão enfrentados.
Scot Consultoria: Como esses patógenos prejudicam as aves?
Melina Bonato: É importante ressaltar que a presença dos patógenos citados acima vai além dos danos/doenças causados por eles. Danos ao epitélio intestinal podem impactar em outros problemas/contaminações associadas, como toxinas, endotoxinas, micotoxinas, e outros patógenos. Uma vez que a integridade intestinal é afetada, perde-se área absortiva de nutrientes e o metabolismo utiliza mais energia e nutrientes para recuperar a área que sofreu o dano.
Também é importante destacar o papel do sistema imune nesses casos, já que uma resposta inflamatória será iniciada e demandará do metabolismo animal. Ou seja, ao invés de utilizar os nutrientes recebidos via dieta para crescimento/produção, a ave precisará manter sua saúde (sobrevivência) em primeiro lugar, o que impacta diretamente em ganho de peso, produção de ovos e conversão alimentar.
Scot Consultoria: Você poderia citar como o produtor pode identificar, no dia a dia, sinais relacionados a problemas com relação à saúde intestinal, tanto para a produção de aves de corte quanto para postura?
Melina Bonato: De maneira geral, a salmonelose afeta aves mais jovens e os sinais são diarreia, apatia, penas eriçadas, asas caídas e amontoamento. Já nas aves adultas, pode haver presença de diarreia (ovos sujos em poedeiras), anorexia e impacto no ganho de peso e produção de ovos. Pode haver morbidade e mortalidade nas aves jovens.
A coccidiose pode ser identificada por excretas com presença da digesta (ração mal digerida), diarreia e presença de sangue. Com a necrópsia pode-se facilmente identificar as lesões intestinais, atribuir um escore de lesão (gravidade) e quais tipos de Eimeria estão presentes. Já nos sinais de enterite necrótica, as aves apresentam diminuição de consumo de ração, penas eriçadas, fezes com presença de sangue (escuras), diarreia e apatia. A taxa de mortalidade pode ser alta.
No entanto, talvez o cenário mais difícil de identificar seja o dos sinais subclínicos, onde o problema/patógeno está presente, porém não demonstrando de forma clara os sinais. Esse, muitas vezes, é o que mais impacta em desempenho e conversão alimentar, uma vez que as perdas são sutis e constantes. Se o produtor não monitora e gerencia bem os parâmetros de produção, não conseguirá identificar as perdas.
Scot Consultoria: Quais são os cuidados essenciais para evitar a ação do Clostridium na avicultura de corte?
Melina Bonato: O Clostridum é uma bactéria presente no ambiente e também no trato gastrointestinal das aves. Essa bactéria faz parte da microbiota e sob condições “normais” não causa danos ao animal. No entanto, há fatores que podem desencadear uma proliferação dessa bactéria que produz toxinas que causam a doença. Dito isso, os cuidados devem ser redobrados quando a ração é rica em ingredientes proteicos de baixa digestibilidade, e/ou com ingredientes que aumentam a viscosidade intestinal e reduzindo o peristaltismo. Além dos cuidados importantes, não somente para controle de Clostridium, mas de outras bactérias também, evitar altas densidades e por consequência aumento na umidade de cama, adequada limpeza e desinfecção de equipamentos e instalações, manejo de cama, entre outros.
O uso de alguns medicamentos como antibióticos podem causar disbiose (desbalanço da microbiota intestinal), o que pode também dar espaço para a proliferação do Clostridium. Assim, alguns aditivos alimentares como prebióticos, probióticos, ácidos orgânicos e fitobióticos, que atuam na redução do pH intestinal, produzem compostos bactericidas, e/ou fazem exclusão competitiva e impactam na integridade intestinal, também podem integrar um programa de controle dessa bactéria.
Scot Consultoria: Muito se fala sobre salmonela em relação à produção de ovos. Você poderia comentar um pouco sobre o assunto e o risco de contaminação nos atuais moldes de produção na avicultura de postura?
Melina Bonato: Órgãos internacionais como a OMS relatam que quase 1 em cada 10 pessoas no mundo adoecem depois de consumir alimentos contaminados, em grande parte por presença de bactérias, em especial, as Salmonellas. Recentemente, o MAPA lançou uma normativa que entrou em vigor em dezembro de 2020, aplicada à indústria de alimentos (IN 60/2019, que complementa a RDC 331/2019), que têm como objetivo aumentar a segurança alimentar para garantir a saúde dos consumidores, determinando que os alimentos não contenham microrganismos patogênicos, toxinas ou metabólitos em concentrações prejudiciais à saúde, as quais foram alteradas para atender as necessidades sanitárias nacionais e internacionais. Por exemplo, foram incluídos sorotipos de importância para saúde pública nas análises de detecção de Salmonella em produtos cárneos, como S. Enteritidis e S. Typhimurium, ambas associadas a casos de intoxicação alimentar.
Essas mudanças têm tornado os processos de produção mais rigorosos e são uma preocupação para os produtores, que devem se adequar às novas normativas que surgem a cada ano e ao mesmo tempo precisam analisar o custo/benefício de suas produções. Vale ressaltar também, que a presença de Salmonella em aves adultas (poedeiras) muitas vezes se manifestará no animal, ou seja, o monitoramento da presença da bactéria se torna muito mais importante, já que o risco de contaminação dos ovos se dá pela presença do patógeno nas excretas ou por contaminação interna (presença nos ovários). Essas bactérias conseguem sobreviver no ambiente e se multiplicar dentro do intestino das aves, por isso o adequado plano sanitário, manejo e uso de ferramentas que ajudam a controlar a proliferação desses microrganismos é essencial.
Scot Consultoria: É possível produzir aves sem a utilização de aditivos? Isso é uma realidade para o produtor?
Melina Bonato: Sim, é possível. Porém, nos moldes atuais da nossa avicultura, onde temos alta densidade de alojamento e erros básicos em manejo, sanidade, entre outros; a presença de desafios é uma realidade. Também há cada vez mais restrições ao uso de antibióticos promotores de crescimento (AGP’s) e outros medicamentos, o que aumenta a pressão de patógenos em um primeiro momento, exigindo maior atenção aos pontos citados acima. Com isso, é importante considerar o uso de aditivos, já que eles são ferramentas complementares ao controle de patógenos e que promovem saúde intestinal de forma distinta aos antibióticos. Hoje temos disponíveis no mercado uma grande gama de aditivos, um maior conhecimento sobre o modo de ação de cada conceito e componente; portanto, é possível utilizar de forma racional e estratégica essas ferramentas (isoladas ou associadas).
Scot Consultoria: Melina, você poderia comentar um pouco sobre como a produção de orgânicos tem impactado na produção de aves de corte e de postura?
Melina Bonato: O consumo de produtos de origem orgânica tem aumentado devido à uma demanda do mercado consumidor, já que essa alimentação é vista como mais saudável e relacionada a um consumo mais consciente. Segundo o MAPA, para o produtor poder obter a certificação orgânica, é necessário que a alimentação da ave tenha no máximo 20% de produtos convencionais na formulação, porém não podem ser transgênicos. Os AGP’s e antibióticos não podem ser utilizados. Também há uma série de práticas que devem ser seguidas, como a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis, minimização da dependência de energia não renovável, proteção do meio ambiente, entre outras. Ou seja, o investimento inicial para iniciar uma produção orgânica é alto e exige uma mudança de visão, impactando no preço final dos produtos ao consumidor. A produção de carne e ovos convencional ainda é a mais competitiva, em especial, a produção brasileira. No entanto, há uma forte tendência de crescimento da produção orgânica e outras produções alternativas, e devemos estar atentos às oportunidades, buscando sempre a produção de alimentos competitivos e de qualidade.