Scot Consultoria
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A importância da gestão - e da gestão de risco - na pecuária brasileira

por José Arnaldo Favaretto
Segunda-Feira, 13 de May de 2024 - 06h00



Scot Consultoria: José Arnaldo, como o senhor identifica e avalia os principais riscos enfrentados em seu modelo de negócio? Vocês usam algum tipo de proteção para isso?



Em primeiro lugar, nós trabalhamos com commodities; logo, não temos controle sobre o preço de balcão das mercadorias que produzimos. Sendo assim, é necessário pesquisar, conhecer, estudar os fatores que determinam a formação dos preços agropecuários. De maneira bastante simplificada, esses fatores podem ser classificados em periódicos e aperiódicos.



Fatores aperiódicos – ou acíclicos – são aqueles que acontecem sem periodicidade ou frequência determinada. Assim como os acidentes aeronáuticos, ninguém os deseja, mas eles acontecem.



Estamos e estaremos cada vez mais expostos às intempéries meteorológicas. Além da dor incomparável da perda de vidas e de todo o sofrimento causado, os recentes eventos climáticos extremos no Rio Grande do Sul vão afetar a atividade rural daquele Estado. A Guerra da Ucrânia interferiu com a produção e a distribuição de milho e de fertilizantes, alterando a dinâmica de preços desses insumos. A interminável crise no Oriente Médio deixa todos os mercados com os nervos à flor da pele, aumentando a volatilidade. Há alguns meses, rebeldes houthis do Iêmen passaram a atacar navios que cruzavam o Estreito de Mandeb, obrigando os transportadores marítimos a mudarem a rota do Sudeste Asiático para a Europa, passando pelo Sul da África. Isso aumentou as viagens em 10 dias e mais de 3.500 milhas náuticas. O custo adicional certamente foi repassado para fretes e produtos. Ainda recentemente, um navio à deriva derrubou uma ponte na entrada do porto de Baltimore, por onde entra mais da metade do açúcar importado pelos Estados Unidos e por onde sai parcela importante de máquinas e implementos agrícolas que o país exporta. Enfim, não sabemos quando nem onde, mas eventos dessa natureza irão se repetir.



Vejamos na pecuária: um caso atípico de encefalite espongiforme no primeiro semestre de 2023 levou a China a suspender a importação de carne do Brasil, impactando os preços. Crises políticas internas já tiveram o mesmo efeito.



O recado é o seguinte: não sabemos de onde virá o susto, mas ele virá. Você me perguntou se usamos algum tipo de proteção, e a resposta é curta e direta: sempre!



No início da resposta, eu disse que nós não temos controle sobre o preço de balcão das mercadorias que produzimos. Isso não significa, entretanto, que eu deva ficar à mercê da mão invisível do mercado. É o próprio mercado que nos oferece alternativas.



Se você me perguntar quais formas de proteção utilizamos, preciso destacar que o caminho trilhado nesses dez anos na atividade não é o único possível e certamente poderia ter sido melhor. A utilização das ferramentas de hedge impõe uma curva de aprendizagem às vezes cara, às vezes dolorida. Em certos momentos, gastamos mais do que precisávamos; em outros, perdemos mais dinheiro do que gostaríamos. Porém, uma coisa é certa: tem sido infinitamente melhor do que não fazer nada.



Para quem me pergunta como se proteger das oscilações do mercado de preços agropecuários, eu digo sempre: comece com operações simples. Faça seguros de preço que protejam contra altas ou baixas. Se os preços que a B3 exibe hoje para o milho de setembro de 2024 estão confortáveis para sua operação de confinamento, proteja-se de uma eventual alta por meio de uma call. Por outro lado, se a B3 está negociando o boi gordo de outubro a um valor que deixa margem para a atividade, garanta essa margem com a opção de uma put. Uma boa corretora pode explicar como call e put são opções simples, relativamente baratas e garantem noites de sono. Ninguém paga seguro de automóveis porque sabe que vai bater o carro, nem faz plano de saúde desejando passar uma temporada na UTI do Einstein ou do Sírio-Libanês. Seguro bom é aquele que dá tranquilidade, principalmente quando não é usado!



Depois de conhecer as ferramentas mais simples e de ganhar alguma experiência com elas, pode ser a hora de caminhar um pouco mais. Nesse caso, as alternativas são numerosas e nem vale a pena passar por todas: máxima e mínima, contrato a termo, vendas futuras, put spread, NDF, call spread ou operações estruturadas mais complexas.



Hoje, na empresa, nós temos profissionais cujo trabalho full time é ficar diante da tela do computador, numa verdadeira “pescaria” de oportunidades, e em contato direto com corretoras para efetuar as operações. Isso garante que faremos sempre os melhores negócios? Certamente, não! Mas eu posso garantir – e os números provam isso – que nossas médias de preços (por exemplo, das arrobas dos bois vendidos e das toneladas do milho comprado) têm sido substancialmente melhores do que os preços de balcão.



Scot Consultoria: Quais critérios o senhor adota para definir as estratégias empregadas para enfrentar as incertezas desse mercado?



Inicialmente, é essencial uma criteriosa apuração dos custos de produção. Jamais saberemos se uma operação de hedge faz ou não sentido se não soubermos quanto nos custou o que estamos vendendo, que é a arroba produzida.



E, como eu brinco com a equipe: quero conhecer os custos até a segunda casa depois da vírgula! Em uma planta hipotética que comercializa 10 mil animais por ano, uma diferença de R$1,00 no preço médio da arroba vendida representa cerca de R$200.000,00 no faturamento anual. É muito dinheiro para deixar na mesa!



Em segundo lugar, precisamos ter certeza do nosso nível de familiaridade com as operações de hedge. Assim como em uma caixa de ferramentas, algumas operações de hedge são perigosas e podem machucar. Preferimos sempre andar por terrenos conhecidos e, com segurança e o suporte de boas corretoras, explorarmos novos caminhos.



Terceiro: cuidado com a liquidez! Algumas operações de hedge podem exigir chamadas de margem para fazer frente às oscilações do mercado, e esses ajustes são diários! Dependendo da opção escolhida e do tamanho da sua operação, você pode precisar deixar uma montanha de dinheiro aplicado com a corretora, e isso afeta o fluxo de caixa.  



Quarto fator na tomada de decisão: como está nossa tolerância às oscilações do mercado? Cada um de nós tem um perfil como investidor: mais ousado ou mais conservador. Dentro da nossa equipe, temos vozes dissonantes. Mas não é só uma questão de perfil: mesmo um investidor mais ousado pode estar em um momento em que as turbulências doem mais. Portanto, esse é um fator importante na tomada de decisão.



Por último, veja como está sua disponibilidade para, literalmente, “grudar” na tela do computador. Essa não é uma atividade agradável nem glamorosa, mas pode fazer toda a diferença. Oportunidades aparecem na tela e desaparecem como por mágica. Uma piscada e, tchau!



Scot Consultoria: Quais vantagens existem em compreender os padrões sazonais do mercado pecuário e de que forma isso afeta suas escolhas estratégicas?



Um estudo que efetuamos com os preços deflacionados da arroba desde 1994 mostra um comportamento bastante diversificado dos preços da arroba do boi gordo ao longo dos anos. Tomando-se os preços de janeiro como base 100, poderíamos até dizer que a variação sazonal aparenta ser errática. No entanto, como dizem os matemáticos, a estatística é a arte de torturar os números até eles confessarem. E, neste caso, o que eles confessam?



Em primeiro lugar, a média mês a mês nestes 30 anos mostra um evidente padrão sazonal, uma elegante curva que se eleva suavemente em fevereiro, cai até maio, eleva-se novamente até outubro e novembro, voltando a cair levemente em dezembro. Porém, a informação mais relevante surge quando determinamos a curva com dois desvios-padrão acima da média e a curva com dois desvios-padrão (dp) abaixo da média. Essas três curvas (média, média mais 2dp e média menos 2dp) definem dois “canais de preço”. Consistentemente, anos de “perna de alta” no ciclo pecuário trafegam no canal superior, enquanto anos de “perna de baixa” caminham pelo canal inferior. Conhecendo esses canais de preço, podemos (1) programar entrada e saída de animais no confinamento e (2) definir com mais acurácia as operações de hedge, adotando posturas mais ousadas ou mais cautelosas, a depender do cenário. O que aconteceu em 2023 é ilustrativo: com exceção dos meses de março e abril, o ano permaneceu abaixo do canal inferior em todos os demais meses, o que nos levou a adotar posições muito mais cautelosas (principalmente no segundo semestre), e isso salvou o ano. Ainda que tenhamos deixado cerca de 15% das vendas fora de cobertura, nosso preço médio das arrobas comercializadas terminou o ano quase R$12,00 acima da média da B3.   



E o que esperar de 2024? Bom, nada animador. Pelo menos por enquanto, a B3 coloca na tela uma média anual mais de 10% abaixo de 2023, que já foi um ano para não deixar saudades. Então, cautela! Vale a eterna máxima: deu margem, trava!



Scot Consultoria: Como as estratégias de reposição do rebanho são ajustadas para enfrentar as diferentes fases do ciclo pecuário e garantir a estabilidade das operações ao longo do tempo?



Na 3M Agropecuária, a definição das estratégias respeita o que diz o “senhor mercado” e, nesse quesito, em especial as “pernas” do ciclo pecuário. Nos períodos de baixa, o carrego de estoque pode ser fatal; portanto, priorizamos a compra de animais mais erados, com giro mais rápido. Nos períodos de alta, invertemos o drive e carregamos as compras em categorias mais jovens, aumentamos as áreas de arrendamento, fazemos sequestro de mantença etc.



Scot Consultoria: Como o senhor lida com as flutuações nos preços dos alimentos para o gado e como isso afeta a tomada de decisão?



Assim como para o boi gordo, o mercado oferece alternativas para contratos de milho e os chamados minicontratos de soja. Então, para milho e farelados, usamos as mesmas táticas e as mesmas ferramentas. Estabelecemos perfis de sazonalidade, fazemos compras estratégicas, usamos estoques reguladores internos, aumentamos ou reduzimos as áreas plantadas com milho, sorgo ou soja, compramos futuro, fazemos derivativos etc.



Scot Consultoria: Como o senhor diversifica seus investimentos para reduzir os riscos financeiros associados à operação do confinamento?



Aqui na 3M, com exceção de valores, visão e missão, nada está escrito na pedra, nem temos compromisso com nossos erros. Além do confinamento, fazemos ILP e ILPF, operamos com pecuária a pasto e com agricultura, plantamos soja, milho, sorgo, feijão e outras culturas, a depender das condições do mercado. Portanto, para nós, diversificar significa aumentar ou diminuir a exposição ao mercado do boi gordo e aos demais mercados agropecuários.