Scot Consultoria
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A importância da inspeção do abate de bovinos no resultado do pecuarista

por Daniela Cotrim
Segunda-Feira, 17 de Junho de 2024 - 06h00



Scot Consultoria: O abate impacta diretamente no resultado financeiro da operação pecuária. Quais são na sua visão, dentro do processo produtivo, os principais momentos passivos a aumento na condenação de carcaças?



 



Daniela Cotrim: Podemos correr o risco de ter uma carcaça, ou até um lote inteiro, condenado devido a problemas que abrangem desde a sanidade dos animais na fase de cria/recria, ou compra para engorda, até o momento em que são levados ao box de atordoamento no frigorífico. Do ponto de vista sanitário, por exemplo, doenças assintomáticas podem causar prejuízos significativos. A cisticercose é um exemplo emblemático: trata-se de uma enfermidade parasitária que não apresenta sintomas claros, os quais demandariam tratamento medicamentoso imediato ainda na propriedade. A detecção da cisticercose ocorre apenas após o abate, quando cistos, calcificados ou viáveis, são encontrados na carcaça e/ou órgãos do animal abatido. Nesse ponto, restará ao pecuarista apenas arcar com os prejuízos financeiros decorrentes do aproveitamento condicional ou da condenação total da carcaça para a graxaria, sendo essa decisão baseada no grau de infestação dos cistos e na legislação vigente. Para mitigar esses riscos, recomendamos aprimorar os protocolos de vermifugação dos animais, reforçar as questões sanitárias com os colaboradores, observar as estruturas da propriedade e mapear a origem de compra dos animais acometidos.



Outro caso relevante é o da tuberculose, uma doença causada pelo Mycobacterium bovis que afeta principalmente bovinos e búfalos. Trata-se de uma zoonose de extrema importância para a saúde pública, que induz a um processo inflamatório granuloso caseoso necrotizante, afetando principalmente os pulmões e linfonodos. Considerando que o comércio internacional de carne depende diretamente do cumprimento dos requisitos sanitários dos mercados compradores, a identificação de lesões sugestivas de tuberculose durante a avaliação post-mortem em frigoríficos pode resultar na condenação da carcaça para tratamento condicional ou para a graxaria. Além disso, o lote inteiro será desabilitado para exportação à China, resultando na perda da bonificação previamente acordada sobre o valor da arroba negociada.



Por fim, é importante ressaltar a relevância do manejo racional do gado, especialmente durante o manejo pré-abate. Esse processo envolve o tratamento dos animais no curral no pré-embarque, embarque, transporte e desembarque no frigorífico. Em todas essas etapas, recomenda-se total atenção à forma como os animais são conduzidos, a fim de evitar hematomas, lesões, contusões, abates emergenciais e até a chegada de animais mortos à planta frigorífica. Entende-se que um bom manejo pré-abate influencia direta e significativamente não apenas na qualidade da carne, mas também na limpeza da carcaça durante a linha de abate, na destinação da carcaça e no seu aproveitamento. Um manejo adequado não só minimiza o estresse dos animais e reduz os esforços de trabalho, mas também assegura um melhor rendimento dos lotes, culminando em melhores receitas para a atividade.



Scot Consultoria. Como funciona o processo de acompanhamento do abate dentro da indústria frigorífica realizado por vocês?



Daniela: É sempre importante iniciar a discussão sobre nosso trabalho destacando que não somos contratados apenas para observar a balança. Existe uma percepção equivocada nesse sentido. Muitos pecuaristas nos procuram interessados em compreender nossos serviços, mencionando já terem ouvido falar sobre o ‘acompanhamento de abate’ ou até terem contratado alguém ou alguma empresa para esse fim. No entanto, ao ouvirmos os relatos sobre as informações que eles recebiam e como eram fornecidas, percebemos que não se trata do mesmo serviço que oferecemos. Nosso papel vai muito além de apenas repassar o peso para o cliente; nós o respaldamos dentro da indústria. Nosso time é composto por consultores técnicos, todos vinculados à empresa e devidamente atualizados quanto às legislações vigentes. Temos a função de conferir, auditar e intervir em prol do nosso cliente desde o momento da chegada dos animais na unidade frigorífica até a emissão do acerto financeiro.



No curral, desempenhamos um papel fundamental ao garantir que os animais presentes na escala pertençam efetivamente aos nossos clientes e estejam sob condições ideais de bem-estar. Além disso, observamos atentamente se necessitam de alguma intervenção e avaliamos a probabilidade de início do nosso lote. Todos esses aspectos estão diretamente relacionados ao desempenho dos animais no processo de abate e são registrados por meio de uma avaliação prévia do curral. Após o abate do primeiro animal, iniciamos uma minuciosa auditoria dos processos. As unidades frigoríficas ou abatedoras devem, idealmente, possuir um Procedimento Operacional Padrão (POP), o qual descreve como os processos operacionais devem ser conduzidos durante o abate. Nosso papel, neste momento, é garantir que todos os procedimentos sejam rigorosamente seguidos, carcaça por carcaça, a fim de assegurar que nossos clientes não sofram prejuízos devido a equívocos operacionais da indústria. Desta forma, procedemos com a auditoria de 14 a 17 processos operacionais, dependendo do sexo do animal, os quais estão diretamente relacionados ao peso da carcaça na balança.



Além da auditoria dos processos, oferecemos feedbacks imediatos aos pecuaristas, visando apontar possíveis melhorias na gestão interna da propriedade. Observamos questões relacionadas à conformação dos animais, aspectos sanitários, histórico de vacinação, avaliação de bezerros, jejum pré-abate, desvios para o Departamento de Inspeção Final (DIF) pertencente ao Sistema de Inspeção Federal (SIF) e outros aspectos que possam contribuir para o aprimoramento da atividade pecuária e gerar um retorno financeiro mais substancial para nossos clientes. Realizamos também, conforme necessário, uma avaliação detalhada dos rendimentos individuais, fornecendo uma planilha completa e minuciosa com dados de abate de cada animal após o processo, além de confirmar a entrada ou não dos animais nos protocolos de bonificação.



Após a passagem do último animal na balança, apresentamos uma "prévia de abate" contendo todas as informações detalhadas do lote abatido. Subsequentemente, fornecemos um relatório de abate completo em formato PDF, acessível através de um sistema online que possui login e senha individual para cada cliente. Nossa plataforma é própria e foi desenvolvida pela PadronizaBr para atender às necessidades específicas dos nossos clientes, e já está incluída como parte integrante do nosso serviço. Mantemos a área do cliente atualizada em tempo real, incorporando informações recentes a cada abate. Isso permite uma análise comparativa meticulosa entre raças, lotes e fornecedores, incluindo a avaliação de dietas. Disponibilizamos, ainda, a opção de download de planilhas em formato Excel e a capacidade de filtrar dados conforme as necessidades individuais de cada operação agropecuária.



É fundamental destacar que nossa equipe permanece à disposição mesmo após a entrega dos relatórios, prontos para atender a qualquer demanda adicional ou esclarecer dúvidas que possam surgir. Nosso compromisso é contínuo, e valorizamos imensamente os feedbacks que recebemos sobre o impacto positivo do nosso trabalho no aprimoramento das atividades e no incremento da receita líquida dos nossos clientes. Nossa missão consiste em colaborar de forma proativa para promover uma maior eficiência e transparência nesse ponto crucial da cadeia produtiva.



Scot Consultoria: Vocês têm um dado médio com base nos acompanhamentos que realizam, que demonstra o quanto a condenação desnecessária de carcaças no processo de abate impacta no rendimento e remuneração ao produtor?



Daniela: Apresentar dados médios sobre os diferentes níveis e descontos com base nas destinações seria imprudente, dada a notável variação entre propriedades, estados, tipos de negociação e até mesmo entre unidades frigoríficas/abatedoras e seus respectivos tipos de inspeção. No entanto, de maneira geral, uma carcaça pode ser destinada a quatro tipos distintos: liberação normal, tratamento a frio, conserva e graxaria. No primeiro caso, a carcaça segue normalmente pela linha de abate, sem desvio para o Departamento de Inspeção Final (DIF), sendo pesada e encaminhada para a câmara fria. Nos três casos restantes, a carcaça é desviada para avaliação por parte do médico veterinário da unidade.



Quando destinada ao Tratamento a Frio (TF), o pecuarista pode perder a bonificação China do animal, além de enfrentar um desconto que varia entre 30-50% sobre o valor da arroba negociada. Na Conserva Pecuarista (CP), a carcaça sofre um desconto que varia entre 70-80% do valor da arroba do animal, enquanto na graxaria, não há aproveitamento da carcaça, resultando em um desconto de 100%, ou seja, o pecuarista não recebe nada pelo animal.



Entretanto, os descontos não se limitam a isso; existem outros fatores não vinculados ao departamento de inspeção que podem acarretar consideráveis impactos no acerto financeiro do produtor. Contusões, hematomas e lesões na carcaça exigem a limpeza das áreas afetadas na própria linha de abate, resultando na remoção e descarte de quilos de carne, além de um desconto de até 25% no valor da arroba do animal lesionado. Remoções de abscessos vacinais, decorrentes de um manejo inadequado de vacinação na propriedade, também podem gerar descontos significativos na arroba negociada, assim como no próprio toalete em linha, retirando musculatura. O tema da vacinação é amplamente discutido entre nossa equipe e nossos clientes, com alguns clientes perdendo uma média superior a 5kg/animal apenas devido à "perda por abscessos vacinais".



Além disso, há penalizações por peso, com o desconto, ou a ausência dele, e a régua limite de peso variando conforme as exigências da unidade frigorífica. Por exemplo, algumas empresas penalizam novilhas abaixo de 12@, vacas abaixo de 13@, machos inteiros abaixo de 16@ ou acima de 26@ em 10,0% do preço da arroba previamente acordado. Animais considerados magros ou descarnados também podem sofrer penalizações, com algumas indústrias aplicando descontos de até 50,0%. Além disso, problemas operacionais da indústria, como "queda no piso" e "contaminações gastrintestinais", prejudicam diretamente o pecuarista devido à necessidade de toalete por erro operacional da unidade.



Scot Consultoria: Quais seriam as principais dicas de manejo para o produtor mitigar o risco de condenação no momento do abate?



Certamente, os principais pontos a serem destacados envolvem o bem-estar dos animais. Isso abrange tanto questões sanitárias, como vacinação e vermifugação, quanto às condições ambientais em que os animais estão inseridos, além da adoção de um manejo racional. O produtor deve começar a enxergar os animais efetivamente como um investimento que precisa ser cuidado. Inúmeras pesquisas mostram que o entendimento do comportamento animal e de suas necessidades impacta diretamente na rentabilidade da atividade. Não adianta mais tratar os animais apenas como seres irracionais que precisam apenas de água e nutrição básica. O produtor que deseja reduzir os riscos de condenações precisa estar atento aos calendários sanitários, ao tipo de transporte contratado e ao treinamento dos funcionários envolvidos no manejo diário do gado.



Em síntese, os desafios enfrentados pelos pecuaristas no processo de abate são multifacetados e envolvem uma variedade de fatores, desde as diferentes destinações das carcaças até as penalizações por peso e outros problemas operacionais das indústrias. É essencial que os produtores estejam atentos a esses aspectos para garantir uma gestão eficaz de suas operações e maximizar a rentabilidade em um ambiente tão complexo e exigente como o da produção de carne bovina.