Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental desde 1979. Engenheiro agrônomo pela UFRA, Belém – PA, M.Sc em pastagens e nutrição animal pela USP/Esalq, Piracicaba – SP e Ph.D em ecofisiologia vegetal pela Cornell University, Ithaca, NY, EUA.
Scot Consultoria: Para começarmos, muito se fala de grandes áreas de pastagens degradadas no Brasil. O que se caracteriza um pasto degradado? Qual a área estimada no país? Quais os possíveis processo e causas que podem levar a degradação?
Moacyr Dias-Filho: O termo “pasto degradado” tem sido usado indiscriminadamente para diversas situações de produtividade da pastagem.
A razão para isso é que “degradação de pastagem” é um conceito relativo. Isto é, há casos em que um pasto considerado produtivo em determinado local ou situação, poderia ser considerado em degradação ou degradado em outra região ou sistema produtivo.
Costumo dividir o fenômeno da degradação em dois extremos: degradação agrícola (mudança na composição botânica) e degradação biológica (degradação do solo).
Assim, uma pastagem degradada seria um pasto com acentuada diminuição da capacidade de suporte ideal (produtividade agrícola ideal), podendo ou não ter perdido a capacidade de acumular biomassa de forma significativa (produtividade biológica significativa). Portanto, nem sempre um pasto degradado tem o solo ruim.
Para algumas pessoas (inclusive técnicos) isso pode ser difícil de aceitar. Mas, se imaginarmos um pasto degradado em decorrência do ataque de percevejo castanho ou da ocorrência da síndrome da morte do capim Marandú, talvez fique mais fácil de entender.
A área de pasto degradado no país ainda é tema de muita controvérsia. A razão para isso é que não existe um método científico para fazer esse levantamento.
O problema começa com a separação do que seria pasto degradado (ou em degradação) e o que seria pasto produtivo.
Estou participando de um projeto que a Embrapa iniciou este ano, chamado GEODEGRADE. Este projeto irá tentar fazer um levantamento, via imagens de satélite e observações de campo, das áreas de pastagem degradada nos principais biomas do Brasil.
Esperamos que ao final desse projeto já tenhamos números menos empíricos sobre as áreas de pastagem degradada do Brasil. Hoje, trabalhamos com suposições. Por exemplo, no meu livro estimo que no Brasil Central e na Amazônia brasileira a área total de pastagem degradada ou em degradação seja em torno 70 milhões de hectares.
O processo de degradação de pastagens é um fenômeno complexo, pois geralmente envolve causas diversas. Em geral, o manejo inadequado, principalmente o uso sistemático de densidades animais que excedem a capacidade do pasto de se recuperar dos estresses causados pelo pastejo e pisoteio é uma das principais causas da degradação de pastagem no Brasil e no mundo. Na maioria dos casos, no entanto, existe uma ou duas causas principais e outras secundárias. No meu livro procuro detalhar todas essas causas.
Scot Consultoria: A morte súbita da brachiaria, doença que tem afetado grandes áreas no norte do país e no centro-oeste, com destaque para o Mato Grosso, que teve quase 2 milhões de hectares afetados, é ainda uma doença sem etiologia definida. Quais os avanços obtidos em relação aos estudos sobre essa doença? Qual medida indicada para evitar esse problema e sua disseminação?
Moacyr Dias-Filho: Tem havido certa confusão quanto a esse tema. Na realidade esse problema seria mais bem caracterizado como uma síndrome, pois decorre de mais de uma causa.
Assim, considero que o termo “morte súbita” não seria adequado. A denominação mais correta seria “síndrome da morte do capim-marandu”. Essa síndrome seria provocada por um conjunto de fatores, basicamente originados pelo efeito desestabilizante que situações intermitentes de excesso de água no solo provocaria na
Brachiaria brizantha cv. Marandu (que também pode atacar outros capins, como o Massai e o Mulato).
A hipótese que apresentei há alguns anos para esse fenômeno e que até hoje tem sido aceita no meio acadêmico, é que, sob excesso de água no solo o capim Marandú (braquiarão) ficaria mais suscetível a ataques de fungos do solo nas raízes em decorrência de mudanças no metabolismo desse capim. De forma simples, poderíamos dizer que, nessa situação, a planta teria dificuldade de reconhecer o fungo como inimigo.
Esses fungos, no entanto, em situações normais, não causariam problemas sérios à planta, pois seu sistema de defesa estaria mais organizado. Portanto, em uma comparação um pouco generalista, seria uma espécie de “AIDS” do capim. Tenho ainda recebido relatos que em pastos acometidos desse problema, pode ser observada a mortalidade de outras plantas, como algumas palmeiras. Minha hipótese para esse fenômeno seria a grande proliferação de conídios de fungos patogênicos nesses ambientes, os quais poderiam afetar outras plantas, além do próprio capim Marandú.
No momento, a alternativa mais viável para contornar esse problema é a diversificação. Isto é, evitar plantar ou ter um só tipo de capim em toda a propriedade rural (embora deva-se ter um só tipo de capim em cada pasto). Outra medida importante é evitar plantar o capim Marandú em solos potencialmente suscetíveis a baixa drenagem, ou em áreas onde já foi verificado esse problema.
Scot Consultoria: Qual a relação entre pastos degradados e emissão de gases de efeito estufa? Um pasto bem manejo pode ser considerado benéfico e uma estratégia importante para reduzir a emissão de gases do efeito estufa?
Moacyr Dias-Filho: Pastos degradados normalmente são emissores de gases efeito estufa. Nas pastagens degradadas ou em degradação, o crescimento do pasto diminui, diminuindo, também, a taxa de acúmulo de carbono (matéria orgânica) no solo (principalmente via deposição de raízes).
Nessa situação, eventualmente, as taxas de decomposição da matéria orgânica excedem as taxas de deposição, consumindo, progressivamente, os estoques de carbono no solo. Além disso, a forragem disponível nessas pastagens improdutivas ou mal-manejadas normalmente é de baixa qualidade (menor digestibilidade e valor protéico), induzindo a menores taxas de passagem no rúmen.
Nessa condição, aumenta o potencial de emissão de CH4 por unidade de forragem ingerida pelo gado.
Pastos produtivos e bem manejados podem ser grandes acumuladores de carbono no solo e, portanto, mitigadoras das emissões de gases efeito estufa. Infelizmente, muitas vezes, esse grande potencial das pastagens tropicais bem manejadas, em sequestrar carbono, não tem sido levando em conta em diversos estudos em que são calculadas as emissões líquidas de gases efeito estufa pela pecuária.
Além disso, o aumento na disponibilidade e na qualidade de forragem, resultante da recuperação da pastagem, reduz a idade de abate (menor tempo do animal no pasto) e melhora o índice reprodutivo do rebanho, dois parâmetros importantes no incremento da eficiência de produção e, consequentemente, na redução das emissões individuais de CH4 pelo gado.
Portanto, a recuperação de pastagens degradadas pode ser considerada uma estratégia de grande eficiência para aumentar o sequestro do carbono atmosférico e diminuir as emissões de gases efeito estufa, sendo, portanto, uma estratégia mitigadora do efeito estufa.
Em resumo, pastos bem manejados são muito eficientes em sequestrar o carbono atmosférico para o solo e, portanto, mitigar as emissões de gases efeito estufa.
Scot Consultoria: A lotação média das pastagens no Brasil está próxima de 1 UA/ha, com um rebanho estimado em 205 milhões de cabeças. A demanda mundial por alimentos é crescente e o Brasil tem se tornado o potencial fornecedor. Considerando a recuperação de pastagens, sem que seja aberto nenhum hectare de pasto novo, é possível imaginar qual o potencial de expansão do rebanho nacional, considerando aumento na capacidade suporte dos pastos?
Moacyr Dias-Filho: Em termos matemáticos, eu estimo que existe o potencial de dobrar, ou quase triplicar o rebanho nacional sem a necessidade de se derrubar uma só árvore.
No entanto, evidentemente essa seria apenas uma projeção matemática, baseada no potencial agronômico que a recuperação de pastos degradados teria a capacidade de produzir.
Na prática, se hoje os pecuaristas do Brasil resolvessem recuperar todos os seus pastos degradados ao mesmo tempo, evidentemente não teríamos gado suficiente para comer tanto pasto, faltaria adubo para recuperar todas essas áreas e, principalmente, mercado para consumir tanta carne.
A mensagem que fica é que hoje temos um potencial imenso de aumento de produção de carne e leite via recuperação de pastos degradados. Outro ponto importante a ressaltar é que com o aumento da produtividade via recuperação de pastos degradados, muitas das áreas que hoje estão sendo subutilizadas com uma pecuária de baixa eficiência, poderiam ser destinadas para outros fins agrícolas ou de preservação, sem que com isso houvesse diminuição da produção de carne e de leite.
Finalmente, é importante ressaltar que a adoção pelos produtores de tecnologias de recuperação de pastagens degradadas normalmente contempla a intensificação agrícola e, como tal, é influenciado por fatores agronômicos e socioeconômicos.
Portanto, há requisitos básicos para a adoção dessas tecnologias. Listo com os principais requisitos os recursos financeiros próprios ou acesso a crédito para os investimentos, o domínio da tecnologia ou acesso à assistência técnica qualificada, o acesso a mercado para compra de insumos (sementes, fertilizantes etc), e a segurança na posse da terra.
Scot Consultoria: Por fim, acredita que hoje o pecuarista esteja entendendo e assumindo a importância do pasto na produção, motivados pela pressão econômica e ambiental?
Moacyr Dias-Filho: O atual cenário da agropecuária brasileira tem mostrado um nível crescente de conscientização de governantes, técnicos, produtores e da sociedade em geral com as questões ambientais. As razões para essa mudança de paradigma de produção têm sido, entre outras, as crescentes pressões pela diminuição do desmatamento.
Dentro desse cenário, fica muito claro que o grande desafio para o avanço da pecuária desenvolvida a pasto será a sua modernização, isto é, o aumento da eficiência por meio do uso de tecnologias mais intensivas de manejo da pastagem.
Nesse sentido a recuperação de pastagens será de importância fundamental.
Portanto, a sobrevivência da pecuária como atividade sustentável, no sentido amplo, dependerá da sua modernização via aumento de eficiência (produzir mais em menor área).
No futuro, não haverá mais espaço para pecuaristas amadores. Só sobreviverá na atividade quem for eficiente, isto é, aquele que acreditar que o aumento da produção na pecuária deve estar pautado, principalmente, no aumento da produtividade das pastagens e não no aumento das áreas de pastagens.