Talvez seja um pouco tarde para lançar novas ideias, dado que as discussões para reforma do Código Florestal estão avançadas no Congresso Nacional, mas acredito que o exposto neste artigo possa ajudar a implementar o novo código, quando aprovado. O que defendo aqui é colocar mais mercado e menos regulamentação no marco regulatório da reserva legal. A oportunidade aberta pela reforma deveria ser utilizada para estabelecer mecanismos de mercado em substituição aos tradicionais instrumentos de coerção.
A proposta consiste em criar um mercado para a reserva legal com base num sistema de teto e trocas (batizado de cap and trade no mercado de carbono). As dificuldades legais para criar esse mercado não são grandes, uma vez que o teto já existe. Basta promover a segunda parte da ideia: viabilizar e estimular as trocas. Saliento que não estou propondo um sistema de compensação tal qual já é permitido no Código Florestal corrente.
Para que o mercado de reserva legal decole, como no caso do mercado de carbono, algumas condições institucionais precisam ser garantidas. A primeira, a rigor já estabelecida no Código Florestal, é definir os montantes de reserva legal. A maior modificação jurídica a ser feita é na conceituação e no propósito da reserva legal. Em vez de impor a reserva legal como obrigação de cada propriedade rural, ela passaria a ser definida como uma meta para uma determinada unidade regional mais ampla, e não restrita à microbacia hidrográfica. Essa meta passaria a ser expressa em hectares necessários para compensar a área antropizada corrente e futura daquela unidade regional. A meta regional seria, idealmente, calculada a partir do somatório da meta individual de cada propriedade. No entanto, considerando que existem Estados cuja área de vegetação nativa ainda ultrapassa as obrigações de reserva legal, essa meta seria calculada com base na área de vegetação nativa e na área antropizada localizada fora áreas excluídas para uso para fins produtivos.
Um mecanismo de mercado permitiria aos produtores atuar de duas formas: 1) Alugar áreas com vegetação nativa em propriedades privadas em montante superior à reserva legal individual; 2) investir em restauro florestal em outras propriedades rurais. Assim, produtores com excesso de reserva legal e com áreas não utilizadas para produção, ou com baixa produtividade, seriam os ofertantes; e os produtores com "passivo ambiental" ou interessados em abrir suas áreas além do teto individual seriam os compradores de reserva legal.
Para que os ambientalistas ortodoxos não rechacem a ideia de antemão, a obrigação individual com as áreas de preservação permanente (APPSs) continuaria existindo (seja a conservação, seja o restauro florestal com esse fim), a despeito da meta ampla para reserva legal. Fica a discussão, e esta é o Congresso que vai arbitrar, se as APPs são adicionais à reserva legal ou não.
O custo de oportunidade de manter a vegetação nativa é elevado, seja porque o produtor está deixando de produzir, seja porque o custo do restauro por hectare é muito maior do que a rentabilidade de qualquer produto agropecuário. Assim, o surgimento do mercado de reserva legal pressupõe uma diluição de custos, enquanto se mantém, para o produtor, a obrigação da conservação.
Caberia ao governo formar um fundo de reserva legal que seria utilizado para alavancar esse mercado. O fundo teria um objetivo básico: subsidiar o investimento necessário para financiar projetos de restauro florestal e subsidiar as iniciativas de aluguel de reserva legal para cobrir os custos de oportunidade da produção agropecuária. Tendo em vista que grande parte dos custos do restauro ocorrem no início do projeto, o fundo cobriria parte do investimento inicial, o qual seria amortizado pelos produtores no decorrer do tempo de vida do projeto. Com esse mecanismo a entrada futura manteria o fundo capitalizado, permitindo que novos projetos fossem financiados. O tamanho do fundo (não é preciso dizer que seria de alguns bilhões de reais) dependeria da demanda pelo restauro.
O fundo poderia ser utilizado de forma a se atingir o que a sociedade espera em termos de preservação. Se promover o restauro é mais importante do que financiar a servidão florestal, o fundo poderia fomentar de forma mais agressiva projetos de restauro, estimulando produtores a seguirem esse caminho. Diversos critérios precisam ser desenvolvidos sob o guarda-chuva do mercado de reserva legal: um sistema de seguro autofinanciado para cobrir inadimplência, uma garantia para o tempo de permanência da vegetação nativa, um cadastro positivo de produtores que entrarem no mercado e um sistema de avaliação do andamento dos projetos, entre outros. É preciso dimensionar também o montante do subsídio a ser injetado no sistema, para se evitar risco moral, e criar mecanismos para garantir a transparência no uso dos recursos.
A criação do mercado de reserva legal tem várias vantagens sobre o sistema atual. A mais importante é que, se construído sem distorções políticas, ele promoveria uma alocação mais eficiente no uso da terra. Áreas apropriadas para produção agropecuária seriam usadas para este fim - o que não poderia ser diferente - e áreas menos apropriadas seriam as candidatas aos projetos de restauro florestal. A segunda é que a diminuição das restrições atuais associadas à compensação e à servidão florestal seria acompanhada por um massivo programa de restauro florestal, que, sem dúvida, traria vários benefícios ambientais e de biodiversidade aos fragmentos de vegetação nativa existentes. Por fim, um mercado para reserva legal estimularia, em vez de manter na defensiva, os produtores rurais a se engajar nos temas ambientais.