O engenheiro agrônomo Fernando Sampaio, trader de carnes da Meat Import Zandbergen, trata das pressões ambientais e de seus impactos negativos sobre o comércio internacional de carne bovina.
Fernando Sampaio por ele mesmo.
Sou engenheiro agrônomo formado pela ESALQ-USP em 1997. Em julho de 1999 fui fazer uma especialização sobre mercado de carne e leite na Escola de Agricultura de Angers, na França, e comecei a trabalhar em um frigorífico francês, o Soviba (Société dês Viandes Bretagne Anjou), que pertencia na época à maior cooperativa agrícola francesa a Cana-Caval. No final do ano 2000 a segunda crise da vaca louca virou a indústria da carne européia de cabeça para baixo. Fui para a Holanda em abril de 2001 trabalhar numa importadora de carnes sul-americanas, onde fiquei até fevereiro de 2008. No ano passado voltei da Holanda para o Mato Grosso do Sul, trabalhando pela mesma empresa que agora está investindo em pecuária aqui no Brasil
Scot Consultoria: Em sua opinião, as questões relacionadas à sustentabilidade ambiental têm potencial para levar ao surgimento de novas barreiras não-tarifárias para a carne bovina?
Fernando Sampaio: Absolutamente sim. Esse tipo de barreira, ligada a questões sócio-ambientais, pode ser defendida mais facilmente em negociações multilaterais. Afinal, quem vai protestar contra a proteção do meio ambiente, bem estar animal e boas condições de trabalho? Seria politicamente muito incorreto. A estratégia dos países protecionistas será a de paulatinamente mostrar boa vontade na redução de subsídios, de tarifas e de taxas de importação, mas ao mesmo tempo exigir mais dos fornecedores nessas questões sócio-ambientais.
De certa maneira, os grandes compradores de carne já estão tomando a frente dos políticos nesse tipo de assunto, exigindo garantias de seus fornecedores de que a carne, por exemplo, não venha de áreas desmatadas da Amazônia ou de fazendas com trabalho escravo. Mas é importante frisar que tanto políticos como compradores desses países não têm como objetivo direto prejudicar nossa agroindústria. Estão simplesmente atendendo aos interesses de seus cidadãos e consumidores, que estão cada vez mais preocupados com esses temas. E é natural que essa preocupação passe à esfera político-comercial. Nós é que temos que nos adaptar a esses novos paradigmas do mercado.
Scot Consultoria: Qual a imagem da carne brasileira, no mercado internacional, no que diz respeito à sustentabilidade ambiental?
Fernando Sampaio: Até pouco tempo atrás esse tema nem aparecia em negociações comerciais entre fornecedores Do Brasil e clientes lá fora. A questão ambiental começou a ganhar força nos mercados mais desenvolvidos, principalmente na Europa, por mérito do ativismo ambientalista, que durante a década de 90 se tornou extremamente poderoso, ainda mais com toda a retórica cataclísmica sobre o aquecimento global. Esse ativismo infiltrou-se em toda a sociedade durantes os últimos anos e modificou definitivamente o comportamento do consumidor na hora de comprar e também na hora em que estes escolhem seus representantes políticos.
Esse momento coincidiu com o aumento exponencial das exportações brasileiras de carne, com o avanço da fronteira agropecuária nas bordas da Floresta Amazônica e com graves crises alimentares, especialmente a da vaca louca e a da febra aftosa, que deixaram os consumidores com um pé atrás em relação às origens do que consomem. Nossos concorrentes na Europa aproveitaram-se disso para manchar a imagem da carne brasileira, associando-a à destruição da Floresta Amazônica, a riscos sanitários e a outras acusações graves como uso de trabalho escravo e desrespeito ao bem estar animal. O resultado, como sabemos, foi o embargo europeu às nossas exportações. E a nossa resposta foi tímida. Hoje será trabalhoso recuperar a imagem que tínhamos antes.
Em outros mercados, principalmente os emergentes, há chance de nos prevenirmos contra essa propaganda falsa.
Scot Consultoria: De acordo com a Embrapa, o Brasil conserva ainda 69% das áreas originais de suas florestas. A média mundial é 24% e, da Europa, é de apenas 0,3%. Ainda assim, temos a percepção de que os produtores brasileiros são os que mais sofrem com as pressões sócio-ambientais. Essa percepção é correta? Por quê?
Fernando Sampaio: As pessoas têm a idéia de que o Brasil está destruindo seu patrimônio ambiental por pura cobiça, para se tornar um grande exportador de “commodities” agrícolas. Isso é falso. Na pecuária, por exemplo, podemos duplicar, triplicar e até quadriplicar nossa produção sem derrubar nem uma árvore sequer, somente com aumento de produtividade. Não precisamos desmatar para produzir.
No entanto, não podemos também dizer que já que eles destruíram toda a floresta deles também temos o direito de destruir a nossa. Isso não é argumento nenhum e é contra producente. É nesse sentido que as organizações ambientais exercem essa pressão que percebemos como exagerada.
Se temos a sorte de ainda ter esse patrimônio ambiental, é preciso preservá-lo para as gerações futuras. E para preservá-lo, contamos com novas tecnologias que nos permitirão aumentar nosso desempenho nas áreas já ocupadas. E essa é a base principal da sustentabilidade.
Obviamente transformar dois terços do país em um parque zoológico gigantesco como os mais radicais pregam também não é solução nenhuma. Na Amazônia, por exemplo, existem 30 milhões de pessoas. Não adianta querer preservar a floresta sem que essas pessoas tenham uma maneira de ganhar a vida honestamente. É preciso um equilíbrio.
Scot Consultoria: Como você avalia o desempenho da cadeia produtiva da carne bovina do Brasil no que diz respeito à defesa de imagem no mercado internacional? Onde é preciso melhorar?
Fernando Sampaio: Comunicação é a palavra. Nossa mania é a de apenas reagir quando somos atacados lá fora. Precisamos de uma comunicação eficiente e pró-ativa, e não reativa. Precisamos divulgar os avanços, os aumentos de produtividade, as iniciativas sustentáveis, a extensão de nossa cobertura florestal e das áreas protegidas, as novas técnicas de conservação de solo e de recuperação de matas ciliares, não só na cadeia bovina, mas para todo o agronegócio brasileiro.
Não adianta fazer churrasco na embaixada para uma dúzia de compradores e políticos. É preciso que essa informação chegue ao consumidor, que é quem decide se vai comprar ou não. Para isso podemos usar as redes de distribuição de nossos clientes lá fora, repassar informações para que eles mesmos tenham como justificar a opção pela carne brasileira ou por produtos brasileiros junto a seus clientes.
Fernando Sampaio irá ministrar a palestra “Sustentabilidade e o comércio internacional de carne bovina”, no I Encontro Pecuária Competitiva: Gestão, Tecnologia e Lucratividade.