A União Européia (UE) reabriu ontem o seu mercado para a carne exportada pelas 106 fazendas incluídas na lista apresentada na semana passada pelo governo federal. A estimativa é que estas propriedades tenham um rebanho de aproximadamente 65 mil animais - são 196 milhões em todo o País. Na prática, na avaliação de pecuaristas, indústrias e analistas de mercado, continua um "embargo branco", pois a quantidade habilitada não é suficiente para atender à demanda. No mínimo seriam necessárias 3 mil propriedades.
"É uma humilhação para o Brasil. Todo mundo compra a nossa carne. Não dá para aceitar esta posição. É preciso uma atitute mais dura do Brasil", disse o deputado Luís Carlos Heinze, da bancada ruralista. Os parlamentares estiveram reunidos ontem com o Itamaraty pedindo uma posição mais firme, inclusive com a abertura de um painel na Organização Mundial do Comércio (OMC) - ver matéria abaixo. O secretário-executivo da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), Antonio Camardelli, diz que agora o setor precisará fazer "as contas para ver se vale a pena exportar". Segundo ele, além do número exíguo de propriedades, elas estão pulverizadas. Da lista de 106, a maior parte está em Minas Gerais (87), seguido pelo Rio Grande do Sul (11). O restante se divide entre Mato Grosso (4), Goiás (2) e Espírito Santo (2).
"A quantidade está em uma proporção coerente, mas o número total é ruim", diz o secretário de Agricultura de Minas Gerais, Gilman Viana. O estado havia enviado uma lista inicial com 1.237 propriedades. Segundo ele, com esta quantidade, não é possível fazer nem um embarque. Opinião semelhante tem o analista Fabiano Tito Rosa, da Scot Consultoria. Ele diz que é um universo pouco representativo e que deve elevar os preços nestas fazendas. "Na prática o embargo ainda existe, pois é pouca matéria-prima. E eu não sei se os frigoríficos vão achar viável disputar poucos fornecedores ou se vão esperar mais fazendas para voltar a exportar".
O diretor da AgraFNP, José Vicente Ferraz, diz que a negociação brasileira foi um fracasso. "Os grupos de pressão que levaram ao embargo conseguiram uma vitória porque deixam de poder ser criticados de praticarem embargo, que na prática continua",diz.
A liberação não agradou nem aos pecuaristas. "Para mim, 106 e nada é a mesma coisa. É um embargo branco", afirma Antenor Nogueira, presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Corte da Confderação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). O analista Paulo Molinari, da Safras & Mercado, acrescenta que a tendência os preços da carne subirem na Europa.
Auditorias
Segundo embaixador da delegação européia em Brasília, João Pacheco, a decisão foi tomada porque o sistema de rastreabilidade usado por essas 106 empresas foi auditado pelo governo brasileiro de forma "completa e correta". Agora, os técnicos europeus que estão em missão no País visitarão de forma aleatória algumas dessas propriedades a fim de conferir os dados da perícia executada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O embaixador evitou prever o que ocorrerá se ficar comprovado que essas fazendas também não cumprem as exigências.
Ele aproveitou a oportunidade para enviar um recado ao Itamaraty: a intenção brasileira de questionar na OMC a decisão de Bruxelas de limitar a importação do produto que não é rastreado não tem embasamento técnico. O diplomata ressaltou ainda que novas liberações só dependem do governo.
Pacheco destacou que há a possibilidade de a União Européia aumentar o número das fazendas autorizadas. "Não há negociação. O governo brasileiro tem que nos enviar uma nova lista com o resultado das auditorias. "As listas anteriores tinham problemas. Tudo vai depender do que o governo brasileiro nos enviar". Ele negou que o fechamento do mercado europeu às carnes brasileiras foi motivado por protecionismo ou pela pressão de produtores locais que têm perdido mercado para o produto nacional. Rebateu ainda as declarações de autoridades do governo segundo as quais o País foi pego de surpresa. Argumentou, por exemplo, que o acordo fechado entre a União Européia e o Brasil que garante a rastreabilidade foi assinado em 2002.
Pacheco garantiu que a UE não criará uma cota de empresas brasileiras que poderão exportar ao mercado europeu. O embaixador europeu alegou, no entanto, que a UE havia sugerido, e não ordenado, a produção de uma lista com 300 fazendas que teriam condições de vender carnes. Segundo Pacheco, os técnicos europeus teriam aconselhado tal número porque sabiam que o governo federal teria dificuldades operacionais para auditar mais fazendas.
Por: Gazeta Mercantil. Caderno C. Pág. 4 Por: Neila Baldi e Fernando Exman. 28 de fevereiro de 2008.