Quando a Associação Internacional da Indústria de Fertilizantes (IFA) se reuniu em Marrakech em maio de 2004 para sua 72ª conferência anual, China, Índia e Rússia puxavam o crescimento da economia mundial e os fabricantes de adubos, multinacionais ou locais, sabiam que o aumento da demanda por alimentos em países emergentes manteria os negócios aquecidos por um bom tempo.
Já atentos a mudanças climáticas que provocavam severas estiagens na Europa e no Sul do Brasil, a uma nova política agrícola europeia com menos subsídios e à tendência de disseminação dos biocombustíveis, os executivos reunidos na “pérola do sul” do Marrocos também sabiam que haveria oferta para cobrir esse maior consumo pelo menos até 2008, por conta de investimentos recém-concluídos em diversos países e ainda ociosos.
As projeções então apresentadas por Michel Prud’homme, secretário-executivo do Comitê de Produção e Comércio Internacional da IFA, mostravam que, em diversas regiões, a tendência era de aumentos de déficits ou reduções de excedentes de adubo de 2004 a 2008 - e o cenário se confirmou, maximizando a disparada dos preços do insumos entre 2007 e 2008, que levou a máximas históricas.
Em maio passado, em Xangai, a apresentação de Prud’homme na 77ª conferência anual da IFA foi novamente a mais aguardada. E ela apontou um cenário bem diferente daquele de 2004. Com a crise mundial, a entidade vê desaceleração no ritmo de aumento do consumo de alimentos, queda na demanda por adubo no curto prazo e elevação dos excedentes globais do insumo até 2013.
Os fertilizantes são produzidos basicamente a partir de nitrogênio, potássio e fósforo. Na área dos nitrogenados, o “superávit” pode superar 13 milhões de toneladas em 2013. No caso do ácido fosfórico, ficará em torno de 3 milhões de toneladas, e para os potássicos a previsão é de excedente de mais de 12 milhões de toneladas.
A conjunção adversa pega o segmento em um momento de expansão da oferta. Do Oriente Médio ao Leste Europeu, passando pelo Canadá e chegando à América do Sul, bilhões de dólares começaram a ser aplicados na expansão da oferta das matérias-primas que compõem os fertilizantes entre 2006 e 2008, em um movimento similar ao de outros segmentos da economia intensivos de capital.
Em seu projeto de abertura de uma nova mina de fosfato em Minas Gerais, o maior em curso no país, a brasileira Fosfertil está investindo cerca de R$2 bilhões. Nesses segmentos, a indústria normalmente espera a demanda se aproximar da capacidade instalada de produção para iniciar expansões, e isso aconteceu na área de fertilizantes. Só que havia uma crise no meio do caminho, e a amplitude dela não foi prevista pela IFA.
Eduardo Daher, diretor-executivo da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda), esteve na conferência da IFA na China e atesta que “projetos de elevação da oferta no mundo estão maturando”. Ele acredita que há espaço para a indústria crescer nesse horizonte, mas reconhece que, no mínimo, os preços deverão oscilar menos nos próximos anos. Analistas da área vão além: no que depender do que se espera hoje para oferta e demanda, não há motivos para altas significativas de preços.
As cotações estão em queda no mercado internacional desde setembro de 2008, quando a crise financeira americana se aprofundou. Levantamento da Scot Consultoria mostra que a tonelada da matéria-prima conhecida como “MAP”, produzida a partir do fosfato, saiu, em média, por R$1.086,00 em junho no mercado brasileiro, 60% menos que no mesmo mês do ano passado, quando foi alcançado o pico de R$2.700,00.
Antes disso, o Instituto de Economia Agrícola (IEA) da Secretaria da Agricultura de São Paulo já havia mostrado retrações de preços de fertilizantes acabados em todo o país no primeiro trimestre. Na região Sul, a queda sobre igual intervalo de 2008 foi de 30,8%. Como o Brasil, quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo (atrás de China, Índia e EUA), cobre 70% de sua demanda com importações, os preços domésticos acompanham as oscilações externas.
Executivos e especialistas alertam, entretanto, que a oferta está de fato garantida, mas que os preços podem desafiar esses fundamentos e subir, dependendo do andamento das safras agrícolas, da duração da crise econômica e dos efeitos das apostas financeiras no mercado de commodities. Por causa dos nitrogenados, os preços do fertilizantes guardam estreita relação com o petróleo, e esta é a commodity preferida dos investidores.
“O ritmo da demanda mundial estava muito forte. Ela deve cair cerca de 4% em 2009, e é de esperar um realinhamento dos preços”, afirma Dalton Carlos Heringer, presidente da Heringer, terceira maior empresa do Brasil em vendas de fertilizantes acabados. O executivo também esteve no evento da IFA em Xangai, e avalia que o cenário pode levar a adiamentos de alguns projetos de expansão em andamento, o que poderia reduzir os excedentes previstos. Mas a grande maioria dos projetos não pode mais voltar para a gaveta.
No Cone Sul, onde a produção de grãos (puxada pelo Brasil- tem espaço para responder rapidamente a qualquer aceleração da demanda global, também pode haver surpresas no horizonte traçado pela IFA até 2013. Em 2008, a demanda por adubo caiu 13,4% na América Latina
Fonte: Valor Econômico. Agronegócios. Por Fernando Lopes. 29 de junho de 2009.