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Bioeletricidade - eficiente e sustentável

por Marcos Jank
Segunda-feira, 21 de julho de 2008 -15h54
por Marcos S. Jank

O São Paulo Ethanol Summit, organizado pela União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), chamou a atenção para três aspectos do setor sucroalcooleiro: 1) O enorme interesse despertado pelo evento (mais de 1.500 participantes de vários países); 2) a liderança brasileira na corrida global da eficiência agroenergética; 3) o fato de o agronegócio já ter ultrapassado a fronteira dos alimentos, bebidas e fibras. O evento concentrou-se no novo paradigma dos combustíveis renováveis e produção de energia elétrica a partir de biomassa, a chamada bioeletricidade. Hoje tratarei desta nova fronteira do agronegócio, ainda pouco conhecida pela sociedade brasileira.

Todo mundo se lembra do apagão elétrico de 2001, que custou caro aos consumidores finais, às empresas e à popularidade do governo FHC. A despeito dos investimentos realizados nos últimos seis anos, se o Brasil crescer mais de 4% ao ano, o risco de apagão continuará rondando a sociedade, podendo ocorrer antes do final da década.

Uma das melhores alternativas para mitigar esse risco potencial é a co-geração de energia a partir de biomassa renovável. A possibilidade mais concreta neste campo é o uso do bagaço e da palha da cana-de-açúcar, que juntos representam uma parcela subutilizada de dois terços da energia contida na planta, já que açúcar e álcool são gerados unicamente a partir do suco da cana. Montanhas de bagaço de cana se acumulam nos pátios de usinas, hoje parcialmente utilizado para gerar a auto-suficiência energética das unidades processadoras de cana para produção de açúcar e álcool. Ademais, um terço da energia da cana presente nas palhas e nos ponteiros é desperdiçada em decorrência do corte manual, que exige a queima da cana no campo.

Antes do racionamento de 2001, o potencial de exportação de bioeletricidade para a rede elétrica era de ínfimos 120 megawatts (MW). Hoje a potência instalada e contratada para exportação já atinge 1.650 MW, o que ainda representa módicos 2% das necessidades do País. Estima-se que, se utilizássemos somente 50% da biomassa disponível na cana-de-açúcar, seria factível expandir o uso de bioeletricidade na matriz elétrica para 8% das necessidades nacionais até 2012, ou seja, 9 mil MW, equivalentes à energia prevista para ser gerada nos polêmicos projetos hidrelétricos do Rio Madeira.

O mais interessante é que a bioeletricidade se encontra disponível no coração da região de maior consumo do País - o Estado de São Paulo, que responde por 62% da produção nacional de cana. Melhor ainda, esta produção ocorre durante a safra da cana, de maio a novembro, que corresponde ao período seco, de menor hidrologia e de maior demanda por eletricidade.

Outras vantagens são o fato de se tratar de energia 100% renovável, de baixo impacto ambiental, fartamente disponível no pátio das usinas, que possibilita mitigar a emissão de gases de efeito estufa, enquadrando-se no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), com direito a receber créditos de carbono. Um programa estruturado de bioeletricidade pode produzir investimentos superiores a R$13 bilhões no Estado até 2015, gerando mais de 50 mil empregos e a compra de R$9 bilhões em equipamentos, componentes e peças para a instalação das centrais de co-geração, produzidos principalmente pela indústria paulista.

Vale notar que as centrais de bioeletricidade têm custos de implantação inferiores aos das usinas termo e hidrelétricas, demandando menor tempo para a sua construção (inferior a 30 meses) e possibilitando menores custos de transmissão para a rede elétrica. Se pudermos ainda aproveitar as palhas e os ponteiros com o fim da queima da cana (em São Paulo, prevista para 2014 nas áreas mecanizáveis e 2017 em áreas não-mecanizáveis), poderíamos ampliar a produção de bioeletricidade para 20% da matriz elétrica brasileira no horizonte de 2020, ou mais de 20 mil MW, equivalentes a duas usinas do porte de Itaipu!

O Brasil possui tecnologia de ponta para atuar no mercado de energia limpa, de forma competitiva e sustentável. Ocorre, todavia, que ainda há importantes ajustes a serem feitos pelo poder público, que impedem a obtenção de retornos compatíveis que gerem um ritmo sustentado de expansão da oferta de bioeletricidade. São três os problemas centrais: 1) A definição de critérios econômicos para uma valoração adequada dessa nova forma de energia, seja no que tange aos níveis de preços, seja na definição de metodologia única, justa e transparente para os leilões de energia, que de fato reconheça a importância da bioeletricidade como energia complementar à sazonalidade hidrelétrica; 2) as dificuldades de acesso e conexão das centrais às redes elétricas; 3) a outorga difícil e morosa do licenciamento ambiental dos projetos.

A bioeletricidade é uma das maiores fronteiras da indústria sucroalcooleira nacional e pode gerar uma revolução de magnitude semelhante à obtida com o etanol. Ela pode reduzir fortemente a necessidade de licenciamento de novos projetos hidrelétricos em regiões ambientalmente sensíveis, o risco de termos de reingressar na energia nuclear e o custo ambiental dos projetos termoelétricos à base de gás natural, óleo combustível e carvão, mais caros e poluentes.

De fonte alternativa de energia pouco valorizada, a bioeletricidade pode-se tornar a maior esperança do País para gerar oferta de energia elétrica renovável, barata e sustentável ambiental e socialmente. Não se trata de mágica, mas apenas de racionalizar produtos e processos a partir de um melhor uso de recursos subutilizados e do know-how de que dispomos. Para isso será necessário desenvolver mecanismos regulatórios racionais e duradouros, que garantam tanto a sustentabilidade econômica do setor sucroalcooleiro como as necessidades energéticas de longo prazo da Nação.




Marcos Jank - Presidente da UNICA (União da Indústria de Cana-de-Açúcar).