É impressionante o tanto que a produção de cana-de-açúcar é alvejada pela sociedade. Tal qual acontece com a pecuária de corte, logo a produção de cana acabará sendo motivo de vergonha, de atividade de gente ruim, que traz malefícios à sociedade.
Sempre acabam associando a cana à degradação de solo, produção de monocultura, maus tratos a funcionários, poluição do ar pelas queimadas e até ao fato de que seu avanço acabe reduzindo a disponibilidade de alimentos no Brasil. Qualquer problema que possa ser atribuído à produção de cana é um prato cheio para que a mídia “caia em cima”, denunciando um ou outro problema.
Evidente que pela estrutura de produção das indústrias, os canaviais tenham que ocupar extensas áreas próximas umas às outras. Mesmo que façam rotação com soja, amendoim ou qualquer outra cultura, a cana-de-açúcar é semi perene e será renovada depois de 5, 6 ou 7 anos geralmente, o que dá a impressão de nunca haver rotação de cultura.
A queima da cana para colheita, que vem reduzindo ano a ano, ainda é usada por questões de custos e viabilidade da colheita manual. A colheita manual em si já é um trabalho duro que tende a sensibilizar o leigo quando as imagens aparecem na televisão. Mesmo que os funcionários recebam corretamente, trabalhem com EPI (Equipamentos de Proteção Individual) e tenham todas as condições de trabalho previstas em lei atendidas, a imagem de um cortador de cana sempre tenderá a chocar a maioria da sociedade que vive e trabalha na cidade. Aquela é a rotina de trabalho do corte de cana.
Enfim, muito do que é apresentado como ponto negativo da cana é meramente falta de conhecimento ou preconceito. Serão listados alguns pontos polêmicos sempre atribuídos ao avanço dos canaviais sob outra ótica, um pouco mais favorável.
Geralmente os produtores rurais relacionam o avanço da cana-de-açúcar em suas regiões como ameaça. A cana vem tomando espaço, conquistando áreas que eram de outras atividades, enfim, vem ocupando a paisagem de determinadas regiões. Em algumas regiões, produtores mais antigos, e mais atentos, atribuem aos canaviais a redução de nível de água em pequenas represas ou rebaixamento do lençol freático.
No entanto, este processo é natural, reflexo do surgimento de novas oportunidades econômicas para o uso do solo na região. A cana só avança porque o produtor (proprietário de terra) percebe que conseguirá melhor renda produzindo ou arrendando para cana, quando comparado à sua atual atividade. Essa é uma oportunidade de melhoria da qualidade de vida dos produtores.
Sendo assim, o avanço dos canaviais acaba acontecendo geralmente em áreas que têm sido ineficientes em competir em renda. Um dos exemplos mais típicos destas áreas são as pastagens degradadas que, segundo estimativas, devem somar cerca de 50 milhões de hectares em todo o Brasil. Não é a cana que avança; o que avança é a oportunidade de melhorar de renda. Pode ser a cana, o eucalipto, a produção de grãos ou qualquer outra atividade que esteja possibilitando melhores rendas que os produtores estão obtendo com suas atividades atuais.
Por isso não parece correto associar este fato à ameaça. Está mais relacionado à oportunidade, à possibilidade de melhorar a renda, a empresa e a qualidade de vida. Em muitos casos, essas oportunidades permitem um fôlego por mais alguns anos ou tempo para que produtores, que seriam excluídos da produção rural, se recoloquem em outras atividades econômicas, geralmente relacionadas ao próprio agronegócio.
Foi também durante o período de 2005 a 2007, quando a cana estava em franca expansão, que produtores e técnicos começaram a falar mais de um dos principais indicadores econômicos em fazendas: o lucro em R$/ha.
Apesar de sempre ter sido importante, os profissionais do campo analisavam preferencialmente o indicador relacionado ao produto, ou R$/saca, R$/caixa, R$/arroba, R$/litro, etc.
Quando outra cultura aparece estabelecendo a referência de ganhos por hectare, imediatamente os empresários se vêem na obrigação de comparar a sua atividade com a oportunidade de plantar ou arrendar para a cana. É aí que começam a estabelecer tal indicador como referência e objetivo a ser atingido.
Parece simples, e até infantil, mas o fato é que essa mudança é significativa do ponto de vista decisório nas empresas rurais. Quem trabalha com análises econômicas, acompanhamento de custos, comparação de resultados e mesmo com aplicação de tecnologias de produção nas fazendas, percebe a grande mudança que tal indicador significa no dia a dia da empresa.
A dúvida do empresário não fica só no âmbito “devo ou não aderir à cana?”. Ele também passa a querer responder outra pergunta. “Como fazer para competir em renda com a cana?”.
E é aí que entra um dos grandes ganhos relacionados ao custo de oportunidade. Para competir em resultados por hectare (R$/ha) o empresário precisa aplicar tecnologia, aumentando a eficiência econômica, social e ambiental da terra em que produz. Todos ganham com o processo.
Essa mudança de referência acontece com qualquer atividade que aparece como oportunidade de melhoria de renda. A cana tornou-se um grande exemplo pela agressividade que aconteceu em tão pouco período de tempo, naqueles anos relacionados anteriormente.
A mesma agressividade que impulsionou diversas análises econômicas comparativas, palestras e textos a partir do avanço da cana, também acabou levando a sociedade a concluir equivocadamente sobre a realidade do avanço da cana.
O Estado mais rico da união é São Paulo, onde também reside a maior população urbana e a maior parcela dos formadores de opinião do Brasil. São Paulo tem 61% da cana brasileira, e todo o Centro-Sul soma quase 89% da cana produzida no Brasil.
Nestas regiões, principalmente em São Paulo, um cidadão que viajar com a sua família a curtas distâncias terá a impressão de que a cana está tomando todo o país. E aí vai se formando uma idéia equivocada sobre a quantidade de cana e os impactos na produção de alimentos no Brasil. No entanto, o cidadão está analisando a realidade de São Paulo – coração da indústria canavieira brasileira – e extrapolando essa realidade para todo o território nacional. Por isso que se criou aquela histeria de que no Brasil a produção de etanol competiria com a produção de alimentos.
Essa histeria, iniciada por opiniões de leigos no assunto, foi alimentada por grupos de interesse econômicos, sejam relacionados ao petróleo, a outras culturas ou mesmo outros países que se interessam por preços altos do etanol em todo o mundo. No fundo virou um conflito de opiniões com objetivos meramente econômicos.
Na realidade, a cana de açúcar ainda não atinge nem 1% da área total brasileira. Observe a ocupação de terra no país de acordo com o uso econômico na figura 1.
As projeções mais otimistas de aumento dos canaviais brasileiros nos próximos 10 anos apontam para uma área entre 14 e 15 milhões de hectares. Isso significaria mais que dobrar a área atual e, ainda assim, os brasileiros ocupariam cerca de apenas 2% do país com a cultura.
Portanto, é um mito associar a produção de etanol com a redução de produção de alimentos. Apenas por desconhecimento, ou má fé, alguém se apoiaria nesta argumentação dentro da realidade brasileira.
Observe também pela figura 1 que mesmo que o país abrisse outros 90 milhões de hectares para a produção – o que deve ocorrer no futuro próximo – ainda assim 48,9% do território brasileiro seria floresta conservada e preservada. Essas áreas a serem abertas estão, na grande maioria, nos cerrados brasileiros, onde a fauna é mais pobre.
Na questão da degradação do solo, a cana também não faz jus à fama que acaba levando. Dificilmente encontram-se canaviais implantados sem todos os cuidados e práticas de conservação de solo e prevenção de erosões. As correções e fertilizações do solo também são adequadas. Não há excesso e nem sub-fertilização em canaviais bem conduzidos. Em ambos os casos o agricultor arcaria com prejuízos.
Em fertilização, é de conhecimento técnico que há um índice de eficiência entre a quantidade adubada e a capacidade de extração da planta. Sendo assim, canaviais lucrativos e bem manejados tendem a melhorar a fertilidade do solo no longo prazo. O único “pecado” ou ponto negativo do manejo de canaviais continua sendo a queima onde ela é feita. Cada vez mais há menos queimas como comentado anteriormente.
Com relação às observações de que o plantio de cana reduz o nível de pequenas represas, tudo depende da região, profundidade de lençol freático, tipo de solo, etc. É preciso lembrar que a cana produzirá em média 80 a 100 toneladas de massa verde por hectare ao ano. Geralmente essa cultura substitui uma pastagem degradada que poderia produzir entre 4 e 6 toneladas de massa verde por hectare por ano. Evidente que a evapotranspiração nestas condições será consideravelmente superior às condições anteriores, fazendo com que haja maior demanda por água. Por isso a observação de redução no nível das pequenas represas em algumas regiões.
Evapotranspiração é a soma da água evaporada pelo solo e transpirada pela planta durante o processo de fotossíntese e translocação de nutrientes das raízes para a parte aérea. A água que sobe pela planta retorna à atmosfera.
Outra confusão que se faz – não só para a cana, mas para toda a produção agropecuária - é com relação ao uso da água.
A agropecuária não gasta água; ela utiliza a água e a faz circular entre solo, planta e atmosfera. Esse processo ainda permite filtrar a água melhorando a qualidade da mesma enquanto viabiliza a produção. O aumento de umidade atmosfera, com a água deste processo, acaba retornando em precipitação (chuva).
Trata-se de um grande equívoco associar a agropecuária bem conduzida com o gasto de água disponível para a população. Pelo contrário, agropecuária conduzida com controle de erosão melhora a qualidade e a quantidade de água na região.
Por fim, segundo levantamento do CEPEA/CNA, o valor bruto da cana nas fazendas em 2009 deve atingir próximo de R$ 28 bilhões, gerando riqueza, impulsionando empregos diretos, indiretos e trazendo diversos benefícios ambientais.
Geralmente se esquece, mas é o uso da energia proveniente da cana-de-açúcar que permite ao Brasil ser praticamente auto-suficiente em petróleo. Confira na figura 2 a matriz energética do Brasil.
A participação da biomassa na matriz energética no resto do mundo é de 10,7%, enquanto no Brasil é 31,1%. No Brasil, a biomassa é representada basicamente pelos produtos e derivados de cana (etanol e bagaço para produção de energia).
Isso coloca o Brasil entre os países mais bem posicionados do ponto de vista energético. Somando a biomassa com produção de eletricidade por força hidráulica, concluímos que 45,96% da energia usada no Brasil é proveniente de fontes renováveis, enquanto no mundo todo apenas 12,7% vem de fontes renováveis. Nos países ricos a situação ainda piora, pois apenas 6,7% da energia é proveniente de fontes renováveis.
Observe essa relação na figura 3.
Em termos de energia, o Brasil é um bom exemplo ao mundo todo. E as possibilidades que vêm sendo identificadas pela pesquisa e pelo avanço tecnológico, ampliam ainda mais o potencial de substituição dos derivados do petróleo por tecnologias limpas produzidas pela agricultura e mesmo pela pecuária – no caso do sebo para produção de biodiesel ou do uso de resíduos para biodigestores.
Sem dúvida alguma o conhecimento e a experiência brasileira em produção de energia limpa são ímpares no mundo todo e merecem destaque e orgulho por parte de nossa sociedade.
O avanço da produção de cana de açúcar não é ameaça sob nenhuma ótica que se analise. Pelo contrário, quanto mais desenvolvermos tecnologias de aumento de eficiência em sua exploração, mais riquezas, empregos e investimentos serão gerados; e mais limpo e democrático será o acesso à energia no mundo todo.
Essa tecnologia é brasileira. O Brasil é o país mais próximo de desenvolver total independência do petróleo, fator fundamental para a sobrevivência das futuras gerações.