Para você ver como estão as coisas nesses idos de 2011. Nesses últimos meses a oferta de boi para abate está menor que nos picos de 2008.
Observe o gráfico abaixo. Hoje as escalas oscilam entre 2 e 4 dias, contra 3 e 5 dias em 2008. Não é à toa o pico de 2010 ter sido mais alto e intenso agora do que foi lá atrás.
Se há uma menor quantidade de bois gordos e se essa informação está corretamente representada nas escalas de abate, isso para nós é resposta suficientemente boa para explicar a razão da arroba não querer cair nessa safra.
Você pode tirar dois desdobramentos desse raciocínio para frente.
1) Pelo lado otimista, se continuar como está o mercado tem grandes chances de ser firme ao longo do ano.
2) Pelo lado baixista, qualquer aumento nessas escalas de abate, por menor que seja, esse aumento irá pressionar fortemente para baixo a arroba do boi.
Vamos continuar esse raciocínio daqui a pouco, mas antes temos que colocar a coisa toda dentro de um contexto histórico. Se lembram que escrevi outro texto umas semanas atrás argumentando sobre a inflação?
A premissa era que o movimento de baixa das
commodities chegou ao fim. Não tinha lido esse outro artigo aqui abaixo antes de escrever o texto da Carta Pecuária, mas a revista The Economist escreveu também sobre isso antes, em fevereiro:
Uma era da comida barata chegou ao fim. Uma combinação de fatores - aumento da demanda na Índia e na China, uma mudança na dieta distanciando-se dos cereais e indo para a carne e os vegetais, o aumento do uso de milho como combustível, e os desenvolvimentos fora da agricultura, como a queda do dólar - têm levado a fim de um período a partir do início dos anos 1970 em que o preço real dos alimentos básicos (arroz, trigo e milho) caiu ano após ano.
A maioria das análises de pecuária que a gente já leu ou escutou em palestras lidam com os preços da década de 70 para cá das
commodities, pecuária inclusive. Esse foi o mundo do aumento da produtividade e, em certa medida, da desinflação.
Observe o gráfico abaixo. A maioria de vocês identificará imediatamente esse gráfico. Ele é muito utilizado em palestras para explicar a razão e a importância, nas últimas décadas, do aumento constante de produtividade para se manter a remuneração da pecuária. De fato, as
commodities de um modo geral se comportaram mais ou menos parecidas com esse gráfico aqui da arroba logo abaixo. Com o aumento da produtividade e a inflação no mundo inteiro deixando de ser um problema iminente, a relação oferta
versus demanda se mostrou constantemente desequilibrada ao favorecer a oferta. Ela mostrou que a oferta foi, nessas últimas décadas, o grande peso e o grande balizador de última instância dos preços, jogando em termos reais as cotações para baixo.
Esse olhar seletivo nos preços da década de 70 para cá poderá se tornar falho ou insuficiente para explicar os preços daqui para frente. Dizem os analistas citados naquele texto da Carta Pecuária de umas semanas atrás e também nesse texto da revista The Economist, que estamos lidando com um cenário que possui mais afinidades históricas com as décadas anteriores, de 1950-60, onde o pós-guerra, o desinvestimento da produção e a inflação em alta subseqüente foram os direcionadores primordiais dos preços, puxando as cotações para cima.
Temos estatística de valores de arroba desde a década de 50 no Brasil. Observe quando acrescentamos no próximo gráfico as décadas anteriores de preços da arroba do boi.
Olhem nesse gráfico a seguir e olhe novamente o gráfico anterior. Repare como a pecuária tinha outro comportamento da década de 1950-60 e parte da década de 70 - o comportamento era de um verdadeiro mercado em alta. Foram praticamente 30 anos de alta nas
commodities entre das décadas de 50-60-70 contra 30 anos de baixa entre as décadas de 80-90-10.
Trinta anos de baixa nos preços são suficientes para retirar da cabeça de qualquer um a vontade de investir na atividade e fazê-lo esquecer que, um dia, seu produto subiu. Haja vista projetos de cria, puxando a sardinha para a pecuária, têm visto mega projetos, caro leitor? Acho que não. Infelizmente a maioria das soluções tecnológicas surgiram para resolver a questão da velocidade da engorda. O aumento de produtividade, melhoramento genético, nutrição, confinamentos, cerca elétrica, enfim, todas as técnicas de aumentar a velocidade na engorda do rebanho foram criadas para responder os problemas surgidos nos últimos 30 anos.
A cria, diferente da engorda, exige áreas novas de pasto para aumentar o rebanho. Uma vaca demora 9 meses para produzir um bezerro, mais 6 meses no mínimo para desmamá-lo. O aumento de produtividade por vaca é uma barreira da natureza. Para produzir mais bezerros, você precisa de mais pastos. Simples assim. E mais... Mais... Mais áreas para a cria foi o que aconteceu no Brasil nessas décadas até recentemente, e que supriram com mais... E mais... E mais bezerros o mercado até então. Aliando esse aumento de abates ao fato de que a inflação só fez cair nas últimas três décadas, a atividade passou por uma pressão de baixa violenta, que jogou a arroba abaixo dos seus valores históricos. Observe o gráfico novamente.
O controle inflacionário dessas quase duas décadas se juntou ao aumento de abates, jogando os preços para baixo. A linha vermelha aí no gráfico é o PISO histórico da arroba corrigida pela inflação. Hoje esse piso histórico significa uma arroba ao redor de 100 reais. Agora, a média desses últimos 70 anos para a arroba está demonstrada na linha azul.
Percebe a razão da arroba estar com tanta dificuldade de romper para baixo 100 reais?
Não é somente por causa da curta escala de abate. Aliado aos custos de produção crescentes porque as outras
commodities estão passando por um processo semelhante à pecuária, existe uma pressão histórica para essa arroba subir, e essa pressão passa também pela taxa de reposição entre o boi e o bezerro, hoje perto das mínimas históricas.
O sistema pecuário está desequilibrado, caro leitor. Pelos valores atuais do bezerro, a arroba do boi está valendo abaixo do que ela deveria estar valendo.
Voltando para a cria. O Brasil dará conta de alimentar sua própria população e continuar a exportar? Acredito que sim, porém não nos preços atuais da arroba. O boi gordo do futuro começa sua vida nas fazendas de cria. Será que teremos novas áreas no futuro para aumentar a quantidade de vacas nos pastos? Será que as áreas atuais de cria se manterão assim? Com a concorrência da cana, eucalipto, soja, milho, algodão, pastos para engorda, desenvolvimento urbano nas bordas das cidades comendo parte das fazendas e a pressão ambiental, a cria terá fôlego para conseguir ocupar os pastos mesmo diante das opções que o mercado lhe apresenta?
Além disso, o processo inflacionário está novamente se mostrando ativo. Atualmente as fazendas de engorda buscam rodar o seu rebanho ao máximo - a palavra-chave é taxa de desfrute. Taxa de desfrute é a medida de quantos animais são abatidos na fazenda mediante o seu estoque permanente de gado. Um cidadão que tem estoque permanente de 1000 bois e abate 800 ao ano tem um desfrute de 80%. Outro sujeito que possui 1000 cabeças e abate 1500 tem um desfrute de 150%. Conheço quem abate à pasto 180% do seu rebanho ao ano. Isso para fazendas de engorda. Para fazendas que fazem o ciclo completo podemos jogar isso aí para 40% a até 70%.
Mas a taxa de desfrute é apenas uma parte do que é o boi, caro leitor. O boi teve vários papéis ao longo da história da humanidade. Ser fornecedor de carne é uma coisa recente, dos últimos 100 anos. Antes seu principal papel era de força motora, para puxar arados e carros de boi.
Em situações de inflação ele se transforma em outra coisa ao invés de carne, ele adquire outra função, exerce outro papel. O boi se transforma em moeda, em reserva de valor. Se a inflação voltar a aumentar, é provável que o seu papel de moeda se torne novamente mais atrativo - e importante - que seu papel de produção de carne e taxa de desfrute. Reserva de valor foi o principal papel do boi no período inflacionário da década de 80. Se lembram do Sarney confiscando gado gordo nas fazendas, pois os pecuaristas não queriam vender?
Então, voltando a questão dos desdobramentos do início do texto. Pelo lado otimista, se continuar como está o mercado tem grandes chances de ser firme ao longo do ano, não parece ser tão fora de base assim não.
Por outro lado, com inflação, o ciclo pecuário em ação que se evidencia pelo retorno do abate de fêmeas e a entrada de novos bezerros no mercado frutos da retenção ocorrida até então e consequentemente qualquer aumento nessas escalas de abate, por menor que seja esse aumento irá pressionar fortemente para baixo a arroba do boi desfocam um pouco a visão altista para o futuro. Ainda a safra não acabou, e poderemos ter surpresas até o final dela. Espero que não.
Falar disso tudo sem mencionar o mercado futuro seria uma análise incompleta.
Observe o gráfico a seguir.
O mercado está apostando em uma alta de 3% entre os R$101,92 ocorridos em janeiro passado até os R$105,00 para o contrato de novembro.
É a menor perspectiva de alta da história do plano Real.
Levando em consideração o que discutimos aqui hoje, parece meio tímida a expectativa de preços para essa entressafra, não?
O leitor sabe que quase não faço minhas análises diretamente sobre os contratos futuros, mas não dá para deixar passar a situação atual do contrato de outubro. Veja os preços em uma tendência de alta a partir de novembro do ano passado e que acabou de ser confirmada há uns dias atrás com o contrato beliscando 104 reais.
Lembre-se que comecei a comentar sobre esses preços de outubro no ano passado com esse contrato valendo ao redor de 96 reais. Umas semanas depois disse que esse contrato estava com um viés altista se comparado ao mercado físico. De lá para cá está sendo isso que está ocorrendo. De lá para cá esse sujeito aí já subiu oito reais, e ao que parece ainda não se deu por satisfeito.
Aqui fica interessante. Mesmo a arroba caindo na safra - ela pode vir ainda tecnicamente abaixo um pouco de 100 reais - os contratos da entressafra me parecem um pouco fora de preço no momento. É difícil justificar uma venda nesses valores praticamente iguais ou abaixo aos do indicador atual. Simplesmente isso vai contra a história. E pelo pouco que sei sobre mercado, aprendi a não ir contra a história, mesmo existindo a possibilidade de estar errado. É menos arriscado assim.