Por Rogério Goulart
O investidor de longo-prazo consegue enxergar através das distrações do dia-a-dia. Ele consegue averiguar valor intrínseco de um investimento, enquanto as pessoas só enxergam desespero. Consegue aproveitar oportunidades quando a maioria só pensa em cair fora.
Ter tempo
Sabe por que ele faz isso? Porque ele pode se dar o luxo de ter tempo. Com calma, não fazendo nada as pressas, ele faz suas próprias análises e seus próprios raciocínios, conseguindo detectar oportunidades de negócio que não estão claras para a maioria.
Ele tem esse tipo de pensamento, pois ele conhece uma verdade já testada ao longo dos séculos: o mercado é um constante sobe-e-desce de diferentes magnitudes. Assim como um navegador experimentado que enxerga a calmaria após a tempestade, ele despreza as oscilações de curto-prazo; para ele esse tipo de observação é somente um desperdício de tempo e uma inútil batalha mental de nervos e adivinhações. Ao se deter em ciclos de médio e longo-prazo, esse investidor vê os momentos de alta e baixa nitidamente - e se posiciona para lucrar com eles.
Fazendeiro
Agora vamos supor que esse investidor seja um fazendeiro. O que ele estaria pensando agora?
Bom, provavelmente ele já deve estar comprando bezerros desde o ano passado, aproveitando as boas condições, em média, de reposição. Ele estaria também prestando bastante atenção nos números das exportações e na parcela da produção nacional de carnes que tem como destino o mercado externo. Quando ele vê os números, repara que os embarques vêm aumentando constantemente desde a desvalorização do real há alguns anos atrás.
Ainda sobre isso, e mesmo tendo esses dados na mão, ele fica desconfiado. Se no Brasil está bom, ele quer compará-lo com os outros países exportadores de carne. Ele pega os Estados Unidos, o Canadá, Argentina, Austrália, Uruguai e Europa. Olhando para os números e notícias que vem desses países, o sentimento que fica é que "ainda temos espaço". Espaço para quê? Ora, conservador do jeito que ele é, esse espaço refere-se à duração dessa janela aberta à carne brasileira lá fora, pois além de ser conservador ele é humilde: sabe que nosso produto é bom, porém não tem
"nome" lá fora e qualquer retomada dos outros países produtores mais tradicionais pode comprometer alguns mercados recentemente conquistados.
Segunda opinião
Mesmo assim, olhando para os números das exportações e olhando para a realidade lá fora, ele quer uma segunda opinião. Vai conversar com quem está ligado diretamente e entende desse mercado:os próprios frigoríficos. Neles ele encontra uma situação sui generis do que ele encontra no sindicato rural ao qual é filiado. Nos frigoríficos o ânimo é diferente, mas ele não se importa muito com o que eles falam; está olhando mesmo o que eles estão fazendo. Nisso, ele dá uma volta a pé nos parques industriais e vê seções sendo construídas, novas salas de pesagem, câmaras frigoríficas e carretas frigoríficas tinindo de novas. Além disso, vê também carretas boiadeiras de dois andares cheirando tinta nova e pneus zero km nos cavalos. "Ora, isso quer dizer alguma coisa", pensa ele.
Cadeia da carne e ondas de choque
Voltando para sua casa, após essa visita aos frigoríficos, ele começa a pensar na cadeia da carne.
Elos desiguais, setores que mal se conhecem e conversam entre si é senso comum. Ele percebe, então, que a força está na mão do consumidor. É nele que reside o último elo, é ele a última estação desse comboio chamado pecuária. Nesse raciocínio, percebe então que uma onda de choque da demanda parte do consumidor, e vai se alastrando, alastrando... como a onda gerada por uma pedra jogada num lago. Essa onda inicialmente é sentida pelos supermercados e açougues; depois atravessa os frigoríficos e então, depois de algum tempo, é sentida pelo produtor final.
"Mas isso toma tempo", ele diz. "Além disso, temos várias ondas. Essas ondas de choque se desenvolvem em duas amplitudes diferentes, e elas trabalham uma sobre a outra". Uma é de curto prazo, ativada pelo clima, correspondendo à safra e a entressafra; a outra que é de médio-prazo, ativada pelo ciclo pecuário. "Ah, mas tem ainda uma outra onda, mais longa ainda", ele nos lembra.
Essa onda é a das commodities em geral, que afeta todo esse segmento em sua escala mundial.
A última onda de alta se encerrou em 1980. De lá para cá estamos vivenciando uma onda de baixa que terminou praticamente junto com a queda da bolsa americana Nasdaq, em 2000.
"De 2000 para cá entramos novamente em uma nova onda de alta das commodities", esse fazendeiro inteligente nos recorda. Ultimamente, com a demanda mundial em alta para esse segmento de produtos, tais como os produtos minerais, industriais, petróleo e alimentares, o mundo das commodities está sendo pego despreparado para fornecer as quantidades requisitadas, isso provavelmente por causa do desinvestimento resultante de duas décadas de preços baixos e no conseqüente decréscimo dos estoques mundiais.
Cenário positivo
"Hum", ele pensa. "Então no plano geral temos um cenário positivo para as commodities. Em especial, na carne, o cenário também está se desenhando como de crescente demanda pela Europa e pelos países Asiáticos. No front da oferta, os principais fornecedores mundiais estão sendo pegos no contra-pé, ora por questões sanitárias, ora por questões climáticas, não conseguindo fazer frente a esse apetite com novas ofertas".
Mercado interno
O mercado interno, parte complementar da análise estratégica que esse fazendeiro experimentado faz, ele observa que é abastecido pelos 80% restantes provenientes da oferta de carne doméstica.
Nesse segmento a surpresa não é tão surpresa assim: o abate é principalmente suprido por fêmeas, tanto de descarte, tanto as que foram encaminhadas especificamente para a engorda. Ele pega então sua calculadora e faz as contas. Observa que a média dos abates dos últimos 12 meses está 124% acima da média do mesmo período de abate de 2002 e (isso é importante), 74% acima da média desde 1997.
A experiência nos diz que tudo o que sobe, um dia cai. É de se esperar então que, no futuro, essa explosão de abate de fêmeas dará lugar para uma implosão no abate, com quedas expressivas na matança desse sexo e, conseqüentemente, valorização de sua contraparte, o boi.
É aí que os olhos desse fazendeiro se iluminam, pois ele enxergou um cenário interessante para a pecuária. Cenário montado não com especulações, nem com adivinhações, mas somente analisando os dados existentes hoje em dia, nas diversas fontes de informação, disponíveis para qualquer um.
Ele então está, com a calma e quietude de um mineiro, comprando bezerros, garrotes, e fazendo seu estoque. Está ao mesmo tempo investindo em reforma de pastagens, adaptando-as não para serem o estado-de-arte em tecnologia, mas sim para retornarem o maior lucro sem aumentar muito os riscos. Ele está investindo em maquinário, em tratores, em distribuidores de calcário, em forrageiras; está fechando negócios de aluguel de pastos se isso for conveniente. Não está muito preocupado com o cenário de 2005, pois consegue visualizar um futuro promissor para quem está
aproveitando essa dita crise para se posicionar com o intuito de lucrar para frente.
Ah, claro, fazendo tudo isso com calma, com tranqüilidade. Afinal, ele tem tempo...
rogério goulart é administrador de empresas pela PUC - SP, com especialização em mercados futuros, mercado físico da soja, milho, boi gordo e café, mercado spot e futuro do dólar. Editor-chefe da Carta Pecuária e pecuarista.