A seca e o forte calor que afetaram bacias leiteiras do país, como Minas Gerais, regiões de Goiás, São Paulo e Rio Grande do Sul, estão antecipando um movimento de alta dos preços do leite, que deveria ocorrer apenas a partir de março. Os primeiros sinais aparecem no chamado mercado spot de leite (comercialização entre laticínios de matéria-prima para processamento).
De acordo com levantamento da Scot Consultoria, na primeira quinzena deste mês, os preços da matéria-prima no spot de São Paulo subiram 13,0% em relação à segunda quinzena de janeiro. Em Minas, a alta na mesma comparação foi de 3,6%, em Goiás, de 13,7%, no Paraná, de 7,4% e no Rio Grande do Sul, de 5,5% (ver tabela).
Esse aumento no spot é prenúncio de alta para os preços ao produtor do país, segundo analistas e fontes da indústria.
Efetivamente, a falta de chuvas já atingiu a produção de leite em algumas regiões do Brasil, uma vez que pastagens que alimentam o rebanho foram prejudicadas e os animais produziram menos. Mas além de a oferta de matéria-prima para processamento ter caído em fevereiro, há menos leite importado no mercado e o dólar acabou estimulando as exportações de leite em pó por parte de empresas brasileiras.
"É muito cedo para ocorrer [a alta]. Normalmente, acontece em março, que é o início da seca", observa Laércio Barbosa, diretor do Laticínios Jussara, de Patrocínio Paulista, no nordeste de São Paulo. Segundo ele, as regiões em que a Jussara compra matéria-prima, como Minas, São Paulo, Mato Grosso do Sul e norte do Paraná, apresentaram queda de 10,0% na produção em comparação com o pico da safra.
João Bosco Ferreira, presidente da Cooperativa Central Mineira de Laticínios - Cemil -, de Patos de Minas, também informa que houve redução de 10,0% na produção de leite em relação a janeiro na região do Alto Paranaíba, onde atua a central. De acordo com o dirigente, em dezembro a Cemil recebia 900 mil litros de leite por dia para processamento. Atualmente, o volume caiu para 700,0 mil litros. "O preço deve subir mais rápido", avalia Ferreira. Ele espera um aumento de 10,0% para a matéria-prima adquirida em fevereiro e que será paga no próximo mês. O leite recebido em janeiro e pago em fevereiro ficou em R$0,95 por litro, informa.
De acordo com Rafael Ribeiro, analista da Scot Consultoria, a seca "antecipou a firmeza dos preços". Ele afirma que o comportamento do mercado indica recuo da produção de leite num momento em que a demanda começa a aumentar.
A recente estiagem significa problemas para alimentar o gado leiteiro não apenas agora. Lavouras de grãos, como milho e soja, também foram afetadas, o que reduzirá a oferta para alimentar o gado leiteiro no inverno, a partir de maio, segundo Ribeiro, da Scot.
O milho é usado na silagem para alimentar o rebanho leiteiro no período do inverno quando as pastagens estão mais secas. Como observaram as fontes ouvidas pelo Valor, pecuaristas que estavam produzindo milho para silagem podem ter menos disponibilidade de alimento numa época em que a suplementação é mais necessária. "O custo da alimentação deve subir", acrescenta Ribeiro.
Barbosa, da Jussara, afirma que os preços do leite longa vida no atacado também já começam a reagir. A cotação no atacado atingiu o pico de R$2,50 por litro em agosto do ano passado, mas despencou com o aumento da produção de leite no fim de 2013, e atingiu R$1,60 no começo de janeiro. Agora, já está voltando para a casa dos R$2,00 por litro, de acordo com ele.
O aumento das exportações de leite em janeiro e a redução das importações também explicam o atual cenário, diz. Ele estima que o preço do leite cru entregue em fevereiro ao laticínio - que será pago em março - deve ter um reajuste de cerca de 5,0% sobre o mês anterior. O leite entregue em janeiro (pago em fevereiro) ficou em torno de R$0,90 por litro. "Se não chover adequadamente, o preço pode subir muito", prevê Barbosa.
Os últimos acontecimentos apontam para um ano mais movimentado no mercado de leite do que se imaginava há alguns meses. "O ano não deve ser tão estável", avalia Marcelo Pereira de Carvalho, analista do MilkPoint, consultoria especializada em lácteos. Para ele, a desvalorização do real ante o dólar e os preços firmes do leite no mercado internacional deve continuar estimulando as exportações de lácteos, que já cresceram em janeiro. "Quem pode exportar está exportando", afirma, acrescentando que alguns laticínios passaram a secar leite para vender leite em pó ao exterior.
Em janeiro passado, o Brasil exportou 50,46 milhões de equivalentes litros de leite em produtos como leite em pó, leite condensado e outros, bem acima dos 9,36 milhões de igual mês de 2013. Enquanto as exportações de lácteos subiram, as importações tiveram um tombo, saindo de 102,01 milhões de equivalentes litros de leite em janeiro de 2013 para 71,50 milhões em janeiro deste ano, conforme dados da Secex.
Fonte: Valor Econômico. Por Alda do Amaral Rocha. 21 de fevereiro de 2014.