Recebi, através de um comentário em um rede social, uma pergunta de um rapaz interessado em entender melhor a escola austríaca de economia. Segundo ele, que se entende como sendo de esquerda, existe muita ganância entre os homens, e gostaria de saber, dentro de uma abordagem sincera e amiga, como o livre-mercado protegeria a sociedade da ganância, das práticas anti-concorrenciais, da formação de cartéis e do monopólio, afinal, citando-o, "pessoas gananciosas não se contentariam jamais em ter uma fatia limitada do mercado, e fariam de tudo para dominá-lo".
Minha resposta para essa pergunta seria: usando a ganância individual em favor da coletividade social. Essa resposta, obviamente, merece maiores esclarecimentos.
A primeira coisa a se falar nessa análise é que a escola austríaca não faz uma analise ética da ganância, ao contrário, por exemplo, da filosofia objetivista de Ayn Rand. Para Rand, o egoísmo é uma ética normativa válida, ou seja, para o o objetivismo o egoísmo é um ideal, um dever-ser. Ou, citando Gordon Gekko no filme "Wall Street", o egoísmo é bom.
Para a escola austríaca, o auto-interesse é um fato concreto inescapável. Segundo a escola austríaca, pessoas agem sempre em busca do auto-interesse, ainda que o auto-interesse seja ajudar ao próximo. No dizer de Mises, pessoas sempre agem buscando sair de um estado de menor satisfação para um estado de maior satisfação, mesmo que essa satisfação seja ajudar ao próximo (egoísmo altruísta). O auto-interesse não é ideal, mas é real. Não é um "dever-ser", é um "ser". Não é deontológico, mas ontológico.
Dentro dessa visão de auto-interesse, o livre-mercado age justamente usando essa característica do ser humano na promoção do bem-estar da coletividade. Para alguém enriquecer em um mercado desobstruído, ele precisa basicamente de duas coisas: produzir o melhor produto ou o produto mais barato. Na melhor das hipóteses, uma conjugação de ambas as coisas.
Assim, buscando o seu auto-interesse, o agente econômico acaba por satisfazer uma gama de consumidores. O reflexo do prêmio do auto-interesse pela satisfação coletiva chama-se lucro. Ou, como diria Adam Smith no "Riqueza das Nações": "Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos o nosso jantar, mas da consideração que ele têm pelos próprios interesses. Apelamos não à humanidade, mas ao amor-próprio, e nunca falamos de nossas necessidades, mas das vantagens que eles podem obter".
Sobre as práticas anti-concorrenciais, precisamos aprofundar um pouco a questão. A escola austríaca não entende o mercado como um fato estático, mas como um processo social dinâmico, ou seja, a relação entre a oferta e a demanda é sempre fluida, e em cada momento temos mais ofertantes e demandantes entrando nesse mercado e criando novos mercados.
A guisa de exemplo, em momento inicial um mercado sempre será de um único ofertante, que é exatamente aquele que cria ou descobre um novo produto. Quando um novo produto, digamos celular, foi criado e entrou no mercado, apenas o criador do celular estava no mercado, e esse "monopólio" acabou quebrado posteriormente porque as instituições de livre-mercado permitiam essa livre entrada e saída de ofertantes.
Nessa mesma linha, digamos que um mercado só tem um agente ofertante porque esse agente realmente oferece o melhor serviço pelo preço mais barato. Isso faz desse "monopólio" uma concentração ruim? Certamente que não, pois ele está maximizando a eficiência na prestação do bem ou serviço em questão.
Por isso a escola austríaca traz uma diferente conceituação para as palavras em comento, não se preocupando se um mercado em questão tem ou não apenas um agente do lado da oferta ou demanda, mas sim se as instituições permitem que novos agentes entrem para competir, caso o atual concentrador de mercado deixe de entregar bons produtos com bons preços.
O que gera péssimos efeitos e distorções na distribuição de bens e serviços é justamente o fato do Estado ter o poder de permitir ou não a entrada de agentes concorrenciais. É o Estado que gera o monopólio abusivo ao criar regras e regulamentos criadores dos chamados "custos de transação", que são os custos gerados pela burocracia para alguém entrar no mercado. Quando, para se entrar em um mercado, é preciso gastar muito com autorizações estatais e cumprimentos de muitas regras esparsas e confusas, somente aqueles agentes que possuem recursos podem superar essas dificultadas. Agências reguladoras como o CADE são os melhores amigos dos concentradores de mercado, e o CADE acaba fazendo exatamente aquilo que se propunha combater: a criação de monopólios.
E o próprio Estado é um agente monopolista por natureza. O Estado possui, dentre outros, os monopólios da violência legítima e da produção de moeda, além de outros que vão variar de país a país. Combater monopólios através de um monopólio não é uma ideia inteligente. O Estado é o único monopólio inquebrável, e aparentemente ninguém reclama muito disso.
Essa concentração de poder monopolista do Estado, inclusive, gera um outro problema grave. Enquanto que, no mercado, para um agente auto-interessado consiga lucrar ele terá de servir à população, no Estado, para que esse mesmo agente, que é também auto-interessado, consiga lucrar, ele normalmente irá explorar as pessoas através do poder de seu cargo público, se locupletando através de negociatas, e não da prestação de seus serviços, já que o Estado funciona com pagamentos fixos e não com variações de acordo com a eficiência do agente públicos.
Essa preocupação com o agente auto-interessa detentor da máquina pública gerou, inclusive, uma outra escola de pensamento econômico, de cunho liberal: a escola da escolha pública.
Em suma, se o nosso objetivo é diminuir os efeitos deletérios de agentes auto-interessados, a melhor coisa a se fazer é usar o sistema de mercado e reduzir o poder do Estado, de forma que o agente só lucre se servir ao próximo, ao invés de ser servido.
E para mais detalhes sobre essa visão, recomendo fortemente o novo livro do meu amigo André Ramos, "Os Fundamentos contra o Antitruste".
Por Bernardo Santoro