A fazenda é uma escola. As crianças veem os bezerros nascerem, vão ao galinheiro, plantam, colhem e comem. O que não é comido, vai para o lixo orgânico. Que vira adubo e é usado para plantar de novo. Tudo está conectado.
Na Fazenda da Toca, do empresário Pedro Paulo Diniz, é assim que as coisas são a natureza e as pessoas se relacionam, fazem parte do mesmo mundo. "A gente encara a fazenda como um organismo vivo. Aqui é um lugar muito além da produção orgânica e ecológica. É um lugar pra gente repensar a nossa relação com o planeta".
Um dos seis filhos de Abílio Diniz, um dos maiores nomes do varejo brasileiro, Pedro Paulo deixou o automobilismo e passou a se dedicar integralmente à produção de alimentos. Desde 2005, ele administra a Fazenda da Toca, propriedade dos Diniz há quase meio século, no município paulista de Itirapina. Aqui, Pedro é o sócio majoritário, tendo a Península (fundo patrimonial da família) como parceiro de negócio.
Em comum com o pai, a defesa da saúde. Especificamente aquela adquirida por meio da boa alimentação, cultivada sem defensivos agrícolas que possam agredir o ambiente ou quem os cultiva. Seus produtos são "clean label", ele diz: sem espessantes, conservantes ou químicos em geral. Dependendo do caso, sem açúcar também.
Nos tempos de Pão de Açúcar, os produtos da Fazenda da Toca eram vendidos à rede, então comandada pelo pai, sob a marca própria Taeq. Segundo o empresário, o grupo varejista, hoje pertencente ao Casino, ainda é um importante cliente. Fundamental para dar escala ao negócio. De fevereiro para cá, no entanto, a Toca começou a se mostrar mais assertivamente nas gôndolas, do Pão de Açúcar e da concorrência.
Aos poucos, seu portfólio de 29 itens vai chegando, agora repaginado sob a marca "Fazenda da Toca", ao St. Marché, Eately, Sonda, Mambo, Walmart e Zaffari. Falta o Carrefour, para onde Abílio migrou em 2014 como acionista de 12% das operações do grupo no Brasil. "O foco nosso é só São Paulo", desconversa Pedro Paulo quando questionado sobre as suas intenções com o Carrefour.
Ele também evita falar sobre o desempenho financeiro do negócio. A receita para 2015 será de R$30 milhões. Lucro? Talvez este ano. E assunto encerrado. Porque o que está em jogo não é só a perna econômica da sustentabilidade. É o ambiental, o social, e algo muito maior. "É uma quebra de paradigma na maneira de se pensar agricultura. É tudo o que eu acredito".
Apenas sete anos se passaram desde que os 1.470 hectares receberam a certificação e se tornaram aptos a produzir e comercializar sob o selo orgânico, mas o herdeiro Diniz já transformou a fazenda da família em referência em agricultura orgânica no país. Não raro são agendadas visitas de estudantes de agronomia e professores, assim como representantes de governos da área agrícola. Recentemente, esteve em Itirapina o americano John Mackey, CEO da Whole Foods, a maior rede varejista de alimentos orgânicos dos EUA. Outro ilustre foi Fritjof Capra, defensor da educação ecológica.
Da porteira pra dentro, tudo o que se vê são sinais que mesclam o bucólico e o moderno (das galinhas ciscando aos controles de segurança). As casinhas coloridas e os playgrounds se apresentam no caminho para a sede administrativa: 52 famílias trabalham, moram e estudam na fazenda, porque, afinal, "tudo está conectado". A Toca tem jeitão natureba, mas também é uma fazenda-empresa.
Como são destinados à produção orgânica, os animais são tratados sem medicamentos fitoterápticos são a recomendação habitual. Os aviários são espaçosos, com aberturas para que as galinhas entrem e saiam livremente. Para o rebanho de 500 vacas há 50 hectares de lotes de pasto rotacionado ("porque pasto fresco é sempre melhor"). E há muita árvore ao redor, por todo lado que se olha.
"A gente faz manejo humanizado, mas quando vai lá tirar o leite da vaca há altíssima tecnologia envolvida. Cada vaca que entra na sala de ordenha, nós conhecemos. Sabemos quanto ela dá de leite, se esteve doente, o sistema aponta tudo. Essa tecnologia ajuda a ter altíssima qualidade de produto", explica Pedro Paulo, sobre o processo que resulta na retirada mecânica de 3 mil a 5 mil litros de leite por dia.
A decisão foi a de verticalizar todo o processo produtivo. "Do plantio ao envase, tudo é feito aqui. Foi audacioso porque implantar isso de uma vez só exige complexidade maior", diz Pedro Paulo, acrescentando que se tivesse que começar de novo, talvez fizesse por partes.
Por ora, a Fazenda da Toca trabalha com uma carteira de produtos com 29 itens comercializados sob a marca própria e 21 itens engarrafados como Taeq, entre lácteos, sucos, ovos, grãos e molho de tomate. O negócio está centrado em produtos processados, com tempo maior de prateleira, decisão considerada importante para dar viabilidade econômica ao negócio.
Com seus quase 1,5 mil hectares certificados como orgânicos, a Toca é gigantesca para os padrões de agricultura orgânica do país. De partida, diz Pedro, isso já seria uma quebra de paradigmas: a agricultura orgânica é, convencionalmente, limitada a áreas pequenas dada a dificuldade de manejo que impõe. "Estamos provando ser possível".
Em breve, mais mil hectares deverão ser acrescidos à fazenda uma área adjunta utilizada pela Suzano para o plantio de eucalipto. O contrato de arrendamento se encerra em 2016 e a intenção é convertê-la quando for devolvida.
Em 2015, a fazenda-empresa investirá em pesquisa R$1 milhão, 100% capital próprio. O escritório de pesquisa e desenvolvimento conta com um grupo de nove pesquisadores focados em inovação agrícola ecológica coisas como fazer o capim braquiária elevar a produtividade de uma floresta de eucaliptos, e não concorrer com ela. "Nos inspiramos na floresta e em como ela se resolve sozinha", diz Diniz. As investigações são orientadas a partir de necessidades detectadas no dia a dia da fazenda e resultaram em algumas máquinas adaptadas e técnicas que permitiram, por exemplo, experiências de plantio em areia.
Segundo ele, as novas tecnologias são "open source" isto é, abertas a quem quiser usá-las. "Nossa intenção é ampliar o conhecimento para agricultura orgânica". Por isso, a Toca também trabalha com parcerias, como forma de trazer mais produtores ao sistema. Hoje são quase 50.
Aos 45 anos, Pedro Paulo caminha entre experimentações agroflorestais com a desenvoltura de quem nasceu no mato. Aponta para árvores de eucalipto consorciadas com espécies tropicais e fala da importância de deixar a natureza se equilibrar, ou da picada do inseto no fruto. Explica detalhadamente a lógica da agricultura ecológica como uma reversão à destruição do ambiente e resposta à fome mundial.
Então ele interrompe a caminhada e sorri ao admitir que não entendia nada do assunto. "Aprendi agricultura fazendo", diz. "Meu pai costumava responder a quem dizia que ele era um homem de sorte. Mas que deu um duro danado para ter tanta sorte."
Fonte: Valor Econômico. Por Bettina Barros. 10 de julho de 2015.