O peruano Mário Vargas Lhosa escreveu no Estadão, um dos melhores artigos dos últimos tempos. Trata-se de uma crítica feroz ao indigesto Donald Trump, candidato a presidente dos Estados Unidos pelo Partido Republicano.
As opiniões e posturas de Trump são tão disparatadas que, se eu fosse adepto de teorias conspiratórias, diria que o milionário fanfarrão está a serviço dos Democratas. Suas diatribes racistas têm sido vistas por muitos como a melhor propaganda de Hillary Clinton et caterva. Além disso, o valente já teria anunciado que, caso não consiga a vaga pelo GOP, disputará a presidência de forma independente, certamente dividindo os votos conservadores (vale lembrar que não há segundo turno nos EUA). Hillary e seus assessores devem rir à toa, sempre que o bufão de topete amarelo abre a boca.
Em seu artigo, Mário Vargas Lhosa vai direto ao ponto, esculhambando Trump sem dó nem piedade, ao mesmo tempo em que demonstra que, se os Estados Unidos são o que são, muito se deve justamente aos imigrantes, que abandonaram seus países, com tudo que isso representa, para emprestar sua valorosa força de trabalho à Terra do Tio Sam. Seguem alguns trechos:
Entre os milionários, assim como entre os demais seres comuns dos nossos dias, há de tudo. Gente dotada de grande talento e de enorme capacidade de trabalho, que amealhou fortunas prestando considerável contribuição à humanidade - como Bill Gates ou Warren Buffett - e, além disso, destina boa parte de sua imensa riqueza a obras de beneficência. E existem imbecis racistas como Donald Trump, ridículo personagem que não sabe o que fazer com seu tempo e com seu dinheiro e se diverte neste momento como aspirante republicano à presidência do país, insultando a comunidade hispânica dos Estados Unidos - mais de 50 milhões de pessoas - que, segundo ele, não passa de uma malta infecta de ladrões e estupradores.
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O problema é que o racismo nunca é racional, jamais se respalda em dados objetivos, mas em preconceitos, suspeitas e medos inveterados do "outro", do que é diferente, que tem outra cor de pele, fala outra língua, adora outros deuses e tem costumes diferentes. Por isso, é tão difícil derrotá-lo com ideias, apelando para a sensatez. Todas as sociedades, sem exceção, alimentam em seu seio esses sentimentos obscuros, contra os quais, frequentemente, a cultura é ineficaz, até mesmo impotente. Ela os minimiza, desde logo, e frequentemente os sepulta no inconsciente coletivo. Eles, no entanto, nunca chegam a desaparecer por completo - e, sobretudo nos momentos de confusão e de crise, atiçados por demagogos políticos ou fanáticos religiosos, costumam aflorar à superfície e produzir os bodes expiatórios nos quais grandes setores, às vezes até a maioria da população, se exime de suas responsabilidades e descarrega toda a culpa dos seus males no "judeu", no "árabe", no "negro" ou no "mexicano".
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Saber ganhar dinheiro, como um campeão do xadrez ou dando chutes numa bola, não pressupõe nada mais que uma habilidade muito específica para determinada tarefa. Pode-se ser milionário sendo - para todo o resto - um idiota irrecuperável e um inculto pertinaz. Tudo parece indicar que Trump pertence a essa variante lamentável da espécie.
Mas seria também muito injusto concluir, como fizeram alguns diante das intemperanças retóricas do magnata imobiliário, que o racismo e os demais preconceitos discriminatórios e sectários são a essência do capitalismo, seu produto mais refinado e inevitável. Não só não é assim, como os Estados Unidos são a melhor prova de que uma sociedade multirracial, multicultural e multirreligiosa pode existir, desenvolver-se e progredir a um ritmo muito notável, criando oportunidades que atraem às suas plagas gente de todo o planeta.
Os Estados Unidos são a nação mais importante do nosso tempo graças a essa miríade de pobre gente que, desesperada por não encontrar incentivos nem oportunidades em seu próprio país, migrou para matar-se de trabalhar incansavelmente e, enquanto criava um futuro, construiu um grande país, a primeira potência multicultural da história moderna.
É evidente que Donald Trump não tem a menor chance de vencer as eleições e, muito provavelmente, também não conseguirá obter os votos necessários para tornar-se candidato pelo GOP. Mas o estrago que tem feito aos conservadores, principalmente em relação ao eleitorado independente (que, em última instância, é quem decide a eleição), poderá ser irremediável. Os democratas agradecem.
Por João Luiz Mauad