Informação é um insumo que ajuda a melhorar como se produz. Feliz daquele que tem acesso a ela, paciência para decodificá-la e persistência para traduzi-la em ação concreta. Nessa última etapa, não raro, com necessárias adaptações à realidade local. Exatamente pela necessidade de considerar detalhes específicos de cada realidade, muito melhor do que dispor só da informação é ela vir por meio de um técnico de “corpo e alma” no local.
Apesar disso, a maioria dos produtores abrem mão de ter esse auxílio profissional por considerá-lo caro.
Paralelamente a isso, o Brasil fez, nas últimas décadas, um grande investimento na capacitação de recursos humanos via cursos de pós-graduação. Em que pese o viés principal desse esforço ter sido formar professores e pesquisadores, ele gerou um razoável contingente de pessoas não absorvidas pelas áreas acadêmicas e de pesquisa. São profissionais obviamente mais bem qualificados, cujo potencial não tem sido devidamente aproveitado por falta de oportunidade de trabalho.
Uma alternativa para reduzir o custo do consultor e atender um maior número de produtores é compartilhar um técnico que faria um atendimento coletivo ao grupo.
Um modelo muito bem sucedido que segue essa linha foi apresentado em um dos seminários do Departamento de Ciência Animal da Universidade da Califórnia, em Davis que tive a oportunidade de assistir no início deste ano. Abaixo um relato descrevendo os principais pontos apresentados pelo responsável, o nutricionista animal e especialista em pastagem, Dr. Woody Lane.
O Dr. Lane criou e trabalha com “Grupos de Discussão Livre entre Produtores”. A princípio, ele apenas ministrava cursos de manejo de forragem, mas, insatisfeito com o grau de aproveitamento pelos produtores participantes, procurou outros caminhos para aumentar a eficácia da adoção das técnicas. Os grupos de estudo, criados com o objetivo de construir coletivamente o conhecimento e a troca de experiências, mostrou-se uma boa solução para resultados muito além dos obtidos apenas com os cursos.
As principais características desses grupos são:
1)Grupos fechados. Os membros tem que se associar a ele,
2)Antes de se tornar membro, o interessado deve fazer cursos de nivelamento, exceto se já tiver experiência suficiente em nutrição e pastagem,
3)Cada grupo tem cerca de 20 membros, sendo que considera-se o membro como a propriedade (ou operação) e mais de um indivíduo relacionado a ela pode participar,
4)Os encontros são mensais,
5)O local não é fixo e alternam-se entre as propriedades envolvidas ou outro lugar de interesse do grupo,
6)O facilitador é contratado pelo grupo para dar 100% de atenção aos seus membros,
7)A taxa é equivalente a US$ 150-200,00/ano.
Segundo Lane, uma grande vantagem do grupo é ser heterogêneo, havendo perspectivas bem diferentes entre os membros. Por isso mesmo, os grupos podem ter membros que produzem bovinos, ovinos, caprinos, que vendem genética, sementes, sistemas orgânicos de produção, etc.
O facilitador organiza e lidera o encontro e as discussões. Ele deve ser especialista nos assuntos de maneira a ter a confiança dos membros do grupo e se esforçar para que cada encontro seja de valor para todos.
Uma reunião típica dura cerca de 3 horas, ocorrendo a tarde ou antes do anoitecer, com o horário de encerramento bem definido e rigorosamente cumprido. Usualmente, começa por uma caminhada nas pastagens. Em seguida, em algum lugar coberto, o facilitador toma a palavra para um ou dois tópicos previamente definidos, usando principalmente uma lousa e canetas coloridas. Não ocorre uma palestra convencional, mas, ao contrário, prestigia-se a interatividade e a discussão entre todos.
As discussões são fomentadas, por serem ótimos momentos de aprendizado. O facilitador não evita que elas se tornem acaloradas, pois são esses momentos mais quentes que mais ajudam os indivíduos a se engajarem no processo e, portanto, aprenderem mais. Ele apenas deve moderar e, especialmente, evitar que as discussões sejam monopolizadas, estimulando dar voz aos participantes mais retraídos de forma a contar com a participação efetiva de todos.
Havendo tempo, se de interesse do grupo, assuntos fora dos tópicos agendados podem ser abordados. Durante a reunião, não é servida nenhuma comida ou bebida, segundo ele, para reforçar a ideia de reunião de trabalho e não criar a necessidade do anfitrião ter que se preocupar com isso.
Os temas discutidos podem ser, por exemplo, o estado atual das pastagens e demais recursos alimentares, ideias para reduzir a necessidade de mão-de-obra, objetivos de curto e longo prazo, uso de novas forrageiras e a lucratividade da fazenda. Os assuntos são agendados seguindo uma lógica temporal, ou seja, no inverno, discute-se as pastagens e a nutrição da primavera-verão, de forma a ter chance de interferir oportunamente.
O Dr. Lane enumera os ganhos para os membros dos grupos: 1) Acesso a informações relevantes e discussão aprofundada sobre elas, 2) Interação e aprendizado com o grupo, 3) Apoio do grupo para encontrar soluções originais aos problemas, 3) Aprender com o erro dos outros, escapando de fracassos evitáveis 4) Motivar-se a implantar novas ações bem sucedidas por membros do grupo, 6) Realizar negócios e atividades de maneira cooperativa e 7) Realizar e aproveitar pesquisas e demonstrações feitas nas fazendas.
Uma das fundamentais vantagens de ser um grupo fechado, é que as pessoas ficam mais à vontade para se expor, discutindo assuntos que não ficariam tão à vontade de falar em público. Isso garante relatos mais fieis à realidade e, portanto, maior chance das informações serem realmente úteis.
Finalizando o seminário, o Dr. Woody Lane, enfatizou o fato dos grupos serem autossustentáveis, dependendo apenas da percepção por parte de seus membros que ele esteja cumprindo seu papel e, assim, compensem o investimento mensal. O Dr. Lane atua em três grupos no estado americano do Oregon, o mais antigo deles há mais de 20 anos.
Ele comentou que se inspirou em grupos semelhantes na América do Sul e em outros continentes. De fato, já ouvi alguns relatos de grupos assim no Brasil, mas sempre com técnicos de algum órgão oficial como facilitador. Desconfio que a maioria descontinuou pelo recorrente problema de falta de verba, situação para a qual esse modelo americano seria imune.
Fazemos votos que o detalhado relato dessa experiência americana sirva como inspiração para que alguém tente adaptá-la à nossa cultura, aproximando quem tem conhecimento técnico de quem efetivamente o transforma em produção e riqueza. Assim teríamos um ciclo fechado da informação como insumo, na qual uma experiência sul-americana teria inspirado um técnico americano a criar um bem sucedido modelo de transferência de tecnologia, sua palestra nos EUA assistida duas décadas depois por um brasileiro e relatada em um texto que estimulou sua adoção no Brasil.
Alguém se habilita?
*[1] O Seminário, em inglês, pode ser assistido pelo link http://uc-d.adobeconnect.com/p5reshbp8p5/