Em 2016, o agronegócio foi responsável por 38,0% das exportações brasileiras, contribuindo para o equilíbrio da balança comercial (saldo de US$72 bilhões). Para se ter noção maior do crescimento, o Produto Interno Bruto (PIB) do setor cresceu 3,0%, frente à retração de 3,5% do PIB do Brasil.
As perspectivas para 2017 são ainda mais promissoras, principalmente para a pecuária. O grande desafio do pecuarista será a correta administração da propriedade. Tratar a fazenda como empresa, realizando investimentos superiores aos tradicionais em mão de obra, nutrição, sanidade e genética.
Antes de pensar em produzir, o pecuarista deve realizar um diagnóstico coerente da situação atual da propriedade, em todos os seus setores. Os mercados mundial, nacional e regional precisam ser analisados, assim como as tendências de consumo, as políticas de exportação e as preferências do mercado local. Desta forma, é possível identificar os setores e as características que merecem mais aplicação de recursos, evitar prejuízos financeiros e realizar, de forma correta, os investimentos, para produzir e lucrar.
A revista Pecuária em Alta entrevistou alguns dos mais renomados especialistas em mercado da pecuária de leite e de corte para que você comece o ano muito bem informado sobre o setor.
Pecuária de Corte
O diretor da Scot Consultoria, especialista em estudos dedicados ao agronegócio nacional e internacional, Alcides Torres, explica que, em 2016, o pecuarista aprendeu lições importantes: não ignorar ambientes mercadológicos de risco, garantir margem e deixar de olhar somente preço de venda ― prática comum no setor.
Aprendeu também a focar na rentabilidade e, para garantir margem, além de lançar mão de ferramentas de garantia de preços, a conhecer o custo de produção, algo não muito comum entre os produtores. “Em 2016, houve oportunidade, por exemplo, de travamento de preços da arroba do boi gordo no mercado futuro em R$167,00, para outubro e novembro, patamar R$17,00/@ acima do que o mercado físico precificou nestes meses. Os sinais foram claros, desde o começo do ano, de que não existiria espaço para altas desta dimensão no mercado físico. Não foram poucos os pecuaristas que deixaram essa oportunidade passar”, explica o especialista.
Outro exemplo veio no momento em que as margens das indústrias se recuperaram fortemente em razão do aumento de preço da carne, sem que houvesse suporte do consumo. “Isso fez muita gente segurar boi no pasto, em plena seca, o que aumentou o custo. Acharam que o caminho estivesse aberto para a tão esperada valorização da arroba. Resultado: a alta bateu no varejo, não foi repassada, encurtou a margem dos varejistas de 70,0% para 50,0% e nada de aumentar o preço da arroba, já que não havia necessidade de intensificar as compras de boiadas”, completa.
Na atividade de cria, por exemplo, o pecuarista passou por bons momentos, com ótimos preços do bezerro, mas o ciclo da pecuária mudou. De acordo com Alcides, a queda de preço do bezerro em 2016 foi resultado da falta de interesse do recriador/invernista em repor o rebanho. Os preços menos atrativos da arroba, associados aos preços elevados dos animais mais jovens, reduziram a demanda. “Além disso, a seca, que reduziu muito a capacidade de suporte das pastagens, fez criadores facilitarem as vendas, e compradores, interessados em repor, adiarem os negócios. O que ocorreu em 2016 com o mercado destas categorias para reposição do rebanho foi resultado da queda na demanda. A diminuição da participação de fêmeas no abate começou em 2015 e, portanto, a primeira safra maior de bezerros deste ciclo começará em 2017, embora o aumento deva ser pequeno”, diz.
No ciclo pecuário é normal, nos primeiros meses do ano, o mercado apresentar uma queda de preços na arroba devido à grande oferta de fêmeas descartadas na estação de monta, além do fato de que este é um período no qual a população está menos capitalizada, devido às “contas” do início do ano.
Mesmo com indicações de como será o mercado em 2017, ainda não é possível prever os efeitos. “Não temos certeza nem mesmo da recuperação econômica e a que ponto isso ajudará o consumo de carne. O boletim Focus do Banco Central chegou a indicar um crescimento de 1,5% no PIB, em 2017 e, no final da primeira quinzena de dezembro, após seguidas revisões, indicava uma melhora modesta, de 0,7%. Mas, além do aumento sazonal na oferta de fêmeas e da queda no consumo de carne, nos primeiros meses de 2017, as indústrias podem receber ainda os animais que, eventualmente, seriam confinados em 2016, se o resultado desta operação tivesse sido atraente. Isso pode ajudar na compra de matéria-prima e ser mais um fator a exercer papel baixista no mercado. Sem contar que, com preços do bezerro com menor força, que é o que acreditamos que deverá ocorrer no próximo ano, pode ser que o aumento normal da oferta de fêmeas no primeiro trimestre ganhe algum reforço de oferta”, completa.
Com este cenário, mais do que nunca o pecuarista precisa se conscientizar de que o investimento é fundamental, em especial, em tecnologia. A propriedade precisa estar em crescimento contínuo, como qualquer negócio.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec), as exportações brasileiras de carne bovina encerraram 2016 com um faturamento de aproximadamente US$5,5 bilhões, uma queda de 6,8%, em comparação com os US$5,9 bilhões arrecadados em 2015. E, claro, a queda de faturamento é prejudicial para os frigoríficos.
A indústria menos capitalizada tem menor poder de compra de matéria-prima, mas o impacto direto para o pecuarista é uma redução de volume, já que significa redução na pressão de compra de boiadas; além de poder haver aumento de faturamento mesmo que haja queda no volume se o preço da tonelada embarcada aumentar. “Mas, em 2016, tivemos uma combinação de queda dos dois parâmetros, volume e faturamento. Ou seja, além de um mercado interno ruim, destino de aproximadamente 80,0% da produção nacional de carne bovina, as exportações, que são alternativa de venda ― que para alguns grandes grupos frigoríficos é o principal canal de escoamento ― também decepcionou. Ou seja, as demandas interna e externa foram ruins em 2016 e o resultado final dessa associação, foi prejudicial para toda cadeia”, alerta Alcides.
Analisando o confinamento, 2016 trouxe o aumento dos insumos e o setor perdeu bastante força. Segundo o especialista, ainda é cedo para traçar uma projeção para o confinamento em 2017. Primeiro, porque, embora os custos puxados pelo milho devam ser aparentemente menores, tudo pode mudar. Uma valorização cambial, não descartada por agentes do setor, pode tornar o produto brasileiro competitivo e, mesmo com a supersafra norte-americana, isso faria os embarques brasileiros crescerem, acarretando alta de preços. Além disso, enquanto a safra não for colhida, muita coisa pode acontecer. Tem ainda as incertezas quanto aos preços da arroba do boi gordo.
Por fim, embora o ano deva ser de preços menores para os animais de reposição, o que ajuda a operação do confinamento, já que ao redor de 70,0% do custo total fica por conta da aquisição de animais, todos os demais pontos ainda incertos, somados, serão decisivos.
Mercado internacional
A abertura do mercado norte-americano deu ao Brasil a possibilidade de conseguir novos parceiros comerciais para a carne bovina nacional. Além do Japão, cujas tratativas estão avançadas, Coreia do Sul é outro mercado “bom pagador”, ao qual o Brasil terá possibilidade de acesso em 2017. Estes dois países estão entre os dez maiores importadores do mundo, além de pagarem os melhores preços médios por tonelada. Por fim, o acesso aos Estados Unidos pode permitir o avanço em países do continente americano, já que muitos deles seguem as normas e diretrizes deste país quando o assunto é importação de carne bovina.
Pecuária de leite
A pecuária de leite é uma das atividades mais complexas do agronegócio, envolvendo uma série de conhecimentos técnicos em agricultura, pecuária e gestão. O planejamento e a gestão da produção demandam atenção constante e minuciosa.
Não é raro se deparar com oscilações fortes de preço de leite e insumos, escassez de mão de obra e outras adversidades diárias inerentes à atividade. Conforme o economista e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) - Gado de Leite, Glauco Rodrigues Carvalho, os anos de 2015 e 2016 ilustraram bem essa complexidade, que contou também com um cenário econômico adverso, com uma crise macroeconômica e política sem precedentes na história brasileira recente. “Foram anos de oferta restrita de leite, quebrando o círculo virtuoso de crescimento da produção de leite até então vigente. Em 2016, houve uma forte oscilação nos preços relativos entre leite e insumos, demanda interna fraca, restrição de oferta, mercado internacional com preços mais baixos e taxa de câmbio volátil. Os setores que vendem insumos para a pecuária de leite sentiram os reflexos dessa tempestade. A indústria de laticínios passou por sinalizações confusas aos produtores, causando mais volatilidade nos preços. A falta de organização e coordenação da cadeia produtiva do leite ficou bem evidente”, salienta o pesquisador.
Retrospectiva
Analisando a produção de leite no período de 2004-2016, estimada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na pesquisa trimestral do leite (leite inspecionado adquirido), observa-se um crescimento robusto, até 2014. A Região Sul do Brasil mostrou um vigor acima da média nacional e fez sua participação atingir 35,3% da produção brasileira ante 24,7%, em 2004. “Uma característica interessante que chamou a atenção durante esse período foi a robustez apresentada pelo setor brasileiro de leite e derivados”, diz Glauco.
Nestes últimos 10 anos, ocorreram inúmeras fusões e aquisições na indústria de laticínios no Brasil, novas empresas entraram e saíram do mercado, laticínios passaram por recuperação judicial, fraudes mostraram fragilidades na indústria e na fiscalização, laticínios fecharam, produtores deixaram de receber pelo produto entregue, dentre muitos outros acontecimentos marcantes. Todavia, a oferta nacional se manteve em expansão, não recuando em nenhum momento.
O cenário dos últimos dois anos, no entanto, foi diferente. O crescimento da produção começou a desacelerar já no final de 2014, acentuando-se em 2015 e 2016. Portanto, a produção caiu, houve abate de vacas e produtores abandonaram a atividade.
O cenário de rentabilidade foi adverso para o produtor, sobretudo até o final do primeiro semestre de 2016. O custo de produção de leite, representando pelo Índice de Custo de Produção de Leite (ICPLeite) da Embrapa seguiu uma trajetória de alta, que se acentuou em 2015 e descolou do preço do leite recebido pelo produtor.Concentrados e sais minerais ficaram entre os insumos com maior elevação de preços ao longo do último ano. As margens ficaram muito apertadas. O índice de relação de troca (preço recebido dividido pelo custo) ilustra uma tendência de queda no final de 2013, que se aprofundou em meados de 2014, justamente quando a produção começou a perder força.
A média anual da relação de troca, em 2015, foi a pior da série histórica, cujo início deu-se em 2006, quando o índice de custo de produção começou a ser acompanhado. “Essa piora na rentabilidade foi a principal causa da redução da produção nacional de leite, o que refletiu em uma forte alta dos preços em meados de 2016. A combinação de preços internos mais altos, preço internacional de leite em pó mais baixos e a oferta restrita impulsionaram as importações de leite e derivados, atingindo um déficit superior a 400 milhões de dólares, em 2016”, pondera o pesquisador da Embrapa.
Perspectivas
É preciso olhar para frente e buscar entender o que poderá acontecer nos próximos meses. Uma tarefa difícil, mas necessária para o planejamento econômico de qualquer atividade. “Para 2017, espera-se um volume de produção superior ao registrado em 2015 e 2016, mas sem excesso de oferta. Será um ano de recuperação de safra, já que a relação preço de leite e insumo, na média, tende a ser melhor. O custo de concentrado em 2016 foi o principal vilão entre os insumos, devido à forte quebra da safrinha brasileira de milho. Em 2017, espera-se aumento das safras de milho (verão e inverno), contribuindo para uma queda nas cotações, sobretudo a partir do segundo trimestre. Portanto, para os custos de produção, a expectativa é de preços de insumos mais baixos, na média”, alerta Glauco.
Analisando o consumo, a tendência é também de melhora gradual, o que é favorável para os preços do leite pagos aos produtores. Ainda que o cenário econômico e político siga instável, alguns indicadores já estão melhorando. “As perspectivas de inflação, taxa de juros e PIB indicam patamares um pouco mais animadores do que em 2016, o que é positivo para o poder de compra da população e do consumo”.
As recentes medidas do Governo relacionadas a impostos, juros, crédito e desburocratização favorecem o ambiente de negócios. A perspectiva é que os setores de petróleo e energia elétrica voltem a investir, contribuindo para a retomada do crescimento econômico, ainda que de forma modesta.
No mercado internacional, o preço do leite em pó está subindo enquanto a oferta de leite segue mais apertada. As previsões de mercado futuro, publicadas no Global Dairy Trade, mostram o leite em pó no patamar de 3.500-3.600 dólares por tonelada. É bom lembrar que, se observamos um passado bem recente, os preços estavam em torno de 2.000 dólares por tonelada, o que não está no radar para 2017. Portanto, preços internacionais mais elevados e uma recuperação da safra brasileira tendem a reduzir a pressão por leite importado.
Alguns desafios
Independentemente das oscilações conjunturais, vale destacar que existem transformações importantes acontecendo na cadeia produtiva do leite no Brasil. A gestão das propriedades, ainda muito aquém do padrão de grandes produtores mundiais, está melhorando. Existem muitas mudanças acontecendo na produção primária. “O leite é constantemente rotulado como o segmento do agronegócio responsável por acolher produtores de baixa tecnologia, pouco eficientes. O alto custo de oportunidade da terra, o aumento do preço da mão de obra e a exigência por ganhos de produtividade nas fazendas têm contribuído para mudar essa realidade. É preciso que o setor industrial também amadureça, que melhore a coordenação na cadeia produtiva, que haja avanços na pauta das lideranças do setor, com objetivo de olhar mais para as questões estruturais e menos para as conjunturais”, enfatiza Glauco.
Os dados de 2015 do IBGE mostraram uma queda de 5,5% das vacas leiteiras, ou seja, os animais de pior genética foram descartados. O Sul brasileiro tem mostrado ganhos importantes de produtividade e maior velocidade na mudança tecnológica. A produção, por vaca, no Sul, é a maior entre as regiões brasileiras e existem microrregiões com produção, por vaca, no padrão europeu.
Em 1990, dos 100 municípios de maior produção média por vaca, 28 estavam no Sul. Em 2015, o Sul detinha 92 dos 100 municípios. Questões climáticas, culturais e de organização da estrutura produtiva fazem do Sul uma região diferenciada no leite. No entanto, um importante fator de sucesso está na maior propensão da gestão do negócio ser pautada na inovação tecnológica. Ainda que a organização social e o ambiente sejam mais favoráveis que o observado em outras regiões brasileiras, sua cadeia produtiva sofre com as importações da Argentina e do Uruguai. Isso cria uma pressão adicional por competitividade e inovação tecnológica. Fechar a importação não é a solução para a pecuária de leite nacional, mas gestão e tecnologia, sim. Afinal, queremos ou não ser um exportador?
O Brasil tem hoje o menor custo de produção do mundo em milho e soja, tem terra, calor e água com relativa abundância, tem uma população continental e um potencial de consumo tremendo. Exemplo disso é que, não raro, multinacionais do setor aportam aqui. Existem vantagens competitivas que podem ser melhor aproveitadas e muitos produtores estão, de fato, aproveitando. “Existem muitos empresários do leite com boa remuneração, mas precisamos avançar na agenda de prioridades do setor, intensificar a adoção de tecnologias, reduzir o custo dos equipamentos, melhorar o uso dos fatores de produção, melhorar a produtividade da terra, das vacas e da mão de obra. Também é importante lembrar que produzir leite exige gestão, dedicação e tecnologia, como em todas as atividades econômicas. Os que conseguem unir essas características são produtores acima da média nacional. São empresários que vão continuar tendo sucesso na atividade, garantindo uma boa remuneração e uma produção cada vez mais sustentável economicamente. Portanto, mantenha-se bem acima da média com gestão e inovação tecnológica. Afinal, vivemos na era da informação e no mundo da tecnologia”, finaliza.
Por: Revista Pecuária em Alta, ano II, Número 11, fevereiro/março 2017