Um parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão jurídico do Ministério da Fazenda, frustrou as expectativas da não cobrança de débitos retroativos do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural).
Segundo o documento, a resolução (PRS 13/2017) aprovada pelo Senado Federal, que pretendia livrar o setor da dívida, não tem efeito sobre a lei de 2001, que reinstituiu a cobrança da contribuição sobre a comercialização da produção.
De acordo com a advogada Valdirene Franhani, sócia do escritório Braga & Moreno, a PGFN considera no parecer que a resolução suspende o Funrural apenas no período anterior à lei de 2001. “O Funrural devido hoje e que foi objeto do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) em março não é afetado”, diz. Na prática, segundo o parecer, a resolução só teria efeito para quem tem débitos anteriores a 2001, que poderiam ser “perdoados”, alterando o valor final da dívida. A advogada explica que o parecer não tem força de lei, mas fornece uma interpretação da resolução que servirá de orientação internamente. O órgão é quem defende o fisco nacional, que cuida da arrecadação de impostos.
A decisão do STF em março com base na Lei nº 10.256/2001, que considerou constitucional a cobrança do Funrural, gerou um passivo para os produtores e adquirentes. Segundo a Receita Federal, a dívida com o tributo é de R$ 34 bilhões. Diante da posição da PGFN, a bancada ruralista vai agora traçar nova estratégia, que pode envolver mudanças nas condições de parcelamento das dívidas. Em meio à tramitação da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, o governo já precisou aceitar conceder condições mais benéficas a devedores na MP 783, do Refis.
Em paralelo, há a possibilidade de modulação pelo STF, ou seja, o Supremo pode entender que, tendo em vista o impacto financeiro da cobrança retroativa do tributo, a decisão vale apenas a partir de março (data do julgamento). Isso evitaria a necessidade de pagamento retroativo desde 2001. O pedido de modulação deve ser feito na próxima semana.
O parecer da PGFN ainda chama a atenção dos senadores para a impossibilidade de uma resolução suspender a recente decisão do STF. Segundo o documento do órgão jurídico, a medida aprovada pelo Senado anula apenas as leis de 1991, 1992 e 1997 que se referiam ao Funrural. Elas também foram declaradas inconstitucionais pelo Supremo. No entanto, o parecer lembra que o STF, como "intérprete máximo da Constituição", decidiu pela legalidade da cobrança a partir de 2001. "Interpretação de que o ato do Senado seria capaz de projetar seus efeitos sobre a contribuição do empregador rural pessoa física com base na Lei nº 10.256 de 2001 significaria sem dúvida desprezar por completo a tese firmada pelo STF, que assentou a constitucionalidade formal e material da referida tributação", diz o documento.
O órgão jurídico da Fazenda ainda passa um recado e lembra que "não cabe ao Poder Legislativo imiscuir-se no juízo sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das leis em vigor, nem mesmo interpretar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade". O documento é assinado pela procuradora da Fazenda Nacional Geila Lídia Barreto Barbosa Diniz e ratificado pelo procurador-geral da Fazenda Nacional, Fabricio da Soller. O texto também sugere o encaminhamento do parecer à Secretaria da Receita Federal, à Advocacia Geral da União (AGU) e aos ministros do Supremo Tribunal Federal.
A fragilidade do governo diante da apresentação da segunda denúncia contra Temer elevou a pressão da bancada ruralista para que o governo desistisse de recorrer ao STF contra a resolução. A demora na atuação da AGU causou preocupação na área técnica do governo, que via risco de a medida abrir um precedente perigoso para as contas públicas.
Refis do Funrural - Para solucionar o passivo dos produtores, o governo editou a Medida Provisória (MP) 793 para criar um programa de parcelamento aos devedores, com pagamento de entrada de 4% da dívida neste ano e descontos de 100% nos juros e 25% nas multas a partir de 2018, com prazo de pagamento de 15 anos.
Com a posição da PGFN, a bancada agora vai "trabalhar a MP", disse a relatora, deputada Tereza Cristina (PSB-MS). Desde a edição da medida, a bancada tenta emplacar um pagamento de entrada menor (de 1% da dívida), prazo maior (240 meses) e desconto mais generoso nos valores das multas. Diante do imbróglio, que ganhou novo capítulo com a resolução e afetou as adesões ao parcelamento, o prazo para o pedido de ingresso no programa foi prorrogado até 30 de novembro.
Embora ainda não exista uma definição sobre o assunto, a advogada recomenda que quem tem débitos do Funrural já calcule o montante devido para saber que decisão tomar no futuro quando o prazo do Refis estiver perto do fim. “Não se pode deixar para fazer isso no dia 25 de novembro. Tem que pensar: tenho dívidas? Então, qual é ela na pior das hipóteses?”, diz. “Do ponto de vista conservador, está claro que a Fazenda não concorda que tem que parar de pagar. E, ainda que existam bons argumentos contrários, esse parecer não pode ser ignorado”. Ela ainda ressalta a importância do contribuinte acompanhar o caso e o pedido de modulação pelo STF, que pode suspender ou limitar a cobrança retroativa.