Dois dos maiores historiados do Brasil, Prado Jr. e Furtado, consideram a expansão da bovinocultura de corte a atividade mais importante na ocupação do território brasileiro. Isto foi de extrema relevância para a soberania e economia nacional, pois garantiu território e foi a atividade inicial de muitas economias regionais. Porém, pelo mesmo motivo, a pecuária brasileira é conhecida, nacional e mundialmente, como a principal causa do desmatamento. Isto é verdade?
Os estudos e pesquisas que relacionam a pecuária como causadora do desmatamento poucas vezes aprofundam-se numa dinâmica de desmatamento muito mais complexa que ocorre na prática. Se a área total de pastagens no Brasil não tem aumentado e a produção de carne sim, o que leva os agentes a abrirem a floresta? Estudos recentes demonstram que há uma fraca ligação entre as altas no preço da arroba, assim como com o total de carne produzida, com o desmatamento. Em outras palavras, quando o preço e a demanda aumentam, o desmatamento não necessariamente aumenta.
Um dos motivos nesta complexa dinâmica do desmatamento, frequentemente ignorado em discursos “anti-agronegócio” é a remuneração pela venda da madeira. Um outro motivo é a expectativa de valorização da terra. Isto é, imediatamente à retirada da madeira, a terra valoriza e pode ser comercializada. O valor da terra nua é superior à terra com floresta e, após o início da atividade agropecuária, a valorização é ainda mais expressiva.
Nesta situação, o desmatamento gera duas receitas: a da madeira, e aquela relativa à comercialização e valorização da terra, conforme apontado por Crespolini, em pesquisa realizada em 2015. Na sequência, sim, há a entrada dos bovinos. Cerca de 80% da área já desmatada é hoje usada como pasto para o gado. A pergunta, neste caso, talvez óbvia para produtores, mas muito longe da realidade dos consumidores das grandes cidades, é: porque é a pecuária a primeira atividade? Porque não a soja ou mesmo o milho?
A resposta para isto é que a pecuária de corte é uma atividade que exige baixo investimento. É muito mais “barato” colocar os animais do que ter que preparar o solo, comprar maquinários e plantar soja. Além disso, é uma atividade de baixo risco e, o pastoreio dos animais impede que a floresta regenere.
Assim, uma formulação coerente para esta complexa dinâmica de desmatamento é que ao invés de ser considerada a causa principal do desmatamento, como muitas vezes a mídia aponta, a pecuária seria usada como forma de operacionalizar o desmatamento, porém, não a causa principal, tampouco a inicial.
Desde 1985, são os ganhos de produtividade, e não a expansão da área produtiva, que explicam o aumento da produção da bovinocultura de corte no Brasil. Este fenômeno intensifica-se a partir de 1996, quando a pecuária passa a liberar área para outras culturas. Para aumentar a produção de carne bovina, do ponto de vista de potencial das áreas de pastagenss atuais, definitivamente não é necessário derrubar uma única árvore, conforme apontam vários estudos.
Como fazemos deste limão azedo, que é a imagem que existe da pecuária, como causa principal do desmatamento, uma doce limonada? Estudos apontam que o impacto da pecuária é muito menor do que tem sido estimado e, dentro de certas condições de manejo de pastagem, a atividade pode, até mesmo, absorver mais gases de efeito estufa do que emitir.
De acordo com a pesquisa recente realizada por Oliveira e outros autores, capa da Nature Climate Change, uma das revistas mais exigentes do meio acadêmico, se as pastagens brasileiras forem bem manejadas, pode-se produzir mais carne sem aumentar as emissões de gases de efeito estufa. Na verdade, de acordo com os autores, as emissões totais podem inclusive cair.
Claro que a pecuária, assim como qualquer produção de alimentos ou mesmo atividade humana, causa impactos ao meio ambiente. A questão é que, o impacto causado pela pecuária, em termos de gases de efeitos estufa, tanto por expansão das áreas de pastagem, quanto por emissões diretas do gado (o famoso arroto do boi) pode ser menor com o aumento da produção.
Isto acontece por que, embora um aumento do consumo obviamente aumente o número de animais, e, portanto, as emissões diretas do gado, se este aumento não vier acompanhado de desmatamento, e sim pela intensificação de pastagens existentes, o ganho em carbono no solo, resultado da fotossíntese realizada pela pastagem, pode ser maior que as emissões extras de um rebanho maior.
Neste caso as emissões líquidas não seriam zero, nem negativas, porém menores do que no caso da demanda e modelo atual de produção. Ressalta-se que, sob certas condições, também é possível que as pastagens sequestrem mais carbono da atmosfera do que emitido pelos bois.
Nas últimas décadas, a atividade demonstrou que, colocá-la como causa do desmatamento parece não corresponder com a realidade. Apesar da pecuária estar em processo de intensificação, ainda há um montante expressivo de áreas com pastagens sob algum grau de degradação. Isto, apesar de ruim, representa uma grande oportunidade para País. Já que o potencial de sequestro de carbono destas pastagens é imenso.
Assim, se a demanda por carne bovina aumentar, para atendê-la, os produtores terão que manejar os pastos. E sim, este aumento da demanda pode reduzir as emissões totais e por quilo de carne bovina produzida no Brasil. É claro que neste ponto é importante ressaltar que o aumento da produção não pode vir de abertura de novas áreas. Isto é ruim para a produção? Não! Não precisamos abrir novas áreas. Além disso, sistemas mais intensivos, ainda que mais arriscados, tendem a ser mais lucrativos.
Daqui para frente, espera-se que a pecuária, via manejo de pastagem e adoções de tecnologia, demonstre que pode ser uma atividade aliada ao combate do aquecimento global. Para a indústria da carne, se isto for atingido, pode ser uma estratégia inclusive para abertura de novos mercados.
Nota dos autores: os dados e inferências deste artigo são todos baseados em publicações científicas dos autores e também de outros pesquisadores, publicados em periódicos internacionais e nacionais, listados abaixo.
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