O agricultor gaúcho Cândido Dutra é membro da terceira geração de uma família de produtores de arroz em Capivari do Sul, a 75 quilômetros de Porto Alegre. Hoje, ele prepara os filhos para assumir um negócio cada vez mais desafiador.
Nos últimos anos, o avanço do arroz-vermelho, praga que derruba a produtividade do grão branco, parecia pôr em risco a propriedade de quase 1 000 hectares de Dutra e de boa parte dos produtores gaúchos de arroz — hoje, 83% dos arrozais têm alguma incidência da praga. “Quando o arroz-vermelho toma conta da lavoura, a indústria rejeita o nosso produto”, diz Dutra.
Há anos os agricultores tentam soluções, que duram pouco — indício de um desequilíbrio ambiental. “Cada vez eram necessários mais insumos para o cultivo de arroz e a produção era cada vez menor”, diz Rodrigo Schoenfeld, gerente da divisão de pesquisa do Instituto Rio Grandense do Arroz, o Irga. “Não era sustentável do ponto de vista financeiro nem ambiental.”
A solução para conter a infestação foi apostar em um aliado, a soja. A ideia: alternar áreas de arroz com o cultivo de soja para fazer o controle biológico e o preparo do solo.
Isso não era exatamente uma novidade para os gaúchos. Já nos anos 70 alguns fazendeiros testavam a soja na rotação das lavouras do arroz. Na última década, muitos fazendeiros adotaram o grão e outras culturas na alternância, mas os resultados ainda estavam muito aquém do esperado.
O problema é que a soja, que tão bem se desenvolve no cerrado, não sobrevive em áreas alagadas, onde tradicionalmente é cultivado quase todo o arroz gaúcho. Em 2015, a saída foi desenvolver sementes mais rústicas de soja para a região, criadas pelo Irga em parceria com empresas como Bayer e Syngenta, utilizar intensivamente adubação e adotar esquemas eficientes de drenagem.
Hoje, 68 000 hectares de arroz utilizam o sistema mais avançado de rotação das -duas lavouras — o que equivale a 6% dos arrozais gaúchos. Nessas áreas, a produtividade do arroz é 11% superior. A soja por si só também virou um bom negócio. “Por causa dos bons preços, hoje a soja é mais rentável, mas somos produtores de arroz”, diz Dutra, que planta atualmente 400 hectares de soja.
A inventividade dos produtores gaúchos na rotação de arroz e soja tem uma razão de ser muito simples: vai ser necessário cuidar muito bem da terra e extrair o melhor dela para que a demanda por comida no futuro seja atendida. É por isso que a palavra da moda nas conversas de quem faz a diferença no agronegócio é “sustentabilidade”.
O crescimento da população mundial — hoje já se fala em 11 bilhões de pessoas por volta de 2100 — e a expansão da classe média em nações emergentes, como a China, deverão ampliar a necessidade de produzir mais alimento. Nas contas da FAO, órgão das Nações Unidas para a segurança alimentar, será necessário aumentar em 60% a produção de comida até 2050.
Assim como aconteceu nas últimas décadas, novas tecnologias deverão ampliar a produtividade do campo. Mas, ao contrário do visto até agora, não há mais abundância de matas nativas para ser convertidas em terras aráveis. Mesmo onde ainda há fronteiras agrícolas virgens para ser exploradas, como é o caso do Brasil, já sai mais caro desbravar novas áreas do que recuperar terras degradadas e destiná-las à produção agropecuária — um fator econômico que, felizmente, pode ajudar a preservar a floresta.
No Pará, que vive intensamente o dilema da conservação, transformar floresta em lavoura custa, em média, 8 000 reais o hectare, segundo cálculo da Scot Consultoria. Já a conversão de pastagens comprometidas em áreas para a produção de milho e soja sai por 3 000 reais o hectare.
Como a redução de custos é uma obsessão para os produtores, que dependem de variáveis difíceis de prever, como o clima ou a cotação da matéria-prima em mercados internacionais, é bem provável que mais e mais áreas degradadas sejam aproveitadas para a agricultura — segundo a FAO, 80% do aumento na produção de alimentos esperado até 2050 virá dessas regiões. Do ponto de vista do meio ambiente, trata-se de um ótimo negócio, pois, assim, reduz-se a pressão por desmatar o que resta. “Na busca por eficiência, o agricultor tem de ser conservacionista e utilizar técnicas mais sustentáveis de manejo”, diz Alcides Torres, sócio da Scot Consultoria.
Tudo indica que o Brasil está na vanguarda da lavoura que ajudará a conservar o planeta no futuro. O país tem hoje uma das maiores experiências do mundo nesse sentido com a rede Integração Lavoura, Floresta e Pecuária, uma parceria público-privada da Embrapa, órgão de pesquisas agrícolas do governo federal, com empresas do agronegócio, como a montadora de implementos agrícolas John Deere e a indústria química Dow. O trabalho dos técnicos da Embrapa e dos parceiros privados é convencer o pecuarista a não deixar a terra parada um minuto sequer.
No programa, algumas áreas de pastagens degradadas de uma fazenda, que normalmente têm infestações de cupins e pouca vegetação para o gado, recebem o plantio de espécies de grãos como soja e milho geneticamente modificados para resistir a solos pobres. Outra parte é reflorestada e abriga o rebanho na safra, que ocorre nos meses de primavera e verão. A boiada volta às pastagens em seguida e colabora para a adubação do próximo plantio com os dejetos que deixa no solo.
Desde a formação da rede, em meados dos anos 90, estudos de campo feitos pela Embrapa mostram os ganhos do sistema. As folhagens deixadas após a safra permitem alimentar melhor o gado, aumentando o ganho de peso — em média, de 40 arrobas por hectare nas fazendas de integração lavoura-pecuária, seis vezes mais do que a média brasileira. A criação de bovinos reduz a necessidade de fertilizantes e nutrientes químicos no solo. O resultado: maior rentabilidade para o produtor. Uma comparação entre duas fazendas em Mato Grosso mostrou que a propriedade com integração lucrou, em média, 230 reais por hectare entre 2005 e 2012. A outra, que seguiu um manejo convencional, deu prejuízo de 116 reais no período.
REDUÇÃO DO EFEITO ESTUFA
No fim das contas, a integração entre lavoura, pecuária e floresta poderá permitir um salto de produtividade e sustentabilidade na agricultura brasileira. Além de prover mais nutrição aos animais, a abundância de mato no pasto e de florestas ajuda a resgatar os gases emitidos pela boiada durante a respiração e a ruminação da comida — também responsáveis pelo efeito estufa.
Segundo dados da Embrapa, o agronegócio brasileiro responde por 37% da emissão de gases no país causadores do aquecimento global e o restante vem de indústrias e do transporte. Do total referente ao campo, 15% vêm da pecuária — número que não considera o sequestro de gases devido à fotossíntese de pastagens que germinam por onde passa a boiada.
Dito isso, desde 2005, estima-se que 35 milhões de toneladas de gases tenham sido sequestrados nas propriedades que adotaram a integração, um patamar que o governo federal, que tem metas de redução de gases de efeito estufa a cumprir por causa de acordos internacionais do clima, só esperava atingir após 2020.
Tudo indica que os ganhos deverão se multiplicar pelos próximos anos: até o fim desta década, a área de integração deverá crescer 30% e chegar a 19 milhões de hectares, praticamente um terço da área destinada à agricultura no país hoje. Considerando que 62% das terras são protegidas de alguma maneira pelo Código Florestal, a alternativa será intensificar a produção em terras pouco produtivas, como as áreas de pastagens degradadas. “O Brasil tem um potencial gigantesco de ampliar a produção de alimentos, seguindo o Código Florestal, sem degradação nem desmatamento”, diz Maurício Lopes, presidente da Embrapa.
As oportunidades abertas pela combinação de tecnologias para aumento da produtividade com práticas sustentáveis têm chamado a atenção das grandes empresas do agronegócio. Há quem cobre dos clientes um prêmio por gerir bem o meio ambiente. É o caso da Agropalma, empresa criada nos anos 80 pelo banqueiro Aloysio Faria e que prevê receitas de 1,2 bilhão de reais em 2018 com a venda do óleo tirado de palmeirais no Pará a clientes como Nestlé e General Mills, que o utilizam na produção de itens como batom, xampu e sorvete. Trata-se de uma cultura acostumada a levar pedrada de ambientalistas: no passado, a extração dependia do desmatamento de vastas áreas de vegetação nativa para abrir espaço para as palmeiras e de altas doses de pesticidas para garantir a produtividade. A má fama e o risco de ser substituído por óleos de origem menos visada, como o de girassol, provocaram uma corrida das fabricantes de palma pela conservação.
Na Agropalma, a abertura de novas lavouras cessou em meados dos anos 90. De lá para cá, técnicas modernas de manejo, como o plantio de leguminosas para conter a erosão, e o uso de arapucas com feromônio para atrair e matar pragas permitiram aumentar a produtividade em quase 70% e fazer as pazes com os ambientalistas. Atualmente, a produção anual é certificada com o selo “Desmatamento zero”, da ONG Greenpeace. A preocupação ambiental ampliou a demanda pelo óleo da Agropalma, que cobra até 10% mais do que a concorrência. “Nosso óleo é disputado a tapa em mercados com legislação ambiental estrita, como a Alemanha”, diz Marcello Brito, diretor da Agropalma.
Em alguns setores do agronegócio brasileiro, como é o caso da indústria da carne, seguir protocolos internacionais de cuidado com o meio ambiente é uma precondição para as empresas brasileiras acessarem mercados. Por isso, os três maiores frigoríficos do país, JBS, Marfrig e Minerva, têm programas para rastrear a cadeia de fornecedores da carne. O Minerva, que implantou o monitoramento em 2009, desde o ano passado tem ampliado um sistema de imagens por satélite para coibir o fornecimento de gado vindo de áreas desmatadas da Amazônia. Atualmente, 98% das propriedades na região com as quais negocia são vigiadas dessa maneira, o que permite vender a gigantes do fast-food, como Subway. “São empresas que atuam globalmente e exigem padrões altos de sustentabilidade”, diz Fernando Galletti de Queiroz, presidente do Minerva.
Da mesma forma que cuidar do planeta pode ser uma oportunidade para as grandes do agronegócio, há uma porção de startups surgindo com a missão de salvar o mundo e aumentar a produção de alimentos. Exemplo disso é que a Embrapa já organizou um desafio de ideias sobre o tema — o chamado hackathon —, que teve 63 inscrições para o evento realizado no fim de agosto em Londrina, no interior paranaense.
Quem aposta em mais tecnologia e sustentabilidade está vendo um mercado promissor. É o caso da gaúcha Aegro, que mantém um aplicativo com mapas da fazenda elaborados com base em dados coletados por sensores. A finalidade? Mostrar, em tempo real, as áreas que, de fato, precisam de uma pulverização química — reduzindo, assim, a aplicação desnecessária de agrotóxicos na natureza. No início de dezembro, a Aegro recebeu investimentos de 5 milhões de reais da SP Ventures, fundo que tem como cotista a Fapesp, fundação paulista de apoio à pesquisa científica. Além disso, na mesma semana, o aplicativo estreou no Climate FieldView, uma plataforma online para novas tecnologias agrícolas mantida pela fabricante de sementes Monsanto. As receitas da Aegro, que dependem de uma anuidade a partir de 2 reais por hectare, devem se multiplicar por 6 no ano que vem. “A expectativa é chegar a 3,5 milhões de reais”, diz o cientista da computação Pedro Dusso, de 29 anos, que abriu a empresa com colegas de faculdade em 2015.
Fazer um agronegócio mais produtivo e sustentável não depende apenas de novas tecnologias e da vontade de empresas e produtores. O estágio de desenvolvimento das propriedades brasileiras é muito desigual. Metade da área destinada à pecuária no país não faz uso sequer de suplementação mineral no solo. “O agricultor precisa ter assistência técnica para que consiga recuperar as áreas que foram desmatadas”, diz Rodrigo Lima, diretor da consultoria Agroícone. “No cerrado há 11 milhões de hectares de pastagens aptas para a produção agrícola, mas que aguardam políticas públicas melhores.” Sim, há muito por fazer. Mas saber a direção certa aonde se quer chegar é um ótimo começo.