O Brasil tem um dos mais bem-sucedidos programas de energia renovável do mundo com a cana-de-açúcar. Temos tecnologia de ponta e somos eficientes desde a genética, passando pela produção no campo, até a indústria.
Em relação à produção de etanol de milho, damos um banho. Com um hectare de cana é possível produzir quase o triplo de etanol do que com a mesma área de milho.
Todavia, a produção de etanol de cana se concentra na época da safra entre abril e novembro. Há, então, essa janela de cinco meses sem produção. Uma das formas de preencher esse vazio é ter uma usina que seja capaz de produzir etanol tanto da cana, como do milho. Seriam as usinas-flex.
Com a existência no Brasil das primeiras usinas-flex, começaram a aparecer os subprodutos da produção de etanol de milho. Ao contrário dos subprodutos da cana que, ou são tão nobres que vão para outros mercados (caso do melaço, por exemplo) ou tão pobres que tem o uso bastante limitado na nutrição animal (caso do bagaço), os subprodutos do etanol de milho são muito interessantes para serem usados na nutrição de gado de corte. Nos EUA, onde há uma enorme produção, eles são usados por várias categorias animais. Muitos defendem que a venda desses subprodutos seria o que viabilizaria o etanol de milho nos EUA.
Em agosto do ano passado, em Lucas do Rio Verde-MT, foi inaugurada a primeira operação no Brasil de etanol produzido 100% a partir do milho. Não se trata de um pequeno investimento e, quando estiver em plena capacidade, pretende moer 1 milhão de toneladas de milho por ano. Já na primeira fase, moendo a metade desta quantidade, deve produzir 240 milhões de litros de etanol e 7 mil toneladas de óleo de milho. Os subprodutos para alimentação animal somarão mais de 170 mil toneladas.
Especula-se que, nos próximos anos, poderemos ter 10 milhões de toneladas de milho destinadas à produção de etanol em usinas-flex ou das integralmente dedicadas aos cereais, pois outras matérias primas ricas em amido também podem ser usadas.
O principal subproduto destinado à nutrição animal é conhecido pelo seu acrônimo em inglês, DDGS de Distillers Dried Grain with Solubles, que significa Grãos de Destilaria Secos com Solúveis.
Na figura 1, está esquematizado como eles são produzidos. O processo começa com a moagem do milho que segue para a fermentação e destilação. Resta, então a vinhaça completa que é separada por centrifugação em sólidos grosseiros e vinhaça fina. Essa, por evaporação, produz os destilados condensados. Já os sólidos grosseiros podem já ser comercializados como os Grãos de Destilaria Úmidos (WDG, Wet Distillers Grain). Passando pela secagem na rotatória, ele se transforma diretamente no DDG, os Grãos de Destilaria Secos. É comum acrescentar a ele os destilados condensados, ou xarope, resultando nos Grãos de Destilaria Secos com Solúveis (DDGS). Os destilados condensados podem também ser adicionados aos Grãos de Destilaria Úmidos, formando o Grãos de Destilaria Úmidos com Solúveis (WDGS). Há, ainda, o Grãos de Destilaria Secos com Solúveis Modificado (MDGS, Modified Distilers Grain with Solubles) que é um intermediário entre o úmido e o seco.
Se todos os solúveis produzidos no processo convencional de produção fossem usados, o DDGS teria 80% de grãos de destilaria e 20% de solúveis, mas isso é variável conforme o procedimento adotado por cada unidade produtora. Na maioria das vezes, há também retirada parcial da gordura por centrifugação, que é outra fonte de variação na composição final dos subprodutos.
Outro nutriente que pode variar bastante é o enxofre (S). Em uma mesma planta um coeficiente de variação flutuando entre 3 a 13% foi observado, o que mostra a necessidade de seu monitoramento com análises laboratoriais. O S é adicionado na fermentação para controle do pH durante o processo industrial de produção do álcool, na forma de ácido sulfúrico.
Na tabela 1, apresentamos os valores nutricionais dos dois principais subprodutos, o DDGS, os Grãos de Destilaria Secos, dos Grãos de Destilaria Modificados (MDGS) e Grãos de Destilaria Úmidos (WDGS).
Pela comparação dos dados em matéria seca, fica claro que os três produtos só diferem mesmo no conteúdo de água. Todavia, dados experimentais mostram que o valor nutricional na prática é maior para o úmido. Isso será mais discutido à frente. Alguns resultados de análises de amostras produzidas no Brasil de grãos de destilaria apresentaram valores muito semelhantes a estes.
A porção proteica consiste basicamente na proteína do milho, a Zeína, e isso confere baixa degradabilidade ruminal, na casa dos 40%. Como ela tem muita proteína não degradável no rúmen (PNDR), ao tentar atingir as exigências de proteína degradável no rúmen, as dietas podem ficar com valores muito acima da exigência de proteína. Há, entretanto, vários trabalhos mostrando que a ureia usada para corrigir a falta de proteína degradável ruminal não fez diferença, o que indica que provavelmente a reciclagem de ureia esteja sendo suficiente para corrigir essa questão.
Outra característica que chama a atenção é a altíssima porcentagem da proteína que estaria ligada à fibra insolúvel em detergente ácido, considerada indisponível para a maioria dos alimentos. Contudo não é observada piora no desempenho, mostrando que, para o caso desses subprodutos, considerá-la indisponível não corresponde à realidade.
A gordura, como Extrato Etéreo, fica entre 11 e 13% e o perfil de ácidos graxos é semelhante ao do milho, ou seja, mais insaturado. Como os procedimentos para a retirada da gordura podem ser mais ou menos intensos, esse é um valor que pode variar bastante dependendo da unidade produtora.
Com relação ao enxofre (S), se os grãos de destilaria contiverem alto teores pode ocorrer indução da polioencefalomalácia (PEM), um distúrbio neurológico letal. Há a recomendação para não incluir esse alimento em mais de 50% da dieta (em MS) ou quando tiver valores de S maiores do que 0,8% da MS. Além disso, é chamada atenção para dietas baixas em fibra, situação em que a concentração de S na dieta de cerca de 0,5% já pode resultar em risco de PEM. Isso corresponderia a cerca de 0,3% MS de S disponível no rúmen, o limite superior de S recomendado para não ocorrência de PEM.
Existem muitos trabalhos americanos com a substituição do milho grão da dieta pelos grãos de destilaria e o desempenho dos animais melhora, ou seja, o valor alimentar deste último seria superior. Em uma análise com vários trabalhos com grãos de destilaria como DDGS, WDGS e o MDGS substituindo o milho processado (milho laminado ou de alta umidade), pode-se observar o grau de superioridade obtido. Esses resultados são mostrados na tabela 2.
Pode-se observar também que o WDGS (grãos úmidos de destilaria mais solúveis) teria melhor valor alimentar que o DDGS, com o Modificado (MDGS) sendo intermediário. No caso do WDGS, as diferenças são muito significativas mesmo no nível mais alto de inclusão, quando participaria de 40% da dieta. Os 12% de superioridade do DDGS ao longo de toda faixa de substituição avaliada também são bem interessantes. O porquê destes resultados ainda não foram compreendidos.
Quando a inclusão dos grãos de destilaria é maior do que 20%, há interação com o processamento de milho. O que ocorre é que, quanto mais processado for o milho, menor o efeito de melhora, ou seja, a diferença do valor alimentar entre os grãos de destilaria e o milho fica menor. Para a realidade brasileira, em que a baixa adoção de processamentos de milho diferente da moagem e pela menor digestibilidade dos nossos grãos vítreos, isso deve ser menos importante e, provavelmente, as diferenças sejam ainda maiores do que as apresentadas na tabela 2, obtidas com milhos processados.
No caso de dietas baseadas em forragem, o valor nutricional dos DGS vai de 130% em dietas com pouco milho a 118% em dietas com alta porcentagem de milho. Pode-se dizer que os DDGS têm entre 115-130% do valor nutricional do milho e que, nestas dietas, o DDGS, o MDGS e o WDGS têm o mesmo valor.
Esses subprodutos permitem o uso de forragens de baixa qualidade em dietas de confinamento. Eles são bastante palatáveis e, quando úmidos, tem a vantagem adicional de auxiliar a mistura dos ingredientes volumosos e concentrados. Ajudam, também, a evitar a segregação destes. Isso evita a seleção dos ingredientes da dieta pelos animais. Apesar de seu maior teor de fibra e menor teor de carboidratos não fibrosos, que poderiam fazer acreditar ser possível usar menos alimentos fibrosos para manter o bom funcionamento rumimal, a inclusão de volumoso é a mesma que a recomendada para dietas com outros concentrados.
O DDGS melhora o desempenho e a eficiência em dietas baseadas em volumoso quando o substitui, devendo ser muito interessante sua inclusão na suplementação no pasto. Conforme esperado, em pastagem ele causa efeito de substituição, reduzindo o consumo da forragem. A inclusão de 2,3 kg de DDGS reduziu a ingestão de MS de forragem em 0,7 a 1,0 kg/d, em dois estudos com forragem temperada. Com nossas forragens tropicais de menor digestibilidade, esses valores devem ser menores e essas altas taxas de substituição entre 30 e 40% não devem se repetir e, especialmente na seca, deve ser bem mais baixo.
Por tudo aqui exposto sobre esses novos ingredientes, caso se confirmem as expectativas de aumento de produção de etanol de milho, fica claro que podemos esperar uma pequena revolução no mercado, tanto de milho, como no de nutrição animal. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o impacto pode ser bem positivo, especialmente se conseguirmos integrar bem as cadeias de produção e aproveitarmos as sinergias entre elas. Ter subprodutos alimentares de milho que apresentam valor alimentar superior a ele e que “casam” bem com uso de volumosos e pastagem são exemplos destas oportunidades para o Brasil pecuário.
Nota: Os dados deste texto se basearam no capítulo sobre uso de subprodutos da última edição (2016) do “Nutrient Requirements of Beef Cattle” do National Research Council dos EUA e no “DDGS User Handbook”, 2012 do US Grain Council, esse disponível em inglês no link http://www.grains.org/buyingselling/ddgs/ddgs-user-handbook