Era o aluno mais motivado de uma turma de um de nossos cursos de gestão de fazendas. A mudança seria radical no projeto, mas ele estava decidido, pois a ideia prometia muito dinheiro. Em resumo, abriria mão da renda da safrinha, em área que era arrendada, para formar pasto e fazer a recria de animais. Apesar de decidido, antes da implantação, o incentivei a descrever todas as etapas no papel, pois diferente da agricultura, na pecuária não existem protocolos prontos para o processo de produção. Cada fazenda, por particularidades de clima, raça, tipo animal, regime pluviométrico, sistema e uma infinidade de outros itens, acaba construindo seu próprio modus operandi. E foi o que fizemos. Passamos a testar tudo no papel, tudo mesmo.
Percebi que aos poucos o brilho nos olhos do pecuarista ia se apagando. Ao construir o passo a passo, ele se deu conta de que a ideia fazia todo sentido, mas o risco, também, seria grande demais. Ele teria, em curto espaço de tempo, de comprar muitos animais de uma categoria específica, com um peso determinado de entrada e uma genética favorável para um ganho superior a 600g/dia. Com o método de análise de negócio, tema deste artigo, ele pode testar seus objetivos e avaliar o resultado. Financeiramente, o projeto atendia a expectativa, mas quando rodamos a análise de risco, o parâmetro operacional tornava-o inviável, concluiu o pecuarista. A operação era justa demais e qualquer pequena variação nas premissas estabelecidas levava a uma taxa interna de retorno negativa.
Remodelamos e a opção foi por dar um passo atrás para que pudesse dar dois à frente no ano seguinte. Vai usar a área como uma estratégia interna de terminação dos animais que já estão na fazenda e não como um projeto isolado. Apesar de chateado no início, o pecuarista teve a certeza que foi melhor saber isso no papel, antes de fazer uma revolução na fazenda. Imagina se descobre o problema quando fosse para o mercado e não encontrasse os animais, ou mesmo se o ganho e lotação fossem abaixo do previsto? Só teria dor de cabeça.
O otimismo precisa ser calculado nos negócios. “Fica tranquilo, que vai dar tudo certo!”, foi a última frase do comandante do Titanic, um dos mais célebres naufrágios que conhecemos. Nos negócios é preciso dados, análises, fim às desculpas e foco no resultado. “Não importa se o pato é macho ou fêmea, eu quero é o ovo”, brinco em minhas apresentações.
Cinco etapas da análise de risco
Antes de qualquer análise é importante entender a diferença entre ideia e oportunidade. Você já parou para pensar nisso? Dizem que quando temos uma ideia, pelo menos outras três pessoas no mundo têm a mesma percepção, mas ela não será uma oportunidade para todos. Dependerá da realidade de cada um.
Na verdade, a oportunidade é a transformação da ideia em algo que traga benefício ou gere valor para a fazenda. É muito importante ter ciência que a oportunidade é perecível, ou seja, ela tem um tempo de validade. É aquela máxima de nossos avós de que “não se pode perder de montar o cavalo branco quando ele passa arreado em nossa frente”, porém, antes dessa cavalgada, é preciso passar por cinco etapas que adaptamos da gestão empresarial de um plano de negócios para a gestão pecuária. Acompanhe a apresentação de cada uma:
1) Do que se trata a ideia? Nessa fase é preciso descrever o objetivo, considerando sua alma, ônus e bônus. Deve tratar de aspectos como benefícios da iniciativa para a fazenda, a origem dos recursos, aspectos de equipe e visão de longo prazo. É aquele detalhamento chamado de sumário executivo que irá compor o maior número de informações da ideia em análise.
Por exemplo, se decisão é por ampliar o nível suplementação. Qual será o efeito na atividade atual? Vai aumentar a produtividade em qual percentual e quão maior será meu custo? Haverá maior demanda por estrutura? Se a opção é por entrar na integração de agricultura e pecuária preciso entender exatamente quais são os aspectos mais relevantes deste processo. Tenho conhecimento técnico? Há maquinário disponível na região? Qual consultor irá me orientar?
Para que essa descrição não fique genérica, ela deve ter, de alguma forma, informações relativas a:
Margem - lucro esperado
Escalabilidade - qual será a capacidade de crescimento em etapas ou os limites para esse crescimento como falta de animais na região ou limitações nutricionais, por exemplo
Liquidez – Em qualquer momento posso deixar o projeto sem ter prejuízo?
O sumário executivo é a ultima etapa do trabalho. Após todo o estudo estar pronto, é escrito o sumário.
2) Quais são os ganhos?
A partir de números gerais, é preciso aprofundar o plano de negócio em metas financeiras e há indicadores imprescindíveis os quais enfatizamos em nossos cursos para que o pecuarista saiba calculá-los. Segue a lista:
TIR – mede a rentabilidade do projeto
Valor Presente Líquido (VPL) – Atualização de valores submetido a taxa de desconto
Lucratividade – O que ganho em relação ao que faturo
Payback – Quanto tempo levarei para pagar o investimento inicial
Razão benefício/custo – Quanto faturo em relação ao que gasto.
Sem ter esses números congele qualquer ideia de investimento, pois somente a partir deles haverá a verdade nua e crua do que está se projetando. Apenas após a análise dos fatores econômicos, a ideia poderá ser vista como uma oportunidade para seu modelo de negócio.
Vale ressaltar que o negócio precisa tocar o bolso (resultado financeiro), o cérebro (viabilidade operacional) e o coração (engajamento). A sua ideia atinge esses três alvos? Caso a resposta seja negativa, busque adaptações ou nova roupagem ao projeto. Avance um pouco mais para entender o propósito do que está em jogo. Alcançar esses três alvos será a motivação que fará as pessoas manifestarem a atitude de dono frente aos desafios e lutar para alcançar a meta. Os projetos podem trazer outros benefícios além do financeiro como desenvolvimento de equipe, amadurecimento gerencial, segurança operacional, inclusão de sucesso e outros.
3) O que pode dar errado?
É nessa hora que se faz a análise de risco em si com a avaliação da capacidade de execução. No papel e na cabeça tudo é lindo, mas na prática as coisas dão errado. Sabemos disso. Qual é a viabilidade operacional que o projeto tem? Quem está fazendo? Qual a expertise da equipe para isso?
E na exposição ao risco é preciso considerar números. Por exemplo, se no projeto a ideia é comprar o quilo de bezerro a R$6,00 e a partir de um levantamento histórico na região percebo que o risco varia de R$5,80 a R$6,30, esse será o tamanho do risco que me exponho. Tenho capacidade de absorvê-lo, caso a oferta seja cara? Se meu projeto tem meta de ganho de 600g/dia e tenho animais com 800g/dia e outros com 200g/dia será possível atingir a minha meta?
Em uma análise um pouco mais técnica, que discorremos em nossos treinamentos, a minha projeção de ganho precisa ser superior à taxa que os melhores obtêm, pois, repito, na prática as coisas dão errado, ainda mais para iniciantes. Portanto, a minha meta precisa ser maior do que o resultado obtido por quem já faz bem a lição de casa. Parece complexo, mas não é. Veja:
No mercado em geral, tenho expectativa de ganho de 8% ao ano e sei que as fazendas top rentáveis tem um lucro de 14% ao ano. No meu projeto, o gasto por cabeça-mês passara de R$55,00 para R$75,00, portanto um risco de 36%. Para que seja viável, tenho que descobrir se com esse risco de 36% consigo superar a meta de lucro superior a 14%, obtida pelas top.
O modelo Capital Asset Princing Model (CAPM) para se calcular a taxa de atratividade do projeto em função do risco é:
Ke = Rf + β (ERm - Rf)
Ke = taxa esperada de retorno aos acionistas
Rf = taxa das aplicações livres de risco
β = risco relativo do ativo
ERm = Retorno esperado do portfólio
Ajustando a utilização da formula para a pecuária, temos:
= % de ganho de mercado + o risco exposto x (referência do projeto – ganho de mercado)
O risco exposto pode ser o tanto a ampliação dos custos quanto os coeficientes de variação (desvio ÷ média) dos parâmetros técnicos.
No exemplo:
= 8% + 1,36 x (14% - 8%)
Portanto, o resultado dessa análise foi 16,16%, ou seja, superior aos top rentáveis. É uma tecnologia que pode ser implantada, pois há segurança mesmo que não consiga o sucesso perfeito de todas as etapas. Se o resultado da análise fosse de apenas 10%, por exemplo, o projeto deveria ser abortado, pois está muito próximo de 8% que é a taxa de mercado. Seria melhor aplicar o dinheiro e não se arriscar.
Além dessa análise, outra ferramenta muito interessante é a análise de risco e impacto, classificando cada media em alto, médio ou baixo impacto.
4) Descrever o dia a dia
Estabelecidos o cenário, os números e ciente da viabilidade financeira, é hora de ir para a prática e descrever o processo, ou seja, dizer o que deve ser feito, por quem e em quanto tempo. Parece uma antecipação de execução, mas não é. Nessa hora, o líder pode se dar conta de questões operacionais que podem adiar o projeto. É uma etapa que coloca os “pingos nos is”.
Por exemplo, se a opção é por implantar um programa de fertilização, preciso estar com condições ideais de infraestrutura (cerca e água), equipe e rebanho para colheita no ponto ideal de corte. Vi várias vezes o pasto ser fertilizado e passar do ponto de manejo e com isto ocorrer desperdício de não só de forragem, mas de dinheiro. Portanto, se tenho necessidade de determinada tecnologia, mas não tenho capacidade técnica preciso investir em treinamento ou repensar o projeto. Além disso, é preciso definir as métricas de sustentação. Quais serão os indicadores, no meio do processo, que irão me mostrar que o barco está seguindo o rumo certo.
5) Adesão da equipe
A última etapa será definir a forma de apresentação para a equipe para que seja convincente, atrativa e agregadora. É preciso que todos, dos envolvidos com as tarefas mais simples às mais complexas, entendam e acreditem na ideia. As grandes metas ou big numbers precisam estar escancarados e todos devem entender os objetivos da nova proposta para que não sintam a ameaça, mas a possibilidade de crescimento com a iniciativa.
De posse dos cinco passos, atenção ao timming! Não é permitido queimar etapas, mas seguir em sequência. Por outro lado, elas não precisam consumir seis meses de análise, para que não se perca o tempo de aplicação, ainda mais o pecuarista que vive em uma atividade sujeita a questões naturais. Seja rápido e assertivo!