Desde o início da epidemia do novo coronavírus, o covid-19, em Wuhan, na China, em dezembro de 2019, a incerteza quanto ao cenário econômico mundial começou a ganhar espaço.
A doença evoluiu exponencialmente pelo mundo e se tornou uma pandemia. Com isso, diversas medidas para contenção da disseminação do vírus foram tomadas, coerentemente. Todavia, por consequência, houve reflexos na economia.
Neste sentido, no Boletim Focus divulgado em 9 de abril, pelo Banco Central, foi projetada uma retração no PIB (Produto Interno Bruto) de 2,0% em 2020. Há uma semana, o recuo previsto era de 1,2%. Por outro lado, a expectativa de crescimento para 2021 ficou em 2,7% e para os anos seguintes, até 2023, se manteve em 2,5% em cada ano.
Abordaremos a seguir, como os mercados agropecuários se comportaram até então no Brasil em meio essa turbulência, interna e externamente e traz incerteza quantos aos próximos dias.
As exportações de soja cresceram no primeiro trimestre, alcançando volumes recordes.
O Brasil exportou 18,25 milhões de toneladas do grão, alta de 5,3% na comparação com igual período de 2019 (Secex). Em março, o volume foi de 11,64 milhões de toneladas, recorde para o mês.
A China representou 74% do destino da soja brasileira de janeiro a março.
No Brasil, a partir de março entrou em vigor a obrigatoriedade da mistura mínima de 12% do biodiesel ao óleo diesel, cuja soja é a principal matéria-prima.
De acordo com levantamento da Scot Consultoria, a cotação da soja chegou a R$100,00 por saca de 60kg (13/4), em Paranaguá-PR, acumulando alta de 14,9% no ano.
O transporte de cargas, uma atividade essencial, e os portos trabalhando normalmente garantiram o escoamento da produção.
O câmbio valorizado e boa demanda deram sustentação à alta de preços.
O mercado deve seguir firme no curto prazo em função da boa demanda chinesa, porém, cabe atenção à cotação do dólar como um fator para a atratividade da soja brasileira no mercado externo.
O milho atingiu os maiores valores nominais no mercado interno.
A saca (60kg) foi negociada em R$62,00, em Campinas-SP, sem o frete (1/4), segundo levantamento da Scot Consultoria. Alta de 26,5% desde o início do ano.
As exportações de milho, com a maior oferta de soja por causa colheita, perderam o ritmo. Em janeiro, o Brasil exportou 2,29 milhões de toneladas, passando para 346,35 mil toneladas em fevereiro e 494,60 mil toneladas exportadas em março (Secex).
Os estoques internos baixos, dólar em alta, as incertezas quanto ao clima e a produção de milho de segunda safra, que acabou de ter a semeadura concluída, deram sustentação aos preços no mercado interno no primeiro trimestre.
Em abril, os preços caíram, em função das incertezas com relação a demanda pelo cereal, devido a possíveis ajustes do lado produtivo (aves e suínos, principalmente) em função da menor demanda no mercado doméstico e também devido a uma oferta maior em São Paulo proveniente de outros estados.
A referência recuou para R$56,00 (13/4), em Campinas-SP, segundo levantamento da Scot Consultoria.
A expectativa em curto prazo é de mercado mais frouxo, com o câmbio, clima e demanda como principais fatores de direcionamento dos preços no mercado interno.
Segundo a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), as vendas de etanol hidratado cresceram 2,3% no primeiro bimestre desse ano em relação a igual período do ano passado (últimos dados disponíveis).
Entretanto, os preços do etanol hidratado estão em forte queda desde o início do ano (Cepea).
Em janeiro, o valor pago no mercado spot, entre usinas e distribuidoras, sem ICMS e PIS/Cofins, foi de R$2,05 por litro passando para R$1,40 em abril. Retração de 31,7%.
Somado à quarentena, por causa do covid-19, que está diminuindo o consumo de combustíveis, a expressiva queda do valor do barril do petróleo pelo atrito comercial entre os sauditas e os russos caiu a competitividade do etanol frente à gasolina, contribuindo também para reprimir a demanda do biocombustível.
Desta forma, a estimativa de aumento da produção de etanol pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em seu último relatório (dezembro/19), em 7,2% em relação à safra passada poderá ser revista no próximo levantamento, no final de abril.
A cana-de-açúcar, como principal matéria-prima, será a mais prejudicada. No caso do milho, no Brasil, a maior demanda é para o segmento de ração.
No curto prazo, a demanda fraca no mercado interno mantém o viés de baixa para o etanol, podendo resultar em um maior direcionamento da safra que começa em abril/maio para produção de açúcar, priorizando o mercado externo.
As exportações de café diminuíram 8,1% no primeiro trimestre comparado ao mesmo período de 2019. O volume foi de 514,8 mil toneladas (Secex).
Neste período de entressafra e com o dólar valorizado as cotações do café acumularam alta de 9,4% no ano. A saca de 60kg ficou cotada em R$584,78 (13/4), em São Paulo (Cepea).
Segundo o USDA a estimativa para o corrente ano safra é de acréscimo de 1% no consumo mundial em relação à safra anterior, ficando em 166,36 milhões de sacas.
Com o início da safra em abril, a maior oferta do produto e o dólar valorizado podem contribuir para as exportações se a situação do consumo externo estiver mais normalizado, principalmente nos principais compradores de café brasileiro no primeiro trimestre do ano, Alemanha, Itália e Estados Unidos, todos vítimas da covid-19.
Diante de um estoque mais ajustado e caso tenhamos uma boa demanda externa, com o dólar em alta, a tendência será de bons preços para o café.
No mercado externo, as exportações de carne in natura foram recordes em março.
O volume embarcado foi de 353,5 mil toneladas no primeiro trimestre de 2020, alta de 5,1% em relação ao mesmo período de 2019. O faturamento foi de US$1,62 bilhão, incremento de 29,1% na mesma comparação (Secex).
Os reflexos do covid-19 na economia têm prejudicado o consumo de carne bovina no mercado interno. As indústrias diminuíram os abates e estão conservadoras nas compras de gado, observando o mercado diante dessa situação.
A oferta restrita de boiadas e o câmbio atrativo para exportação têm sido fatores de amparo dos preços da arroba do boi gordo, mas a menor demanda por carne no país vem pressionando as cotações.
Em São Paulo, a cotação foi de R$195,00/@, bruto, à vista (14/4), segundo levantamento da Scot Consultoria.
Com a entrada do período seco do ano e menor possibilidade da retenção do gado em pasto, a atenção quanto ao consumo interno de carne bovina será um dos principais direcionadores dos preços da arroba do boi gordo nos próximos dias.
O preço do leite pago ao produtor vem em seu quarto mês de alta, considerando a média nacional.
No pagamento de março, que remunera o leite captado em fevereiro, houve alta de 0,9% em relação ao mês anterior, e a cotação cresceu 3,5% na comparação com igual período de 2019.
Por outro lado, em 2020 já são três meses de queda no volume captado pelas indústrias, segundo o Índice de Captação de Leite da Scot Consultoria.
A menor disponibilidade de matéria-prima gerou maior concorrência entre os laticínios, contribuindo para o cenário de alta.
Apesar da concorrência entre os laticínios pelo leite cru, a demanda em alguns segmentos, como o de queijos, foi prejudicada pelo quadro de quarentena, e, com isso, algumas indústrias (queijeiros) ofertaram mais leite no mercado spot (comercialização entre laticínios).
Dessa forma, em curto e médio prazos, essa queda na demanda poderá pressionar para baixo a cotação do leite, em pleno início de entressafra.
Como medida para amenizar a crise, o governo autorizou laticínios com selo de inspeção federal a comprar leite de indústrias com selo estadual ou municipal.
As carnes suína e de frango tiveram uma maior demanda logo após a caracterização do covid-19 como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
No entanto, passado esse momento, a demanda diminuiu com muitos estabelecimentos fechados, como bares e restaurantes, desta forma, os preços cederam novamente.
Segundo levantamento da Scot Consultoria, o preço do frango na granja foi para R$2,90 por quilo (13/4), queda de 9,4% em relação ao início de janeiro. Já para os suínos, a arroba foi negociada em R$77,00 (13/4), representando uma retração de 35,8% no mesmo período.
As exportações têm dado suporte para o mercado de frangos e suínos, devido à demanda chinesa, causada pela peste suína africana, que ficou esquecida em meio a pandemia do novo coronavírus.
O volume embarcado neste primeiro trimestre foi de 949,98 e 180,69 mil toneladas de carne in natura de frango e suíno, respectivamente. Alta de 8,7% e 25,2% frente a igual período de 2019, na mesma ordem.
A expectativa fica por conta do período de retração do consumo doméstico, que é o maior destino da produção. Em contrapartida, as exportações devem seguir positivas para o curto e médio prazos.
O transporte de cargas e as atividades portuárias estão ocorrendo e não foram entraves para o escoamento da produção.
Os embarques (carnes e grãos) foram pouco afetados pela pandemia.
Além da incógnita quanto a duração da quarentena e do comércio fechado, a recessão econômica e, consequentemente, uma população menos capitalizada contribuem, também, para a redução do consumo do país.
A demanda interna é a grande questão.