Em oportunidade anterior, foram feitos comentários introdutórios sobre a “Lei do Agro” (Lei Federal no. 13.986/2020), convertida da “MP do Agro” (MP no. 879/2019).
Reforçando o alerta de que será necessária atenção ao tomar crédito nestes próximos tempos, principalmente com a forma pela qual serão alienados os bens dados em garantia, será feita neste texto uma análise um pouco mais específica das novidades nas ferramentas jurídicas da nova legislação, passo a alguns comentários a seguir.
Antes chamado Fundo Aval Fraterno (FAF) pela medida provisória, agora se chama Fundo Garantidor Solidário (FGS) pela nova lei, se presta para garantir (servir como garantia) operações de crédito firmadas entre produtores (solidários) e instituições financeiras, servindo para a garantia tanto de dívidas já existentes, onde o fundo será acionado, quanto para dívidas recém firmadas.
É um fundo que será composto por, no mínimo, dois produtores rurais (que ficam com a cota primária de 4%), a instituição financeira ou credor original (fica com cota de 2%) e um terceiro interessado, se houver, fica com a cota também de 2%, sendo integralizados recursos constituindo cotas e percentuais mínimos de acordo com a categoria do participante.
Quando constituído um FGS também deve ser elaborado um estatuto próprio para tratar do funcionamento, administração, utilização dos recursos, atualização, representações e outros detalhes.
Tanto credores quanto devedores injetarão considerável quantia de dinheiro para que o fundo possa existir, deixando de ser apenas uma garantia em situações de inadimplência, quando passa a ser utilizado, demonstrando a natureza solidária de seu nome, sendo que, em caso de adimplência da dívida pela qual serviu como garantia, o dinheiro é devolvido.
Também é importante lembrar que, enquanto não forem quitadas as dívidas feitas com garantia no Fundo Garantidor Solidário, os recursos do fundo não responderão por absolutamente nenhuma outra dívida contraída pelos integrantes.
O fato é que será possível regularizar débitos com a captação de créditos garantidos por todos os integrantes do fundo e, embora trate-se de importante novidade, ainda serão necessárias normas regulamentadoras, pois apenas a lei não consegue detalhar a forma de funcionamento e abaixo de uma lei federal, normalmente surgem os decretos federais, em seguida as normas regulamentadoras (portarias, resoluções, etc.), o que pode atrasar um pouco a formação destes fundos.
A outra novidade, é chamada de “Patrimônio Rural em Afetação” e foi mantida da medida provisória para a lei federal, uma importante alteração normativa onde, para tomar um empréstimo, não será mais necessário deixar toda a propriedade como garantia, sendo possível ao proprietário rural oferecer apenas parte do imóvel nos empréstimos rurais, separando ainda o terreno e as benfeitorias do patrimônio disponível.
Em suma, até então, para contratar crédito, o produtor rural teria que oferecer todo seu imóvel rural em garantia e com a novidade, poderá oferecer apenas parte deste, desde que vinculados a CIR ou a CPR.
E assim, passa a ser possível que o produtor rural utilize terreno e benfeitorias existentes nele, exceto lavouras, bens móveis e gado, para garantia de qualquer operação financeira por meio de Cédula Imobiliária Rural (CIR) ou de Cédula de Produto Rural (CPR).
É importante salientar que, enquanto sujeito à afetação, não é possível que seja realizada compra e venda, doação, demais atos de transferência e garantias por parte do proprietário, enquanto durar a afetação, considerando ainda o patrimônio como impenhorável e inatingível pelos casos de falência, insolvência ou recuperação judicial, à exceção das dívidas fiscais, trabalhistas e previdenciárias, protegendo desta forma o credor para a recuperação do crédito inadimplido.
Não obstante ser uma boa novidade, ainda sim, poderá ser burocrática e onerosa, com possível desinteresse dos produtores em utilizar, principalmente no custeio agrícola onde a garantia serve em um período pequeno.
Outra situação é a falta de parâmetros para avaliação pela instituição financeira, podendo ser problemática também neste sentido, pois se por um lado, antes o patrimônio possuía valor muito superior ao do empréstimo, agora, com a avaliação da parte do patrimônio feita à critério dos bancos, obviamente estes poderão atribuir valor menor à parte do imóvel que foi afetada e acabar aumentando a área dada como garantia, alcançando patrimônio maior.
E um destaque para o que já foi escrito em outra oportunidade a respeito da importância da “gestão jurídica cadastral” do produtor rural, pois, segundo o artigo 12 da nova lei, para que seja feito o registro da afetação em cartório, serão exigidos alguns documentos cadastrais como: inscrição do imóvel no Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR); inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR); certidões de regularidade fiscal, trabalhista e previdenciária; e certificação junto ao Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) do INCRA, do georreferenciamento do imóvel “afetado”; sem prejuízo dos demais procedimentos solicitados para constituição da afetação, como o memorial descritivo e outros.
A medida provisória agora convertida em lei, ampliou o uso da Cédula Imobiliária Rural (CIR), que é uma promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito de qualquer modalidade, para qualquer operação financeira, não só de crédito junto às instituições.
A CIR é um título de crédito representativo de promessa de um pagamento em dinheiro que será emitido em favor da instituição financeira, sendo a cédula vinculada à um patrimônio de afetação, este um imóvel ou parte dele (novidade).
Portanto, este título de crédito possibilita a operacionalização da garantia dada pelo patrimônio rural em afetação, emitida por proprietário rural (pessoa física ou jurídica) que tenha constituído patrimônio rural em afetação.
Esta CIR deve ser registrada em entidade autorizada a funcionar pelo Banco Central ou pela comissão de valores imobiliários em até 5 dias de sua emissão, cuja liquidação pelo credor deve ser informada no mesmo prazo.
Em caso de inadimplemento do crédito tomado pelo produtor, a instituição financeira, poderá de imediato exercer o direito de transferência do imóvel afetado, sem prejuízo da exigibilidade do saldo remanescente, em caso de o leilão não se considerar suficiente para quitação.
As orientações e alertas sobre este tipo de alienação foram feitas ao início do texto, remetendo-nos ao perigo das alienações feitas por meio da afetação instrumentalizada pela cédula imobiliária rural
A respeito da já existente Cédula de Produto Rural (CPR), emitida para garantir o pagamento de um empréstimo rural com a produção agrícola, pecuária, de floresta plantada e de pesca e aquicultura, seus derivados, dentre as novidades da “lei do agro”, houve ampliação dos produtos passíveis de emissão da cédula, para incluir os que sofrem beneficiamento e primeira industrialização.
É novidade também a emissão da CPR tendo como referência a moeda estrangeira, onde, não obstante se considere a segurança jurídica para aqueles que adquiriam insumos com preços em dólar sem poder vincular a venda de sua produção à mesma moeda, neste caso o alerta é no sentido de que tanto a variação cambial quanto as taxas de juros, fixas ou flutuantes, poderão elevar o valor a ser pago pelo emitente, impossibilitando ao devedor até mesmo saber ao certo o valor da dívida.
É válido pensar na captação de investimento internacional para acesso de financiamentos, entretanto, todo cuidado é pouco neste sentido, já que, como dito, todo o risco do negócio é assumido inteiramente pelo produtor.
Finalizando com os alertas, é necessário ainda mais atenção com relação ao preenchimento das Cédulas de Produto Rural, onde a redação e leitura das cláusulas por muitas vezes não se dedicava o cuidado merecido, mas que agora passa a ser considerado crime de estelionato o seu preenchimento com declarações falsas ou inexatas acerca de sua natureza jurídica ou qualificação, bem como dos bens oferecidos em garantia, inclusive omitir declaração de já estarem eles sujeitos a outros ônus ou responsabilidade de qualquer espécie, até mesmo de natureza fiscal (art. 17, Lei no. 8929/1994).