Em nosso artigo de abril, tivemos oportunidade de discutir sobre os herbicidas utilizados em pastagens, as moléculas que os compõem e as modalidades de uso desses produtos, relembrando aqui: foliar, em área total ou localizada; no toco após o corte de plantas lenhosas; na região basal de espécies arbustivas e arbóreas e, no solo ao redor da planta. Todas possuem suas especificidades e cuidados a serem observados antes, durante e mesmo após a aplicação. Dessas quatro modalidades, a mais sensível e sujeita a frustações, pela não observância de vários detalhes, é a aplicação foliar, fato que merece um foco mais aprofundado no presente artigo, onde discutiremos os equipamentos, características e aspectos relacionados aos fatores climáticos, à fisiologia das plantas, e suas interrelações, que levam ao sucesso ou fracasso no controle das plantas daninhas de nossas pastagens.
A aplicação foliar de herbicidas em área total, como o próprio nome diz, tem a total cobertura da área, sendo atingidas todas as plantas presentes na pastagem, inclusive as forrageiras. É a modalidade de maior rendimento operacional e, portanto, a mais desejável tanto pelo pecuarista como pelas empresas fornecedoras de insumos e prestadores de serviço.
Predominando os equipamentos de aplicação tratorizados e aéreos, também é possível fazer aplicação de herbicidas em área total através de aplicadores costais, como os equipamentos costais motorizados ou acoplados a carrinhos, espécie de carriolas, conduzidos por um operador.
Pela peculiaridade das pastagens possuírem diversos obstáculos naturais como árvores, curvas de níveis, tocos de árvores e galhadas, os equipamentos para aplicações tratorizadas foram especialmente desenvolvidos considerando esses fatores. Na década de 80 foi adaptado pulverizador de fluxo de ar, o chamado “Jatão”, que não possui barra, e na sequência desenvolveu-se o CondorPec, pela Jacto, composto por uma barra de aproximadamente 6 m, que cobria uma faixa de aplicação de 10 a 12 m. Há aproximadamente 15 anos esse equipamento teve sua barra reduzida para 2 m, alterando-se as pontas de pulverização utilizadas, e hoje fabricados por diversas empresas. Tratando-se de pastagens sem os impedimentos físicos mencionados, e sob relevo favorável, pode-se também utilizar os pulverizadores autopropelidos, como o Uniport, que possuem longas barras de pulverização, e com grandes tanques de armazenamento de calda, proporcionam altos rendimentos operacionais e grande autonomia.
Na aplicação aérea predominam aviões de vários modelos, desde o popular Ipanema da Embraer, até o ”gigante” Air Tractor AT-802A que carrega 3000 l de calda. Como em média a taxa de aplicação, por vezes erroneamente chamada de “vazão”, é de 50 l/ha, pode-se cobrir até 60 ha num único voo. Não novo, mas tornando-se cada vez mais comum, temos também os helicópteros fazendo aplicações em pastagens, com algumas características vantajosas em relação aos aviões, como maior agilidade de manobras e não necessidade de pista de pouso, porém carregam um menor volume de calda por voo.
Figura 1. Aplicação tratorizada em área total de herbicidas em pastagem. Foto do autor.
Também chamada de catação, ou aplicação planta a planta, a aplicação foliar localizada de herbicidas em pastagens é das mais populares no Brasil, não só pelo menor custo dos equipamentos, ou por ser o mais adequado para áreas menores e terrenos declivosos, mas também devido à performance de controle que se observa nessa modalidade de aplicação. A razão para essa melhor performance dos tratamentos herbicidas se deve à maior quantidade de produto que a planta daninha alvo recebe, se comparada à aplicação em área total. Imagine que toda a calda herbicida destinada a uma área vai apenas nas plantas daninhas enquanto na aplicação tratorizada, ou aérea, o herbicida cai tanto na planta daninha como na pastagem. Estima-se que a quantidade de produto que cada planta recebe seja de no mínimo quatro vezes mais quando tratada individualmente, em detrimento da aplicação em área total.
Essa razão também explica por que plantas de difícil controle, as chamadas pragas duras, muitas vezes são controladas por um herbicida em catação e não em área total, utilizando o mesmo produto. Infelizmente ainda ocorrem plantas que mesmo nessa modalidade não são controladas, só restando então a opção da aplicação de herbicidas no toco, ou basal, para controlá-las.
Na catação predomina o uso de equipamentos costais, porém também existem equipamentos tratorizados para essa modalidade, mas sempre a aplicação é feita manualmente por um operador que trabalha com lanças ou pistolas individuais.
A quantidade de produto, ou calda, aplicada por área é em função do nível de infestação presente no pasto, o principal parâmetro observado durante a aplicação localizada é que esta ocorra até o chamado “ponto de escorrimento”, que é quando a calda aplicada se satura na superfície da folha e passa a escorrer, nesse momento cessa-se a aplicação e se passa para a planta seguinte.
A principal porta de entrada do produto dentro da planta se dá através da cutícula da folha. A cutícula é a interface da planta com o meio externo aéreo. Possui grande quantidade de ceras, frequentemente coberta por pelos, que tem a função primordial, tanto de permitir as trocas de gases para a respiração e fotossíntese, com a entrada da luz solar, como de proteger a folha da perda de água para o ambiente. Assim, podemos considerar que, da mesma forma que a cutícula protege a planta da perda de água para o ambiente, também é barreira para a entrada do herbicida na planta.
Para que a planta daninha a ser controlada esteja mais susceptível aos herbicidas é necessário que esteja em pleno vigor vegetativo, com grande movimentação de seiva pelos vasos libero-lenhosos, tanto do que é absorvido pela raiz e transportado à parte aérea, pelo xilema, num fluxo ascendente, como pelo transporte descendente de foto assimilados pelo floema, das folhas até às raízes. Essa máxima atividade metabólica se dá na fase vegetativa da planta, ou seja, anterior à emissão das estruturas florais: inflorescências e flores, quando então a planta entra na fase reprodutiva. Nesta fase ocorre um direcionamento maior do fluxo de seiva no sentido ascendente, para as partes aéreas responsáveis pela formação de flores e sementes, por consequência pela perpetuação das espécies. Há que se considerar que uma vez que aplicamos o herbicida na folha, e desejamos que este penetre nas estruturas internas e se movimente por toda a planta, tanto de modo ascendente como descendente, caso esse fluxo não seja intenso, haverá problemas em sua distribuição e consequentemente na ação do herbicida.
A fase vegetativa ocorre predominantemente nos meses quentes e úmidos de primavera e verão, e determinam outras transformações na planta, como emissão de brotos novos, folhas mais numerosas, de tamanho maior e com tecidos mais tenros. A cutícula, mencionada anteriormente, apresenta-se mais permeável e com espessura menor. Tudo favorecendo a penetração, movimentação e ação do herbicida dentro da planta.
Inversamente, no período mais seco e frio de outono e inverno, quando normalmente as plantas encontram-se na fase reprodutiva, com flores, frutos e até em senescência, com sementes secas, as folhas apresentam-se menores, em menor quantidade, e até mudam sua arquitetura, para minimizar as perdas de água para o meio externo. A cutícula se espessa tornando a folhagem mais dura e áspera. Aplicações de herbicidas foliares nesta fase estão fadadas ao insucesso.
Figura 2. Após o florescimento a planta torna-se mais tolerante aos herbicidas. Foto do autor.
Além dos parâmetros climáticos macro mencionadas anteriormente, como as estações do ano, fatores como umidade relativa do ar, temperatura, vento e ocorrência de chuvas, interferem na performance dos herbicidas em aplicações foliares.
A umidade relativa do ar traduz a quantidade de vapor d’água presente no ar atmosférico, sempre numa relação íntima com a temperatura, normalmente quanto mais frio, maior a capacidade do ar de conter água no estado gasoso, além também da altitude e pressão atmosférica interferirem nesse fator. Na planta, a umidade relativa influencia na taxa de respiração e fotossíntese, e do ponto de vista de tecnologia de aplicação, está diretamente relacionada ao tempo de vida da gota aplicada do pulverizador até atingir o alvo, e do tempo de permanência sobre a cutícula da folha, proporcionando maior ou menor penetração da calda herbicida dentro das estruturas vegetais. Num ambiente mais seco a evaporação da gota se dá mais rapidamente. A recomendação para aplicação foliar é que a umidade relativa seja superior a 50-55%.
A temperatura influencia no aspecto acima mencionado, de tempo de vida da gota, e tempo de permanência da gota na superfície foliar, mas também influencia na atividade metabólica da planta, apresentando uma faixa ótima entre 15 e 25oC, com extremos entre 4 e 36oC. Uma vez que o predomínio das aplicações foliares ocorre nos meses quentes e úmidos, a faixa mais baixa de temperatura não é fator limitante, contudo as altas temperaturas o são. O ideal é que durante a aplicação foliar de herbicidas as temperaturas estejam abaixo de 30-32oC, limite facilmente ultrapassado em boa parte de nossas pastagens nos meses de verão, principalmente nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste do Brasil, justamente as principais regiões produtoras de nossa pecuária. Na prática esses limites são ultrapassados, mas uma coisa importante que se deve observar é a interação com a umidade relativa. Estando a temperatura alta, acima dos 32oC, mas se a umidade relativa também estiver alta, acima dos 50%, pode-se esperar sucesso na performance dos herbicidas, o problema é na ocorrência de altas temperaturas e baixa umidade relativa, nesse momento a aplicação foliar deve ser interrompida, e retomada após a volta de um quadro mais favorável. Normalmente as aplicações foliares nos dias quentes são interrompidas entre 10-11h da manhã até 15-16h.
A precipitação pluviométrica deve ser um parâmetro considerado em toda aplicação foliar, não só no período imediatamente após a aplicação, não podendo ocorrer chuvas intensas por um período de até 3 a 4h após a aplicação, dependendo do produto, sob risco de se prejudicar, ou mesmo perder, a ação do herbicida, mas também é importante se acompanhar o regime de chuvas pelo menos duas semanas antes e após a aplicação. A relação com isso está novamente ligada à atividade metabólica da planta. Havendo um veranico, período de seca superior a duas semanas, as plantas diminuem sua atividade, tornando-se mais resistentes aos herbicidas, não se devendo iniciar aplicações sob essas condições. Também secas prolongadas de duas a três semanas após a aplicação podem comprometer a performance dos produtos, muitas vezes explicando frustrações de controle. No caso de secas posteriores à aplicação, não se tem domínio sobre esse fato, é algo que temos que conviver, mas nos dá o entendimento do fenômeno.
Finalmente, sobre parâmetros ambientais, podemos citar o encharcamento do solo como fator determinante. Também se observa diminuição da atividade metabólica da planta quando o sistema radicular se encontra em ambiente saturado de água. O fluxo de seiva é predominantemente ascendente e os herbicidas sistêmicos, que necessitam se movimentar dentro da planta para agir, tem sua ação prejudicada. Na ocorrência de solos encharcados, recomenda-se que se espere até a drenagem antes do início das aplicações.
Diante de todas peculiaridades citadas envolvendo situações e dificuldades que levam a insucessos nas aplicações foliares, o uso de adjuvantes e condicionadores à calda tem sido prática bastante comum em pastagens visando minimizar os riscos, e, diga-se de passagem, a custos não tanto impactantes.
Esse tema também é extremamente amplo, e de certo modo complexo, para ser abordado em poucos parágrafos. Concluindo este artigo, faço apenas breves comentários e dicas sobre o uso desses insumos.
Os condicionadores alteram características indesejáveis que a calda possa apresentar, basicamente decorrentes das propriedades que a água utilizada na pulverização possui. Em geral atuam sobre o pH e dureza da água.
A absorção foliar de produtos é facilitada em faixas ácidas, abaixo de 6, quando o pH da calda se acha acima desse valor, já pode haver prejuízo à performance de alguns herbicidas usados em pastagens. Quando isso ocorre, deve-se utilizar um agente acidificante para abaixar o pH da calda. Quanto à dureza, esta traduz a quantidade de sais em suspensão, principalmente os carbonatos de cálcio e magnésio, e os valores são expressos em ppm. Valores acima de 200 ppm já indicam água dura e acima de 350 ppm, muito dura. Na prática, as chamadas águas duras são aquelas que conhecemos como salobras, e que não fazem espuma com uso de sabão. Alguns herbicidas se complexam com esses sais em suspensão e têm sua performance de controle prejudicada. Deve-se evitar águas duras para uso em caldas herbicidas, ou caso seja inevitável, um condicionador de calda é necessário.
Os adjuvantes de modo geral auxiliam bastante na tecnologia de aplicação. Podem ser surfactantes não iônicos, siliconados, óleos minerais ou vegetais, e compostos nitrogenados. Possuem propriedades emulsificantes, hipotensoras, viscosantes, adesionantes e umectantes. Aumentam a densidade e diminuem a evaporação das gotas, podendo até mesmo diminuir o potencial de deriva. Os óleos minerais e vegetais promovem também a afinização da calda à cutícula cerosa da folha, facilitando a penetração; e os compostos nitrogenados, como: uréia, nitrato e sulfato de amônio, melhoram a hidratação e permeabilidade da cutícula, também facilitando a absorção de produtos.
Os benefícios do uso, principalmente dos adjuvantes, nem sempre pode ser constatado, mas como mencionado, diante de tantos desafios enfrentados na prática, e pelo baixo custo agregado, sempre é positivo tentar minimizar os riscos. Uma coisa é certa, mal nunca fará.