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Vim, vi…nada fiz…e venci!

por Sergio Raposo de Medeiros
Terça-feira, 12 de janeiro de 2021 -10h00


“Prefiro os que me criticam, porque me corrigem, aos que me elogiam, porque me corrompem.” 


Santo Agostinho


Introdução


Para a pergunta “Você se considera um bom motorista?”, mais de 90% costumam responder que sim, maioria essa em que me incluo. Nesses menos de 10% incluem-se aqueles que não devem ter ouvido bem a pergunta, alguns falsos modestos, pessoas de forte autocrítica e, por fim, resignados barbeiros de carteirinha!


Ainda que fazendo parte da maioria, nas raríssimas ocasiões em que cometo uma gafe no trânsito (e percebo), imagino que a infeliz vítima desse meu deslize possa ter se exasperado e, eventualmente, passado dos limites da convivência civilizada. Para a testemunha ocular da patacoada, que deu azar de estar de carona comigo, costumo comentar: “Ixe…esse aí deve ter tentado adivinhar a profissão da minha mãe!”, momento em que abro o vidro e grito em direção ao exasperado: “Errou! É com ‘P’, mas de professora!”.


Assim, mesmo mortificado pela minha falha ao volante, pelo menos me defendo da infâmia máxima que é colocarem a honradez materna em dúvida. Esse xingamento me remete à infância e aos tempos do futebol com traves improvisadas de tijolo realizado em qualquer superfície que uma surrada bola de couro role, mesmo que entre as metas fosse até recomendável fazer algumas curvas de nível para evitar a erosão. Nesses campos improvisados, durante as peladas, as ofensas rolavam soltas. Dezenas delas eram ditas e simplesmente rebatidas com outra pretensamente mais cabeluda do que a anterior. Essa escalada de vitupérios em série seguia até que, finda a criatividade maligna, apelava-se para mãe de todos os xingamentos: xingar a mãe!


Ultrapassada essa linha, que evoca a profissão tida como a mais antiga do mundo, o mais comum era ofensor e ofendido irem às vias de fato, especialmente pela falta de representantes da “turma do deixa disso” na faixa etária dos boleiros que queriam mais mesmo que se levantasse o poeirão. Finda a peleja literal, seguia-se a peleja no campinho, sem antes o derrotado ir embora com um ameaçador “Isso não vai ficar assim!”, arriscando a descobrir que seu oponente, além de mais forte, poderia ser mais espirituoso e responder “Não vai, não! Ainda vai inchar bastante!”.


Já nessa época eu tinha dificuldade para entender essa reação e, do alto dos meus dez anos de idade, aconselhava meus amigos que a reação mais lógica era dar de ombros para o xingamento, uma vez que, se nenhuma das mães dos colegas era do ramo em voga, não fazia sentido ofender-se. A essa altura já estava em mim bem internalizada a lição do “serviu-lhe a carapuça” com sua consistência lógica irretocável. Assim, sendo a genitora de qualquer profissão um pouco mais moderna, era para mim incompreensível a ira do filho cuja carapuça imputada não lhe fazia jus.


Peladeiro de limitados recursos técnicos que fui, tentava compensar as limitações com toda disposição física que meus pulmões permitiam. Ainda que prezasse pelo jogo leal, a combinação de falta de talento com excesso de disposição acabava, por vezes, em jogadas mais afoitas e até alguns lances temerários. Como uma das limitações era, exatamente, não ter o tempo exato da bola, havia o infortúnio de, por vezes, a canela do adversário estar no tempo exato da minha chuteira.


Nesses momentos, nem sempre meu pronto pedido das mais sinceras desculpas era aceito e a referida escalada de palavras de baixo calão se iniciava. O clímax era atingindo, com o adversário cheio de dor, vaticinando conhecer a profissão daquela que me deu à luz. O jogo já estava parado, mas a tensão congelava todos os atletas e, mesmo sob os fortes odores de toda transpiração infantil, era possível sentir uma atmosfera local de pura adrenalina. Parece que nada poderia deter a marcha que levaria a mais um jogador indo para casa com dor e vergonha…


Ironicamente, era o fazer nada, a óbvia e justa negação da improcedência do xingamento, que desarmava os ânimos e restabelecia a paz. É claro que o ofensor tentava seguidas investidas, invariavelmente fazendo trejeitos com a voz para tentar ainda desestabilizar-me, mas todas caiam no vazio. Podia ter sido mais um dia de derrota no placar, jogadas patéticas, gols inacreditavelmente perdidos, frangos homéricos e grandes furadas, mas pelo menos ter afastado o risco de voltar com a cara inchada, por ter usado os miolos e a mais básica das razões, era uma doce vitória.


Mas onde que toda essa longa introdução (sim, introdução…), que fala de trânsito, xingamentos, mães virtuosas, pernas-de-pau e inteligência emocional precoce, quer chegar?


... mais ataques sendo feitos ao agro


A motivação vem de mais ataques sendo feitos ao agro e, mais uma vez, nós que o fazemos, respondendo mais com o fígado do que com o cérebro. Da mesma maneira que nos microcosmos dos campinhos de futebol, no mundo real estão xingando nossa “mãe” e também sem fundamentos factuais. A raiva nos invade e, se deixar a bile dominar, vamos para o confronto... afinal, quem trabalha em uma indústria sem teto não deve nada temer!


A proposta seria: “E se a gente tentasse fazer diferente?”


... a ideia central é “não fazer nada”.


Como no exemplo da pelada, a ideia central é “não fazer nada”. Mas o fazer “nada”, para muitas pessoas, é inaceitável. “Tudo, menos a inação!” dizem. O que é importante entender, contudo é que o “nada”, na verdade, fez muita coisa: no exemplo futebolístico-mirim evitou dor e vergonha, aumentou o tempo de diversão esportiva e reduziu o gasto com Mertiolate.


No mundo real e no contexto dos ataques ao agro, o primeiro efeito que o fazer “nada” ajuda é evitar que a mensagem negativa acabe sendo ampliada e mais gente acabe tomando conhecimento dele. Isso, pois, na ânsia de nos defender acabamos dando mais palco e visibilidade aos agressores.


Um segundo estrago evitado pelo “não fazer nada”, vem do fato que as reações dos defensores do agro nessas ocasiões costumam, até compreensivelmente, serem desde muito veementes até francamente ofensivas. Para os leitores isentos, nem pró-detratores, nem pró-agro, há uma tendência em se solidarizar com quem for mais atacado. Aqui a gente pode ter o pior dos dois mundos: alguém que não ia nem ter conhecimento do ataque e a nossa reação exagerada o fez simpatizar com o detrator do agro.


Um terceiro aspecto a ser considerado é que, ao contrário do exemplo acima, que seria um leitor a princípio neutro, no caso da maioria da origem dessas investidas, trata-se de um público que já tem anos de exposição aos piores estereótipos da classe rural e, portanto, uma natural predisposição para não entender nossos melhores argumentos, o que dirá aceitar posições mais enfáticas ou virulentas. Essas últimas, aliás, só realimentam a visão distorcida do setor de que seríamos adeptos da truculência como método.


... o nada é bem mais do que nada


Assim, o nada é bem mais do que nada e tendo, ainda, uma última vantagem: ao não perdermos tempo (e a cabeça) respondendo às provocações, sobra tempo para promover o que temos de melhor no setor, reforçando uma agenda positiva que todos nós podemos participar.


Essa agenda positiva deve servir de inspiração para que, como setor, aprimoremos coletivamente o modo de produzir de maneira que o discurso de potência agroambiental que temos total possibilidade de ostentar, seja, cada vez mais, reconhecido como merecido. Para chegar lá, o passo mais importante é identificar onde atuar e o que precisamos fazer. Uma boa notícia: para a maioria dos desafios produzir melhor, lucrar mais e ser ambientalmente correto estão alinhados.


... o oposto da armadilha do autoelogio fácil


O item zero da agenda positiva é um exercício de humildade, o oposto da armadilha do autoelogio fácil que temos nos lambuzado e que se expressa nas respostas, por vezes bastante arrogantes, que têm apenas aumentado o fosso na comunicação entre gente do campo e das cidades. Somos totalmente interdependentes e, portanto, o reestabelecimento de uma conexão mais próxima e fluida, baseada mais em fatos e menos em crenças, só traria vantagens a todos.


Assim, se mostrarmos os inúmeros exemplos de produção sustentável de alimentos e, ao mesmo tempo, a real disposição (e viabilidade) de adesão da massa de produtores a elas, creio que isso seja muito mais efetivo do que todas as palavras de repúdio aos ataques ao setor, que podem até encantar a nós mesmos, mas, na maioria das vezes, apenas nos afastam mais do restante da sociedade.


É importante reconhecer que um dos principais desafios para passar essa mensagem positiva do agro é que a população urbana acredita que a produção de alimentos sustentáveis é simples, bastando um retorno ao passado e técnicas tradicionais de produção. Também, que pó de chifre, esterco e extrato de Neen é tudo que se precisa para alimentar os 2 bilhões de bocas a mais que teremos até 2050. Como quem é do ramo sabe, mais do que nunca precisaremos de tecnologia e intensificação, mas elas terão que respeitar as exigências dos consumidores e limitações de ordem ambiental.


Assim, muito além da agenda positiva (colocada aqui mais como uma melhor opção que o confronto aos detratores), precisamos de gente que entenda dos meandros e tecnicalidades da comunicação. Enfim, precisamos de “marqueteiros”, mas, nesse caso, não devemos contar com os tradicionais de política: eles estão mais acostumados a fazer o “ruim” parecer “bom”, o que, felizmente, não é o nosso caso!


Algumas sugestões rápidas para antes de responder aos ataques ao agro:


1) Compensa realmente responder?


O primeiro ponto a se considerar é qual o alcance da mensagem e, portanto, se partiu de uma fonte de baixo alcance e que pega apenas um nicho, provavelmente não vale a pena. Mesmo fontes que tenham grande alcance, como algumas ONGs, acabamos fazendo a mensagem ir além de onde chegaria. Importante lembrar que, no mundo maluco da Internet, interações negativas, da mesma forma que as positivas, ajudam a deixar a postagem mais em evidência.


2) O conteúdo é totalmente despropositado?


É comum algumas dessas manifestações anti-agro serem totalmente furadas, como no caso de um ativista anti-transgênicos que em uma das suas manifestações dizia “ninguém vai me obrigar a comer DNA...”. Talvez essas sejam as que mais valham a pena reagir, mas com o intuito didático. Fundamental, aqui, não cair na tentação de desqualificar a pessoa. A possibilidade de você conseguir atenção da pessoa cai a zero mesmo que apenas esteja implícita a sugestão que ela seja pouco dotada de inteligência. Sempre bom lembrar que ninguém é obrigado a saber tudo e, por isso mesmo, todos nós temos nossa cota de absurdos perdoáveis, sendo imperdoável, apenas, deliberadamente preferir a ignorância.


3) O ataque é exagerado, mas pode ter lá alguma motivação?


Ao analisar a “bronca” é bom tentar processar bem a quem ela está endereçada e a que exatamente ela se refere. Por exemplo, para a afirmação “a agropecuária causa desmatamento” é bobagem dizer que não, pois isso é um fato. A questão é se ele é legal ou não, o que faz toda a diferença. O mais triste nisso é ver que, no afã de defender o setor, produtores legais se alinham a desmatadores ilegais (que muitas vezes nem produtores rurais são). Enfim, qualquer setor da economia sempre terá maus elementos que devem ser um inimigo comum até de quem o detrata. Enfim, não fechar os olhos para os passivos e, muito menos, acobertar. Coerência e consistência são os pilares que, uma vez passado os ataques, permitem o discurso permanecer em pé.


4) O ataque é sobre temas polêmicos?


Por vezes os ataques à agropecuária envolvem assuntos complexos, para os quais não há uma resposta direta e fácil ou, até mesmo, nem a resposta complexa é totalmente satisfatória. Infelizmente, a necessária abordagem analítica desses casos vai contra a cultura da Internet que induz às respostas rasas e, nesses casos, na maioria das vezes, furada. É bem possível que essas sejam as situações que menos devemos tentar responder, pois, provavelmente, só será perda de tempo.


5) Será que estamos falando a mesma língua?


Outro ponto a se considerar é que, muitas vezes, o detrator escreveu determinada coisa, mas não era bem o que ele queria dizer. A falta de domínio do assunto pode fazê-lo lutar contra inimigos imaginários. Um caso emblemático é a “carne de frango cheia de hormônio”, um mito quase indestrutível. A resposta padrão de quem produz muitas vezes é que a carne de frango não teria hormônio, o que, a rigor, também não corresponde exatamente à realidade, pois é claro que ela tem hormônios (e DNA também!), mas são apenas os naturalmente produzidos pelo próprio organismo. Mesmo a resposta mais correta, ou seja, “Frangos não são produzidos com aplicação de hormônios anabolizantes exógenos” depende de tradução para a maioria das pessoas. A comunicação talvez se faça mais efetiva quanto envolve a linguagem mais universal de todas: dinheiro. Assim, talvez a resposta mais efetiva seja: “Produtores de frango não aplicam hormônio, pois é jogar dinheiro fora”. O exemplo é extremo, mas fica a dica: certifique-se se o que está respondendo é, de fato, o que está em questão e, em seguida, reveja se sua resposta não pode ser melhorada para fazer a comunicação mais efetiva.


6) Será que não queremos a mesma coisa?


Muitas das querelas com a agropecuária remetem às questões ambientais. Como ninguém depende mais da estabilidade ambiental que o produtor rural, muita discussão seria evitada se os dois lados se convencessem desse alinhamento e, em vez de procurar o conflito, procurassem terreno comum. A vantagem do lado do agro é que o cenário é conservar o ambiente, mas, ou ao mesmo tempo, sem passar fome, o que já é um bom argumento em si para convencer todos aqueles que não fazem fotossíntese.


7) Por que o “outro” é tão teimoso?


Isso é um fato. Apenas nunca se esqueça que você é o “outro” do “outro”.


8) Conceder, em benefício da razão, é possível?


Em linha com o anterior, fica a dica de sempre rever seus conceitos, pois mesmos os aparentemente mais sólidos podem depender de uma nova leitura, dependendo do contexto. O melhor exemplo disso é que a física Newtoniana, à luz do que sabemos hoje, não pode ser aplicada indiscriminadamente, tendo suas limitações. Ainda assim, foi com ela que conquistamos o espaço e resolvemos quase 100% do que precisamos dela rotineiramente. Enfim, cuidado com nossas “vacas sagradas”, sempre com a mente aberta para rever tudo e, se for o caso, a luz da razão, dar o braço a torcer.


9) Sabemos quem somos nós?


Alguém sábio disse que, na verdade, somos três: o que pensamos que somos, o que os outros pensam que somos e, por fim, o que realmente somos (e que, provavelmente, nunca saberemos exatamente). Acho que isso pode ser extrapolado para a agropecuária e, quanto mais formos desafiados pelos outros, conforme posto por Santo Agostinho, maiores as chances de autoconhecimento e evolução. Enfim, não podemos aceitar a pesquisa que temos mais de 90% de bons motoristas, se a resposta é auto declaratória, bastando dirigir por aí alguns quarteirões para perceber que esse valor é inflado. O certo é olhar várias métricas e, se os motoristas forem tão bem intencionados quanto convencidos, baseado nelas e com dedicação, eles poderão aproximar mais a realidade do tão indulgente autojulgamento, o que será bom para todos. Com o agro, é o mesmo.


10) Será que poderia usar melhor o tempo investido?


Essa aqui talvez seja a mais importante: antes de responder reativamente e correr todos os riscos já elencados, será que o tempo gasto não seria mais bem investido em, mesmo abordando o mesmo tema, colocar o lado positivo em uma nova postagem? Afinal de contas isso não é “não fazer nada”, mas tentar pôr o foco onde interessa.


Final


Seja como for, que consigamos mostrar mais nossas qualidades, reconhecer onde é preciso melhorar e inspirar mais pessoas a seguir o caminho da luz, bem como perder menos tempo em brigas infrutíferas com quem quer atribuir à Deusa Ceres afazeres que não lhe dizem respeito.