Frequentemente em nossos treinamentos e palestras públicas sobre controle de plantas daninhas em pastagens o tema de resistência aos herbicidas é levantado pelos participantes. A dúvida é pertinente e, muitas vezes, ela decorre da existência de plantas de extrema dificuldade de controle no ambiente das pastagens, porém o conceito de resistência de plantas aos herbicidas vai um pouco além disso, e oportuno então, entrarmos em mais detalhes neste artigo.
Na Ciência das Plantas Daninhas, o tema “Resistência de Plantas Daninhas aos Herbicidas” é de tal importância que empresas fabricantes e que comercializam defensivos, técnicos e pesquisadores do setor agrícola criaram o HRAC, da sigla em inglês de “Herbicide Resistance Action Commite”, que no Brasil é conhecido por HRAC-BR (Comitê de Ação à Resistência aos Herbicidas) e foi criado em junho de 2000. Comitês técnicos similares foram também formados para os Inseticidas (IRAC) e Fungicidas (FRAC), todos no intuito de contornarem, ou tentarem minimizar, a ocorrência de resistência aos produtos e princípios ativos destinados ao controle dos agentes biológicos que atacam as culturas, sejam eles plantas daninhas, insetos ou doenças, através de estratégias de manejo embasadas em ciência e pesquisas, e educacional. Essas associações de interesse comum têm atuação globalmente, não só no Brasil, mas cada país tem seu próprio corpo técnico de especialistas locais, que são membros das empresas associadas.
A perda de ação de um princípio ativo ao que se propõe é algo extremamente danoso, não só do ponto de vista econômico e ao sistema produtivo, mas também ao ambiente, que abre uma perigosa janela para expansão de agentes biológicos indesejáveis.
O aparecimento de populações de plantas daninhas resistentes a algum herbicida se dá pela pressão de seleção que cada aplicação exerce no ambiente. Normalmente numa população de plantas de uma mesma espécie, susceptíveis a um herbicida, há a ocorrência de indivíduos com sensibilidades distintas devido à variabilidade genética encontrada na natureza; enquanto uns são controlados com doses muito baixas de produto, há outros que necessitam doses maiores. Há indivíduos que são controlados pelas doses definidas pelo fabricante, a maior parte deles, diga-se de passagem, e uma pequena porcentagem e, até na maioria das vezes, extremamente pequena de indivíduos, que só são controlados com doses máximas registradas do produto. Assim, quando se aplica um tratamento herbicida nessa população de plantas daninhas, haverá o controle dos diferentes indivíduos e não controlará os resistentes, caso existam, que se multiplicarão. Numa próxima aplicação esse número de indivíduos resistentes representará uma maior parte na população vegetal como um todo, e assim sucessivamente, ciclo a ciclo, até que chegue ao ponto de que o produto já não controle mais determinada espécie, pelo fato da maioria dos indivíduos daquela população serem descendentes de plantas resistentes.
Com isso, resistência a herbicidas é definida como a capacidade herdável selecionada em um biótipo de planta daninha, previamente suscetível ao herbicida, de sobreviver à aplicação e completar seu ciclo quando esse herbicida é utilizado em sua dose recomendada, em condições agrícolas.
Um ponto fundamental que determina o aparecimento de resistência aos herbicidas é a quantidade e frequência das aplicações, e o mecanismo de ação do herbicida em questão, e, nesse aspecto, grandes diferenças se observam entre a agricultura e as pastagens, que faremos referência a seguir.
Um produto pode ser definido como herbicida quando age em determinado ponto do metabolismo da planta, interferindo em seu processo natural, podendo levar a planta à morte. O ponto de atuação, ou processo metabólico que esse produto altera dentro do metabolismo da planta, define o seu “mecanismo de ação”. Como exemplos de mecanismos de ação de herbicidas temos: inibidores da ALS, inibidores da ACCase, inibidores fotossintéticos, inibidores da síntese de carotenóides, entre diversos outros, e, particularmente, cito os Mimetizadores de Auxinas, uma vez que este é o mecanismo de ação das moléculas 2,4-D, Picloram, Triclopir, Fluroxipir e Aminopiralide, que compõe a quase totalidade dos produtos voltados para o mercado de pastagens.
São clássicos os relatos de casos de resistência aos inibidores da ALS. Os primeiros casos ocorreram em 1992 no Brasil e posteriormente aos inibidores da ACCase. Mais recentemente, a partir de 2003, começam a ser relatadas resistência aos inibidores da EPSPs, que é o mecanismo de ação do glifosato, amplamente usado com a popularização dos cultivos transgênicos tolerantes a esse herbicida, principalmente na cultura da soja. Todos esses casos estão relacionados a herbicidas de lavouras, onde ocorrem diversas aplicações no mesmo ciclo da cultura, aliado ao uso repetitivo de herbicidas com o mesmo mecanismo de ação, que é comum em todos esses casos e é responsável pelo surgimento desses biótipos resistentes.
Para piorar a situação, surgiu em 2004 a chamada resistência múltipla, onde biótipos são resistentes a mais de um mecanismo de ação, como foi reportado em populações de Euphorbia heterophylla, o leiteiro, resistente a inibidores da ALS e da Protox.
Os mimetizadores auxínicos, introduzidos no mercado nos anos 1940, através do 2,4-D, apresentam baixa incidência de biótipos resistentes, principalmente considerando sua longevidade e âmbito global de uso. Em 2018 haviam identificado em todo mundo 30 espécies de folhas largas e cinco de gramíneas resistentes a esse mecanismo de ação, estando entre eles uma única ocorrência no Brasil, em 1999, de resistência de capim-arroz na cultura do arroz, utilizando-se o herbicida quincloraque.
De modo geral a utilização de herbicidas em pastagens apresenta uma prática totalmente diferente do manejo de herbicidas em culturas que, como mencionado, é bastante intensa e repetitiva, abrindo maiores possibilidades para o aparecimento de plantas resistentes, quando não adotadas as boas práticas agrícolas nas questões de manejo de plantas daninhas.
Em média uma mesma pastagem dificilmente recebe herbicidas em menos de três anos de intervalo entre aplicações. Muitas das aplicações em pastagens se dão na modalidade localizada, onde apenas a planta alvo é tratada, sem distribuição generalizada do tratamento na área, e tudo isso associado, predominantemente, a moléculas com baixo potencial de aparecimento de resistência, os mimetizadores auxínicos.
Outro aspecto que deve ser considerado é a magnitude de uso de herbicidas em pastagens. Dos, aproximadamente, 160 milhões de hectares de pastagens do Brasil, não mais que 10 a 15% das áreas são tratadas anualmente. Difícil imaginar que nas principais lavouras cultivadas no Brasil não se chegue próximo dos 100% de adoção de herbicidas em seus cultivos.
Aí frequentemente surge a pergunta: e as plantas daninhas de pastagens que nenhum herbicida controla?
Há plantas daninhas que habitam as pastagens que nenhum tratamento herbicida controla, principalmente considerando a modalidade de aplicação foliar, e mais ainda tratando-se de aplicação em área total, com trator ou avião.
Nesse caso não se trata de plantas que adquiriram resistência aos herbicidas, que eram susceptíveis um dia e deixaram de ser controladas com o uso repetitivo desses produtos. Nos referimos nesse caso a plantas que são originariamente tolerantes aos produtos hoje empregados. Chamamos essas plantas de “pragas duras”, ou até “pragas extremamente duras”, e aí não faltam exemplos, cada região tem seus protagonistas, como a ciganinha (Memora peregrina), ipê-tabaco (Tabebuia sp), cipó-roncador, sambaiba (Curatella americana), sambaidinha, cipó-de-fogo, cipó-jiboão, pixirica (Clidemia sp), entre uma lista infindável de espécies de importâncias regionais.
Na maioria desses casos deve-se substituir a aplicação foliar por outras modalidades de uso, como a aplicação basal ou no toco, como comentamos em outros artigos aqui publicados e assim obtendo de outro modo o controle econômico das chamadas pragas duras ou extremamente duras.
Em toda bula de produto fitossanitário existe a advertência do fabricante alertando sobre a importância da alternância de diferentes mecanismos de ação, visando o manejo da resistência de produtos. No caso de pastagens, como mencionamos, a base dos produtos são cinco moléculas de um mesmo mecanismo de ação, e essa opção fica um pouco limitada, mas nos tranquiliza pela baixa frequência e modalidades de uso.
E finalizando, como preceito geral, o uso das boas práticas agrícolas, que compreendem o emprego da dose correta, indicada por técnico capacitado e pela bula dos produtos; nas condições adequadas de aplicação, tanto em relação aos parâmetros ambientais: vento, umidade e temperatura do ar, como da biologia da planta; e da qualidade do equipamento de aplicação: regulagem e condições de manutenção corretas. A atenção a esses preceitos, com as características do ambiente, e das ferramentas técnicas disponíveis nas pastagens descritas acima, podemos imaginar que ainda teremos a frente um bom período de convívio com as alternativas atualmente disponíveis, o que é positivo para o pecuarista, para o fabricante de produtos e todos os elos da cadeia produtiva.