O Brasil é o quinto produtor mundial de leite. Sua pecuária é caracterizada pela produção extensiva (USDA).
Em outubro de 2020 foram registrados recordes de temperaturas máximas em Minas Gerais, chegando até 44,2ºC (Inmet). Minas é o maior produtor de leite do país, com cerca de 27,1% da produção nacional, e com produção extensiva expressiva, grande parte do rebanho leiteiro fica exposto às condições climáticas.
Em condições de estresse térmico por calor, a vaca passa por adaptações fisiológicas e comportamentais frente a essas mudanças climáticas, podendo resultar em prejuízos de desempenho, sanitários, comportamentais e financeiros. Aqui, abordaremos como identificar um quadro de estresse térmico, prejuízos de produtividade e econômicos e estratégias de como contornar essa situação.
Zona de conforto térmico ou termoneutralidade (ZTN) é a faixa de temperatura na qual o animal fica confortável, ou seja, não há sistema termorregulador ativado, seja para dissipação ou produção de calor. Isso significa um gasto mínimo para a regulação térmica e, consequentemente, uma máxima eficiência produtiva. Em ambientes acima dessa faixa, mecanismos de dissipação de calor são ativados, ao mesmo passo que, em temperaturas inferiores a ZTN, haverá ativação de mecanismos de produção de calor.
Os animais de raças zebuínas são mais resistentes ao calor do que os taurinos, pela sua adaptação a regiões tropicais. Isso é explicado pela maior superfície corporal e melhor capacidade de sudação. Animais jovens possuem uma menor variação da ZTN devido à sua menor capacidade de controle térmico.
Tabela 1. Conforto térmico de acordo com a classificação de bovinos.
Classificação | Zona de conforto térmico (ºC) |
---|---|
Zebuíno (Bos taurus indicus) | 10 a 27 |
Taurino (Bos taurus taurus) | -1 a 16 |
Mestiço | 5 a 31 |
Vaca em lactação | 7 a 21 |
Bezerro recém-nascido | 18 a 21 |
Fonte: NRC (1981), Nääs (1989) e Almeida et al. (2020) / Elaboração: Scot Consultoria.
Em relação a vacas em lactação, novos estudos sugerem que a zona de termoneutralidade tenha se estreitado para o intervalo de 6 a 16ºC, uma vez que a seleção genética intensiva na busca por um melhor desempenho, acaba resultando também em uma menor resistência térmica. Desse modo, é possível que em grande parte do ano no Brasil as vacas sofram constantemente de estresse térmico.
Parâmetros como temperatura retal (TR) e frequência respiratória (FR) são recomendados para se avaliar o estresse térmico em bovinos, assim como o valor de índice de temperatura e umidade (ITU). Sob condições de estresse térmico, há elevação da TR e FR.
Em condições normais, a FR de um bovino varia de 10 a 30 movimentos/minuto e sua TR gira em torno de 38,5ºC. A respeito do método ITU, o valor do índice é determinado de acordo com os valores de temperatura e umidade relativa do ar e classificado como estresse térmico baixo (72% a 78%), moderado (79% a 88%) ou alto (89% a 98%).
Tabela 2. Classificação do estresse térmico determinado por meio da temperatura e umidade relativa do ar do ambiente e classificado de acordo com o ITU.
Fonte: Adaptado de Nienaber (2004) / Elaboração: Scot Consultoria.
O índice térmico de globo úmido (ITGU) é bastante utilizado devido a sua precisão. Com sua utilização, até 74% é considerado zona de conforto térmico, de 74% a 78% alerta, 79% a 84% perigo e acima disso, emergência.
Além dos parâmetros citados, há fatores comportamentais que podem indicar essa condição, pois os animais tendem a aumentar o consumo de água, diminuem a ruminação e o pastoreio durante o dia e aumentam a noite, buscam por locais sombreados, frescos e úmidos para se refrescarem.
Com o aumento drástico da temperatura ambiente, há uma queda na ingestão de matéria seca, podendo chegar a uma retração de 55%, comprometendo a produção de leite. Em condições adversas de temperatura e umidade, pode haver quedas de mais de 50% de produção, sendo que vacas de origem europeia, como a holandesa, são as mais susceptíveis. A queda na qualidade do leite se deve ao menor direcionamento de nutrientes para produção.
Em relação às perdas na reprodução, vacas expostas a uma alta intensidade de calor podem apresentar um período de cio mais curto, o que aumenta a falha na detecção de cio para 75 a 80%. O número de montas também é menor nessa condição e a taxa de concepção pode cair para valores menores que 10%.
Segundo Antunes et al. (2021), os prejuízos causados por estresse térmico podem chegar a R$1.000,00/vaca/ano, sendo 80% por conta da queda da produtividade e 20% associado a pior qualidade do leite.
Por meio da nutrição, é possível fornecer alimentos com uma melhor qualidade, com alta densidade e suplementação mineral. Tudo isso devido à redução de consumo alimentar limitado e, dessa forma, produzindo menor calor metabólico. Seguindo a mesma lógica, é possível fornecer alimentação nas horas mais frescas do dia e em maior número de refeições. Em condições extremas, a adição de tamponantes na dieta pode minimizar os danos causado pelo estresse térmico (ex: bicarbonato de sódio, 0,8 a 1,5% da matéria seca para vacas leiteiras).
Considerando o ambiente e equipamentos para bovinos em produção extensiva ou semi-intensiva, podemos aumentar a área sombreada, seja com sombra natural (plantio de árvores ou bambus) ou artificial (como sombrites) e o número de bebedouros, sempre deixando água disponível para os animais.
Já se tratando de melhorias em instalações, o sistema de aspersão associado à ventilação contribui para um resfriamento eficaz, com uma queda de até 3ºC da temperatura ambiente em relação a ambientes somente ventilados.
Utilizar genéticas mais adaptadas ao clima tropical do Brasil também pode ser uma opção, contudo, seria preciso uma análise de viabilidade econômica, pois esse investimento não necessariamente é garantia de maior rentabilidade.
No Brasil, grande parte dos bovinos estão susceptíveis ao estresse térmico, devido ao clima e por causa da produção predominantemente extensiva. A identificação é relativamente simples, assim como a adoção de estratégias para se reduzir os prejuízos causados por esse quadro, que podem ser espantosos.
Bibliografia
Almeida, J.V.N.; Marques, L.R.; Marques, T.C.; Guimarães, K.C.; Leão, K.M. Influência do estresse térmico sobre os aspectos produtivos e reprodutivos de bovinos – Revisão. Research, Society and Development, 9(7):1-29, e230973837, 2020.
Antunes, M.M.; Pazinato, P.G.; Pereira, R.A.; Schneider, A.; Bianchi, I.; Corrêa, M.N. Efeitos do estresse calórico sobre a produção e reprodução do gado leiteiro. Disponível em: https://www.grupocultivar.com.br/artigos/efeitos-do-estresse-calorico-sobre-a-producao-e-reproducao-do-gado-leiteiro. Acesso em: 19 de janeiro de 2021.
Cattelam, J.; Do Vale, M.M. Estresse térmico em bovinos. Revista Portuguesa de Ciências Veterinárias, v. 108, n. 587-588, p. 96-102, 2013.
Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), 2020. Disponível em: http://www.agenciaminas.mg.gov.br/ckeditor_assets/attachments/9505/previsao_5dis_20201009.pdf. Acesso em: 19 de janeiro de 2021.