Artigo originalmente publicado no Broadcast Agro, da Agência Estado, em 13/09/21
Introdução
A população mundial deverá ser de 9,8 bilhões de pessoas em 2050. Para suprir a demanda gerada pelo crescimento populacional será necessário um aumento de 70% na produção global de alimentos, segundo estimativa da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Considerando a necessidade de atender essa demanda exponencial, inovações e tecnologias são essenciais. Diante de limitações de recursos para produção de proteína animal convencional, a busca por fontes alternativas se intensificou nos últimos anos e deve ser crescente.
De acordo com a Blue Horizon Corporation, empresa investidora na área, a indústria de proteínas alternativas deverá movimentar pelo menos US$290 bilhões até 2035. A carne cultivada vem ganhando notoriedade dentro da indústria de alimentos como uma possibilidade emergente no mercado de carne bovina.
O desenvolvimento de produtos que se assemelhem à carne está sendo aprimorado, como é o caso das carnes cultivadas em laboratório e à base de vegetais.
O mercado voltado à produção dessas “carnes” para atender o público vegetariano e vegano não é novidade, puxado por preocupações com o bem-estar animal e consumo consciente. Essa fonte proteica, desenvolvida a partir de proteínas vegetais e outras fontes não animais, já pode ser encontrada nas gôndolas dos supermercados.
Já a carne cultivada, diferente da “carne” à base de plantas, é produzida a partir de células animais. Resumidamente, as carnes cultivadas em laboratório são oriundas de células-tronco retiradas do tecido muscular de animal vivo que, após cultivadas em um biorreator com meio de cultura, se diferenciam em fibras musculares.
Com proposta de produção com baixo impacto ambiental, a tecnologia tem atraído investidores no mundo, tratando-se de um nicho que tem muito a ser explorado e estudado.
Até o fim de 2020 cerca de 60 empresas, entre produtoras e colaboradoras, destinadas a essa atividade, estavam contabilizadas no mundo. Elas concentram-se principalmente na América do Norte (37%), Ásia (25%) e na Europa (21%) (Guan et al., 2021).
Para o produto chegar à mesa dos consumidores é necessário avaliar a viabilidade financeira, segurança alimentar e impactos gerados no processo produtivo, sendo a produção em escala fator fundamental para determinar esses aspectos.
O primeiro hambúrguer à base de carne cultivada, produzido em 2013 em laboratório, pela empresa holandesa Mosa Meat em Londres, teve um custo de mais de 330 mil dólares (Bhat, Kumar e Fayaz, 2015). A expectativa é que, com o avanço da produção, em escala industrial, o custo com o desenvolvimento diminua.
A startup israelense Future Meat inaugurou em junho/21, em Rehovot - Israel, a primeira fábrica de carne cultivada, com capacidade para produzir 500 kg por dia, correspondendo a aproximadamente 5 mil hambúrgueres. A inauguração é tida como um marco e a indústria de carnes cultivadas em laboratório deve ganhar força e avanços para a produção em escala.
Com plantas industriais e processos de produção melhores definidos, o processo de regulamentação da carne cultivada deve ser abordado com maior intensidade.
Regulamentar e garantir a segurança de novos alimentos e substâncias demanda um trabalho árduo, pois para que se estabeleça as bases de certificação é importante conhecer o processo produtivo.
A inauguração da primeira planta industrial é um marco para o esclarecimento de questões ética-sociais, políticas e econômicas associadas ao produto.
A carne de laboratório é uma fonte alternativa de proteína animal que vem para complementar e não substituir o atual sistema de produção.
Com um viés de produção sustentável e de bem-estar animal, a carne cultivada poderá atender fatias do mercado global, mas mais estudos são necessários sobre intenção de consumo e impactos nos processos de produção.