Este 2023 parece ser um ano ainda mais desafiador do que a média, frente à conjuntura de grandes mudanças políticas internas, instabilidades externas e, por fim, à virada do nosso manjado ciclo pecuário.
Para os empresários, sejam do campo ou da cidade, é interessante trocar ansiedade por cautela e paralisia por planejamento. Em uma época em que muitos, talvez, prefiram ficar estáticos, pode ser uma boa ideia fazer o oposto e, de um cauteloso planejamento, passar à ação.
Fato é que, nas atividades econômicas, “espaços vazios” se transformam em oportunidades e os primeiros a ocupá-los costumam se beneficiar de menores custos e/ou maiores ganhos. Nesse texto, seguem 10 sugestões para pensar em como aumentar o investimento na fazenda, desde a gestão, no caso de controlar o consumo de suplementos, até ampliar as áreas de atuação da fazenda, com a implantação de confinamento ou a adoção de sistemas integrados.
Nada está muito aprofundado, mas para o primeiro texto do ano é relevante, pois meus caros leitores poderão indicar qual deles poderia ser o tema para um texto exclusivo, mais extenso e informativo. Dessa forma, esse espaço cumprirá melhor seu papel ao subsidiar seus leitores a tomarem – esperançosamente - melhores decisões.
Seguem as oportunidades, antecedidas por uma frase que acredito possa ser usada na vida cotidiana, como uma forma de desejar para todos um ano melhor.
Controle do consumo de suplementos
Os suplementos utilizados para garantir o potencial uso do valor nutritivo das pastagens, como o sal mineralizado, ou aqueles para aumentar o desempenho, como os proteinados, são formulados com base em um consumo-alvo. Assim, ter como aferir se esse consumo está dentro do esperado pode ajudar a explicar os resultados obtidos.
Evidentemente, quanto mais próximo ao consumo-alvo for a média do consumo medido de um lote, melhor. O consumo excessivo também não é interessante, mas certamente é menos danoso que o subconsumo, que pode pôr a perder todo o investimento feito na suplementação.
Criar uma planilha para controlar o consumo é bem simples, pois basta ter a informação da data de fornecimento e quantidade do aporte inicial menos a sobra da data posterior para determinar quanto foi consumido pelo lote.
Para obter a média diária por cabeça, devemos multiplicar o número de cabeças pela diferença entre as datas final e inicial e este valor deve ser dividido pelo resultado do consumo do lote. O valor, em geral, é em quilogramas por cabeça por dia. Esse valor pode ser confrontado com o valor a ser perseguido.
Se estiver baixo, há uma chance de conseguir aumentá-lo, simplesmente por aumentar a oferta, sendo também válidas as tentativas em aumentar o número de cochos e/ou espaçá-los um pouco mais. Por fim, se nada disso funcionar e o sal mineralizado for feito na fazenda, a opção que resta é baixar o teor do cloreto de sódio (sal comum) na mistura até o mínimo, no consumo-alvo, que é o equivalente à exigência de sódio dos animais a serem suplementados.
No caso de haver superconsumo, há basicamente a opção de aumentar o teor de sódio na formulação ou restringir o consumo, mesmo que em um ou dois dias os animais fiquem sem o produto (o que deve ser evitado).
Pode-se começar por apenas alguns piquetes e ir aumentando gradativamente. Isso ajuda a inserir essas medições na rotina da fazenda.
Manejo de pasto por altura
As forrageiras tropicais precisam de um mínimo de área foliar residual para rebrotarem mais rápido e terem como competir com as invasoras. Por outro lado, quando o dossel é muito alto, há perda de eficiência fotossintética e aumento de material morto. Por isso, ao longo do tempo foram definidas, para cada forrageira, as alturas recomendadas de entrada e saída dos bovinos da pastagem. Na tabela 1, valores de altura para importantes forrageiras, que são a base da nossa produção pecuária.
Tabela 1.
Altura de pastejo (cm) das principais gramíneas forrageiras.
Fonte: Costa e Queiroz (2017)
Uma ferramenta que pode ajudar, especialmente no início, é a régua de manejo, que nada mais é do que um bastão com as faixas de altura de entrada e saída das principais forrageiras. As alturas recomendadas estão indicadas em faixas verdes e os valores fora dessa faixa, em vermelho.
Usando-a facilita na percepção de ser necessário tirar os animais do pasto ou, opostamente, colocar mais cabeças para garantir não perder forragem e, além disso, ficar com o pastejo muito desuniforme, a caminho de ser aquele piquete que apenas uma roçada resolve.
Adubação de pastagens
Estima-se que uma porcentagem ínfima das pastagens receba algum tipo de adubação no Brasil. Isso explica tanto nossos baixos índices de produção, quanto a ocorrência de grande área de pastagem considerada com algum grau de degradação. A adubação de reposição ajuda a manter a produtividade e é uma aliada importante para manter a longevidade das pastagens.
O convite aqui é para aqueles que tem menos familiaridade com a adubação experimentarem esta prática. Há quem possa ter experimentado, mas se decepcionado. Isso costuma acontecer em duas situações.
Primeiro, quando a resposta do pasto é muito boa, mas não há boca suficiente para aproveitar toda a massa de forragem produzida. Esse é o pior dos mundos, pois é feito o gasto, mas por impossibilidade de aumentar a lotação perde-se pasto, que ainda por cima, dependendo do grau de sub-pastejo, acaba exigindo uma roçada.
O outro caso de insucesso é pela escolha do pior pasto para fazer o teste, seguindo a lógica de ser o que mais precisa. Nesse caso, a resposta em produção de forragem pode ser pífia e mais uma vez por falta de boca. Todavia, nesse caso, não a do animal, mas a boca das forrageiras, que são suas raízes.
Um prêmio de consolação em ambas as situações é que o sistema radicular deve ter aumentado, o que ajuda a ter melhor resultado no futuro.
Terminação em confinamento
O confinamento no Brasil não costuma ser uma boa opção econômica como empreendimento isolado, mas traz inúmeras vantagens para os sistemas de produção baseados em pastagem.
Como meu brilhante colega melhorista animal da Embrapa Gado de Corte, Dr. Roberto Torres, definiu, é uma estratégia de colheita, no sentido de adiantar o ponto de abate dos animais. Grosseiramente, ganhamos um ano ao terminar o animal no confinamento e, pelas taxas de ganho serem bem mais elevadas do que as obtidas nas pastagens, os bovinos depositam gordura mais rápido, resultando em uma carcaça de melhor qualidade. De quebra, tira-se os animais mais pesados das pastagens, aliviando a carga sobre elas.
O resultado é que, além de evitar sobrepastejo, os animais que ficam no pasto têm melhor desempenho. Ao mesmo tempo, aumenta-se a lotação média anual da fazenda e produz-se mais arrobas por hectare. É por isso que, mesmo num confinamento que custe mais para engordar do que os quilogramas de peso ganhos possam pagar, ainda com esse prejuízo na arroba engordada, compensa confinar.
Em geral, a valorização das arrobas de entrada e um melhor preço de venda compensam esse prejuízo na engorda. O fato é que, na média dos anos, ter um confinamento viável economicamente ajuda a melhorar o resultado geral da fazenda. O convite aqui é para, sem pressa, criar uma estrutura simples de confinamento, em pequena escala para fazer a curva de aprendizado, de forma que os erros custem menos.
Ao frisar o não fazer nada de atropelo é para aproveitar a principal vantagem do confinamento: a capacidade de ter tudo muito planejado. É possível fechar um lote de bovinos e saber com boa dose de acerto quanto custará e quando eles poderão ser vendidos. Portanto, estamos no oposto do improviso.
Recomenda-se investir bastante tempo em planejamento e ter assistência técnica. O importante desse primeiro arranque é aprender a fazer e, principalmente, sentir as necessidades do dia a dia para optar por aderir de vez à tecnologia, aumentando a escala, ou, eventualmente admitindo que ainda não é hora da fazenda dar esse salto. Nesse caso, há alternativas, como a terminação em pastagens e o uso da engorda confinada tercerizada (boitéis).
Terminação dos animais em pastejo (“confinamento em pasto”)
O uso de grandes quantidades de ração em pastagem para terminar bovinos de corte é uma opção interessante, exatamente, por ser possível obter ganhos usualmente obtidos apenas em confinamento, mas sem a necessidade da estrutura para tal.
Todavia, apesar de poder ser feito de improviso, a chance de insucesso ao ser feito sem respeitar várias recomendações essenciais é praticamente certa. Aqui, insucesso não se restringe a não obter o desempenho esperado, mas ao risco de perder bovinos por doenças metabólicas, como acidose e timpanismo.
Alguns pontos que têm que ser muito bem observados ao se adotar essa técnica são: (1) formulação adequada da dieta, incluindo ter aditivos que ajudem a reduzir a acidose, (2) quantidade de cochos suficiente para alimentação simultânea de todos os animais do lote, (3) uma adaptação muito bem feita, em que os animais são habituados à ração de forma crescente para dar tempo do rúmen se adaptar à dieta, (4) observação atenta dos bovinos, pois mesmo com todas as precauções há animais mais suscetíveis às doenças metabólicas, havendo, inclusive, a situação que o bovino deva ser retirado do lote por não se adaptar a este sistema de produção e (5) contrariando a lógica, oferta da ração em apenas uma refeição. Recomenda-se, igualmente, fazer sob a supervisão de um técnico.
Importante lembrar que esta é uma opção em que estamos trocando eficiência por comodidade de não ter a estrutura de confinamento, produção de volumosos, manejo de sobras etc. Assim, o bom é usar todas as formas de terminação, explorando as vantagens de cada uma delas.
Uma última nota é que, por fornecer uma grande quantidade de ração, o consumo de pastagem se resume a tentativa do bovino reverter o mal-estar da falta de fibra na dieta, portanto piquetes com massa de forragem relativamente baixa podem ser usados para o “confinamento em pasto”.
Tratamento diferenciado de matrizes magras
Há uma forte relação entre o grau de magreza da vaca ao parto e a probabilidade de prenhez positiva na estação de monta subsequente. Vacas que parem em boas condições corporais têm maior probabilidade de emprenharem. Portanto, na hipótese de que uma porção de vacas de um lote se destaquem por estarem mais magras que a média, pode ser interessante criar um lote apenas com essas vacas e fazer nele um tratamento com uma nutrição de maior investimento.
A ideia é gastar mais, mas apenas nos animais que há mais chance de, com maior taxa de natalidade, pagar o investimento adicional. Não costuma ser fácil incluir mais um lote no manejo da fazenda, mas pode ser interessante esse esforço.
O maior aporte nutricional pode ser pelo uso de um piquete com um pasto em condições melhores (por exemplo, um pasto safrinha de um sistema integrado com lavoura), uso de suplementação mais concentrada e em maior quantidade ou confinar os animais, dando uma dieta completa.
Mesmo no confinamento, é importante não exagerar, pois ganhos muito elevados podem comprometer o desempenho reprodutivo do animal.
Uso de novas cultivares de forrageiras
Pastagens são consideradas culturas perenes e uma das melhores testemunhas disso é a primeira pastagem do capim Braquiarão do Brasil. Fica na Embrapa Gado de Corte, em Campo Grande – MS, e mantém-se produtiva desde 1984, ou seja, ano que vem completa quatro décadas de bons serviços. Portanto, a princípio, a renovação de pastagens deveria ser algo raro.
A realidade da maior parte das pastagens no Brasil, contudo, é bem diferente pois, sem a devida atenção ao manejo e à reposição de nutrientes, o processo de degradação se instala e, às vezes, o que resta é renovar a pastagem.
A renovação de pastagem, da maneira que deve ser feita para começar bem e ter que fazer apenas a reposição de nutrientes, custa caro. Todavia, sempre há um lado positivo e, nesse caso, trata-se de uma grande riqueza que o Brasil tem hoje em termos de opções de forragens.
Em relação às cultivares mais plantadas atualmente, há opções mais produtivas e com características próprias que as fazem interessantes para compor o mosaico de cultivares que toda fazenda deve ter.
A diversidade que o mosaico proporciona, além de características complementares, como por exemplo, forrageiras altamente produtivas no verão, outras que perdem menos a qualidade nutricional na seca, uma brotação mais rápida no início da seca entre outros, garantem maior resistência aos estresses como seca, doenças e pragas.
Por exemplo, se uma praga atacar mais determinado cultivar, o estrago será apenas nela e as demais poderão compensar, pelo menos em parte, o prejuízo. Uma excelente alternativa para conhecer parte dessa riqueza e que, ao mesmo tempo, ajuda a fazer as escolhas por uma ou outra forrageira é o aplicativo Pasto Certo (acesse aqui). Nele, há, inclusive, as leguminosas, tema do nosso próximo item.
Uso de consórcio gramínea-leguminosa
O consórcio gramínea-leguminosa é uma promessa de longa data por todas as vantagens que apresenta: não precisa da adubação de reposição de nitrogênio, por promover raízes mais profundas, há maior aproveitamento do solo, havendo maior resistência à seca, época na qual maiores ganhos ocorrem sem a necessidade de suplementação com proteinados. Há, portanto, um aumento médio do ganho anual, em relação a sistemas mais extensivos, de maneira extremamente competitiva do ponto de vista econômico.
Pelo mesmo motivo de menor necessidade de insumos importados como adubos e proteinados, por ter a diversidade de duas famílias distintas e características particulares, como os taninos nas leguminosas, trata-se de uma opção ecologicamente interessante.
Resultados preliminares de um experimento realizado recentemente na Embrapa Pecuária Sudeste mostraram que é possível ter uma redução de até 70% na emissão de carbono por unidade de ganho de peso em relação ao uso de maneira irracional, ou seja, totalmente extensivo.
Tendo todas essas vantagens, por que é tão pouco adotado? O principal problema parece ser mesmo uma maior necessidade de gestão sobre o consórcio, pois é preciso manter gramínea e leguminosa dentro de parâmetros de máximo e mínimo de proporção de cobertura. Não atentar para isso pode fazer com que, em determinada ocasião, a proporção da leguminosa fique grande demais, o que pode trazer problema aos bovinos e, mais comumente, que a gramínea volte a ser a única forrageira do piquete. O manejo que falta é acertar a lotação de forma a manter o grau de cobertura de área de cada uma das forrageiras dentro dos parâmetros preconizados para cada par.
Há cultivares que precisam mesmo ser ressemeados após alguns anos. Nesse caso, a ideia é tentar fazer uma avaliação de benefício custo, mas com tantas vantagens há grandes chances de ser vantajoso. Uma dica é escolher uma área que, além das condições gerais recomendadas às cultivares escolhidas, seja pequena e especialmente de fácil acesso para facilitar a tomada de decisões.
É preciso prever áreas para transferência dos animais em excesso ou que, opostamente, possam ceder animais para aumentar a lotação da área consorciada.
Adoção de sistemas integrados
Sistemas integrados, nos quais, fazemos combinações com agricultura-pecuária e floresta se mostraram uma das melhores formas de se produzir alimentos, pois não só há muita complementaridade entre as atividades, como situações sinérgicas, ou seja, aquelas na qual o todo é maior do que a soma das partes feitas de maneira isolada.
Por exemplo, a pastagem aumenta o teor de carbono no solo e melhora suas características físicas e químicas. O sistema integrado com lavoura, por sua vez, deixa o pasto safrinha na entrada da seca, em que os animais têm ganhos semelhantes ao das águas. Há vantagens operacionais, com um possível melhor aproveitamento de mão-de-obra e vantagem econômica, a ter maior diversidade de receitas em que, muitas vezes, a alta de um ajuda a compensar a baixa da outra.
Para o pecuarista, uma forma de começar pode ser fazendo uma parceria com um bom agricultor, como meeiro. O aprendizado inicial fica da observação do trabalho do parceiro, o que pode reduzir bastante erros de iniciante.
Qualquer coisa!
Nesse texto, foram listadas nove opções de começar algo novo, mas na riqueza dos nossos sistemas de produção e com a criatividade e inteligência dos nossos produtores, nunca se esgotam as possibilidades. Assim, fica esse item para encorajar os interessados a escolherem algo alheio a esta lista e, até, inovar.
No caso da inovação ficam dois alertas: (1) não querer desafiar curvatura do círculo ou outra obviedade qualquer e (2) não abusar demais da lógica. Ainda que inovações ocorram com quebras de paradigmas, algum recato costuma ser bom, para evitar grandes micos. É o caso da velha piada de um pesquisador de um país europeu que afirmava quase ter conseguido provar que seu cavalo poderia viver sem comer, mas que lamentava não ter tido total sucesso pelo infortúnio da morte do cavalo por causa desconhecida.
Referências bibliográficas
Régua de Manejo de Pastagens: edição revisada. - Portal Embrapa. Disponível em: <https://www.embrapa.br/en/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1077406/regua-de-manejo-de-pastagens-edicao-revisada>. Acesso em: 27 jan. 2023.