O colaborador da Embrapa é um Embrapiano.
O que precisa ter para ser um Embrapiano, com um “E” maiúsculo?
Na era da pós-verdade, da “fake news” e do “viés de confirmação”, a Embrapa procura ser o porto seguro das informações validadas pela ciência. Não que seja infalível, mas há ódio à informação errada e a crença inabalável que apenas a boa informação pode nos fazer avançar para um mundo melhor. Essa promessa é mantida sempre quando o Embrapiano percebe um erro e logo o corrige. Como exemplo de dados válidos para a cadeia da carne bovina, segue o endereço eletrônico para o Centro da Inteligência da Carne, que tem o compromisso de ser um local para ter informações válidas e úteis.
A maneira como a Embrapa aparece para a sociedade que a banca é, principalmente, pela imprensa e, mais recentemente, pelas mídias sociais, internet de forma geral. Para tal, contamos com um corpo de profissionais especializados em fazer essa ponte entre a pesquisa e a sociedade. Graças a eles, somos vistos e notados. Ainda mais importante, informações valiosas são repassadas a quem, de fato, pode transformá-las em ganhos reais: os empresários, produtores e a sociedade em geral.
Como exemplo dessa transferência de saber, poderia colocar tantos documentos importantes, como o “Balanço Social da Embrapa”, mas, como uma imagem vale mais do que mil palavras, segue o endereço eletrônico do banco de imagens da Embrapa, com mais de 12 mil fotos que podem ser usadas gratuitamente por qualquer interessado.
A crença na possiblidade de fazer um Brasil melhor é um dos combustíveis que move o Embrapiano. Um bom exemplo disso é o programa de Boas Práticas Agropecuárias – Bovinos e bubalinos de corte (BPA) que, quando aplicado em uma propriedade, permite que se veja quais normas e procedimentos são necessários para uma produção (i) economicamente viável, (ii) socialmente justa e (iii) ambientalmente correta. Em suma, uma propriedade que pode, assim, durar o tempo que quiser, que é o mesmo que ser sustentável. Esse é um bom exemplo de que, mais do que acreditar no futuro, é acreditar que o podemos fazê-lo ainda melhor. O BPA acabou de ser relançado em um novo formato.
No item anterior, adiantou-se a definição mais simples de sustentabilidade, que é, basicamente, algo que consegue sustentar-se no tempo. Do tripé da sustentabilidade, há um mais importante: ser economicamente viável. O motivo de ficar em destaque decorre dele bancar os outros dois pés, é preciso recursos para atender toda a legislação trabalhista e oferecer algo a mais (moradia, treinamento etc.), bem como manter as áreas de proteção permanente (APP) e reserva legal (RL). Trabalhos que mostram sistemas de produção com níveis de intensificação crescentes são muito importantes, pois seus resultados identificam os pontos positivos e negativos de cada um e, assim, permitem fazer as combinações que tenham maior efetividade de produção e melhor respeito ao ambiente.
A Embrapa Pecuária Sudeste se destaca nesse tipo de geração de informação e um desses trabalhos pode ser acessado aqui. Outro trabalho produzido, traz todas as informações necessárias para uma boa avaliação de um sistema silvipastoril. O que esses trabalhos e outros semelhantes têm mostrado é que sistemas intensificados de forma intermediária seriam aqueles mais ambientalmente corretos, bem como a árvore sendo o componente que mais garante sistemas com emissão líquida de carbono negativa, isto é, que sequestram mais do que emitem. Com dados sólidos, podemos avançar seguros de que teremos segurança alimentar junto com um ambiente conservado e preservado, de maneira a garantir uma condição estável, fundamental para mantermos a produção agrícola.
Algo muito cobrado na Embrapa é a necessidade de enxergar além das caixinhas que pesquisadores, cada vez mais especializados, tendem a se confinar. Um dos melhores exemplos disso é a questão de determinar datas de plantio mais seguras para cada cultura em cada localidade. Graças ao trabalho interdisciplinar de profissionais da Embrapa e de outras instituições estaduais, sistemas de análise de dados agrometeorológicos e de simulação matemática foram desenvolvidos para estimar uma porcentagem de risco de produção nas condições climáticas de cada região.
Assim é construído o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), que informa, conforme a época de plantio e município, qual é a taxa de risco por perdas por problemas meteorológicos. Dele, há um aplicativo que pode ser usado por qualquer produtor para fazer suas próprias estimativas de taxa de risco climático em qualquer lugar do território brasileiro para 43 culturas.
Em contraste com o ZARC, um megaempreendimento, temos outros que são bem modestos no investimento, mas que podem ser úteis aos produtores. Um deles é o aplicativo Suplementa Certo (SC), feito com base em uma planilha de Excel como trabalho de conclusão de curso de acadêmicos em programação. Basicamente, esse aplicativo é uma máquina de calcular relação benefício/custo das opções mais frequentes de suplementação na seca e do uso de aditivos. O principal objetivo que deu origem a planilha seminal que evoluiu ao SC, e meta que nele permanece, é mostrar que a suplementação pode ser feita, na grande maioria das vezes, com excelente retorno financeiro. Por exemplo, o uso de proteinados frequentemente resulta em retornos de mais de R$3,00 para cada R$1,00 investido. Como um benefício adicional, o SC indica o número mínimo de metros lineares de cocho, um detalhe que muitas vezes explica o insucesso de suplementações com proteinados e rações concentradas.
Melhorar sempre! Se há um caso de sucesso na Embrapa, é seu programa de melhoramento de forrageiras. Do programa de melhoramento de braquiárias, surgiu a cultivar com maior extensão de plantio do mundo: o capim Marandu, lançado pela Embrapa Gado de Corte em 1984. Perto de completar 40 anos de idade, ainda faz sucesso. A escala gigantesca gerou a apreensão de colocar tanto as fichas em uma planta apenas, tendo um grande pilar produtivo em apenas uma base genética estreita. Parte desse problema já estava relativamente minorado por outro excelente programa de melhoramento, o do gênero Panicum, que, logo no início dos anos de 1990, disponibilizou as cultivares Mombaça e Tanzânia que, embora mais exigentes em fertilidade e manejo, colocaram o nível de produção das pastagens em outro patamar. Desde essa data, quase uma dezena de novos cultivares desses dois gêneros já foram lançados, conforme essa lista:
• Brachiaria - Xaraés (2003), BRS Piatã (2006); BRS Tupi (2011); BRS Paiaguás (2013); BRS Ipyporã (2017); BRS Integra (2022);
• Panicum – Massai (2001); BRS Zuri (2014); BRS Tamani (2015); BRS Quênia (2017).
Elas se somam às cultivares do gênero Pennisetum, Kurumin (2012) e Capiaçu (2016).
Para, além de uma maior base genética, que reduz os riscos da monocultura, esse portfólio permite soluções mais específicas, ao dar opções de montar sistemas de produção que atendam às condições locais, combinando as características favoráveis de cada cultivar. O Integra, nos sistemas de integração, o Massai para ter capim mais cedo logo após a seca, a Tupi para solos encharcados, qualquer um dos Panicum para intensificar o ganho de peso nas águas e assim por diante.
As possibilidades de combinações são muito grandes e, para ajudar o produtor, há uma ferramenta muito interessante: o aplicativo Pasto Certo, que permite obter informações detalhadas sobre todas as principais forrageiras usadas. No Pasto Certo, pode-se conhecer as leguminosas, que também têm aumentado as opções, com resultados tão impressionantes como a redução de 70% na intensidade de emissão de metano (quilo de metano por quilo de ganho de peso) em consórcio com gramínea. Aqui está um filmete explicando o Pasto Certo.
O ideal de ter novas forrageiras mais produtivas e com menor impacto ambiental está mais vivo do que nunca e o melhor ainda está por vir.
Na biologia, não importa o tamanho da vida, mas o bem que ela pode fazer. Por isso que temos bioprodutos como o Biomaphos, as culturas de Azospirillum braziliense (Cepas Ab-V5 e V6, lançadas em 2009 e 2010) – hoje vendendo mais de 10 milhões de doses por ano – e as de Rizóbios + Azospirillum braziliense (lançada em 2013/14). Esses produtos aumentam a produtividade de várias culturas agrícolas, com larga folga na relação benefício/custo. Ora por aumentar o sistema radicular, ora por facilitar o uso dos nutrientes, elas trazem economia e eficiência à produção. Em 2021, foram lançados inoculantes para pastagem que aumentam a produção de biomassa e melhoram as características nutricionais das forragens. Para saber mais, uma boa sugestão é uma palestra da Dra. Mariângela Hungria, expoente nessa linha de pesquisa.
Com relação ao Biomaphos, sua viabilidade técnica e econômica pode ser avaliada. Foi lançado em 2019 e, por aumento de produtividade, estimou-se que, já em 2020, teria rendido R$105 milhões ao Brasil.
Nesse item que valoriza a vida, convém incluir, também, o BioAS, um novo conceito de análise de solo que, exatamente, mede atividade de enzimas que são indicadoras da atividade biológica do solo. Assim, um índice de qualidade biológica (IQSBio) é gerado ao mesmo tempo em que um índice de qualidade químico (IQSQuim), que por sua vez, juntos, geram o IQSFertbio. Esse conjunto de Índices de Qualidade de Solo (IQS) permite uma avaliação muito melhor e sensível da “saúde” do solo. Os ganhos de produtividade são significativos para as culturas para quais os parâmetros já foram desenvolvidos e, hoje, trabalha-se para ampliar o número de culturas abarcadas pelo BioAS.
A característica recorrente mais comum entre os Embrapianos é ter orgulho de onde trabalhamos. Talvez apenas a pequena lista acima já seja suficiente para o leitor que nunca tenha ouvido falar da Embrapa se convença que há motivos suficientes para esse sentimento fortemente compartilhado por sua força de trabalho. Para aqueles que a conheçam mais a fundo, creio que seja ainda mais fácil entender.
É comum sermos lembrados no dia a dia dos feitos da Embrapa e esse reconhecimento de várias partes da sociedade realimenta nossa autoestima. Logo no início da carreira Embrapiana, temos essa herança bendita e, ao longo do tempo, o sentimento de pertencimento a algo especial é uma força que nos mobiliza para manter a boa reputação. Hoje, com mais passado vivido do que futuro para viver, o esforço é redobrado para deixar uma colaboração suficiente para que os que venham possam sentir a mesma necessidade na sua vez. Outra alegria de trabalhar na Embrapa é conviver com tantos colegas “fora da curva”, brilhantes e geniais. Esses, que poderiam se dar ao luxo de alguma soberba, são os mais modestos e, além de motivos para nos orgulhar com seus feitos, dão um ótimo exemplo a ser seguido.
Como comentado, nosso orgulho se assenta nos feitos de tanta gente que ajudou a fazer o que a empresa é hoje e que deixou já um grande legado para o Brasil. Cada Embrapiano tem seus heróis com os quais conviveram, mas que não estão mais na ativa. Todavia, há, também, figuras que em suas unidades deixaram uma marca tão profunda que foram capazes de romper a barreira do tempo, fazendo-se presentes na vida de colegas dos quais nunca foram contemporâneos. Alguns por relatos orais, outros pelos trabalhos marcantes e/ou por terem seus nomes emprestados para designar auditórios, salas de reunião etc.
Esse pé no passado, além de justificar o orgulho de pertencer à empresa, nos dá identidade e a base para continuarmos construindo o presente. Mesmo algumas das mais ousadas novidades geradas têm alguma parte, por menor que seja, ancorada em conhecimento prévio, ainda que, por vezes, no duro aprendizado do que não se fazer ou do que é necessário fazer diferente. Com a base firme do passado, com as mãos ativas na construção do presente, os olhos do bom Embrapiano miram o futuro, pois é assim que podemos acertar as previsões de um amanhã melhor, fazendo por merecê-lo, construindo o que vamos encontrar além do horizonte que nossa vista alcança, como já comentado no item sobre acreditar no futuro.
Considerações finais
Este ano marca a celebração do primeiro meio século de existência da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, nossa Embrapa. Assim como as pessoas, as empresas nascem, crescem e morrem. A Embrapa nasceu graças a alguns visionários que colocaram um plano arrojado em prática, com um investimento gigantesco em treinamento de seus pesquisadores, a criação e equipagem das estruturas físicas das unidades de pesquisa e uma gestão ágil e assertiva. Ela maturou sendo um fator de aumento de produção ao gerar cultivares, produtos e processos que colaboraram no aumento da eficiência produtiva agropecuária de maneira inequívoca. Hoje, aos 50, ela segue na luta para manter-se relevante. Os esforços mais recentes, que no tempo da pesquisa podem ser uma ou duas décadas de intenso trabalho, geraram bons frutos e, alguns deles, foram comentados acima. Contem com seus orgulhosos empregados para manter a chama acessa e fazê-la centenária.