Dos quase 160 milhões de hectares de pastagens presentes no Brasil, boa parte apresenta algum grau de degradação. A Embrapa sinaliza que em torno 60% das pastagens encontram-se degradadas em níveis que variam entre leves e severos.
As plantas daninhas têm presença garantida na pastagem onde algum erro de manejo na pressão de pastejo foi cometido, agravando sua degradação, podendo atingir perdas significativas da forragem, caso alguma intervenção não seja realizada para deter o seu avanço. Estas se estabelecem por vencer a competição com a forrageira de interesse econômico. São plantas oportunistas que se instalam por encontrarem as condições favoráveis, uma vez a pastagem esteja debilitada, ou tenha sofrido manejo inadequado, como mencionado.
Na tentativa de reverter esta situação, o pecuarista busca de alguma maneira controlar as plantas daninhas presentes em sua pastagem, sendo a mais efetiva o controle químico com herbicidas. Contudo, uma grande parcela lança em primeira mão o uso da roçada destas plantas, seja com ferramentas manuais de corte, como a foice e o machado ou através de roçadeiras tratorizadas que dão maior rendimento.
A roçada num primeiro momento tem um efeito cosmético, mostrando um visual de aparente limpeza da área, contudo, em poucas semanas ou meses, o quadro inicial retorna ou é agravado, uma vez que as plantas daninhas não são controladas nesta operação.
De modo geral, a roçada é inimiga do controle efetivo das plantas daninhas nas pastagens, dificultando a ação dos herbicidas aplicados posteriormente, entretanto, em alguns casos, essa prática pode ser aliada. Neste artigo discutiremos aspectos que devem ser considerados e entendidos pelo pecuarista sobre a roçada das plantas daninhas nas pastagens.
A planta, logo após ser roçada, entra em processo de defesa, visando reverter o trauma sofrido, e restabelecendo suas funções vitais. A reação imediata é de selamento dos vasos de transporte de seiva ascendente e descendente, compreendidos pelo xilema e floema, respectivamente, localizados na região denominada câmbio, que fica exposto na região de corte dos caules, ou troncos remanescentes. Este selamento dos vasos visa deter perdas de umidade para o ambiente, bem como impedir a entrada de patógenos que contaminem suas estruturas internas.
As regiões meristemáticas da planta, localizadas nos pontos de crescimento de raízes e partes aéreas, concentram substâncias denominadas auxinas, responsáveis por diversos processos metabólicos do vegetal, inclusive pela dominância apical que faz com que a planta tenha sua multiplicação celular predominantemente nas extremidades, deixando, por outro lado, dormentes gemas presentes ao longo do caule. Com a eliminação da parte aérea pela roçada, estas gemas deixam de receber essa inibição hormonal, fazendo com que sejam estimuladas a iniciar seu processo de divisão celular, e consequente crescimento. Este estímulo, por sinal, se dá em múltiplas gemas, fazendo com que surjam diversos brotos onde havia apenas um tronco dominante. Assim como despertam as gemas aéreas, também estimulam a multiplicação celular dos meristemas radiculares.
Pode-se constatar que, no balanço final, a roçada acaba por beneficiar a planta posteriormente recuperada, com a renovação de sua parte aérea, e um sistema radicular fortalecido.
O efeito benéfico nesta resposta da planta é de longa data conhecido pela humanidade, através da prática da poda de inverno em algumas frutíferas ou plantas ornamentais, principalmente originárias de regiões de clima temperado, como anualmente realizadas nas parreiras, macieiras e roseiras, por exemplo, que retornam com todo viço na primavera subsequente.
Podemos fazer uma analogia que a roçada das plantas daninhas lenhosas nas pastagens é uma poda benéfica que o pecuarista realiza não intencionalmente.
Outra reação que a planta rebrotada apresenta, além da geração de múltiplos caules na região cortada, decorre da criação de estrangulamentos dos vasos de fluxo de seiva nas cicatrizes de corte, espécie de calos que de certo modo dificultam a translocação de herbicidas aplicados em cortes posteriores se realizados acima destes, visando o controle da planta no toco. Em função disto que, para o controle no toco de plantas lenhosas de áreas que foram previamente roçadas, se faz a recomendação de realizar o corte abaixo da última cicatriz presente no tronco remanescente, próximo ao solo. Quanto mais próximo ao nível do solo, menor a reserva para possíveis rebrotes, como também se foge destes estrangulamentos de vasos originados nas cicatrizes de corte.
Figura 1.
Calos formados nos rebrotes do tronco roçado.
Fonte: autor desconhecido
Considerando-se o tratamento foliar com herbicidas em áreas com histórico de roçadas, uma vez caracterizado que as plantas ficaram mais fortalecidas, deve-se ter em mente que o desafio de controle também ficou maior e medidas precisam ser tomadas para que frustações não ocorram. Estas medidas compreendem permitir que as plantas rebrotadas apresentem folhagem vigorosa e volume de área foliar compatíveis com as reservas do sistema radicular que o produto terá que controlar.
Uma vez que as folhas são a porta de entrada do herbicida na planta, quanto maior a área foliar, maior será a penetração de produto para dentro da planta, e consequentemente, melhor performance dos herbicidas. Outra medida considera o uso de tratamentos com ativos e misturas mais potentes, considerando-se principalmente as plantas lenhosas, arbóreas e eventualmente algumas arbustivas de mais difícil controle foliar.
Figura 2.
Planta lenhosa roçada com rebrotes vigorosos. Detalhe e planta toda.
Fonte: Neivaldo Ceceres
Se por um lado a roçada isolada é inefetiva no controle das plantas daninhas e torna a planta mais difícil de controlar pelas alterações morfológicas subsequentes, também pode, eventualmente, ser uma ferramenta auxiliar nesse processo.
Não são raros casos em que uma prévia roçada da área é conveniente para posterior aplicação de herbicidas foliares, essa prática até tem nome, chama-se manejo de aplicação.
Sua indicação se dá, principalmente, em áreas com infestações por plantas arbustivas de grande porte, caso clássico dos assa-peixes-roxo e branco, mas tecnicamente falando: as Vernônias, que apresentam numerosos talos lenhosos e grossos, que podem ter sua base entre 2 e 5 cm de diâmetro, com tamanho de hastes que podem exceder os 3 m de altura, e que normalmente carregam ainda uma folhagem composta por poucas folhas pequenas e velhas. Esse tipo de vegetação limita em muito a absorção de herbicidas foliares.
Assim, realizando-se uma roçada no período seco (julho/agosto) nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Norte do país, justamente quando a pastagem está em suas piores condições de massa forrageira, onde predomina a paisagem com as plantas daninhas, toda vegetação constituída por partes velhas, lenhosas e de folhas pequenas e coriáceas é eliminada. Restabelecendo-se o novo regime de chuvas, alguns meses depois, e constatando que as plantas daninhas rebrotaram e emitiram nova folhagem, seria o momento para aplicar o herbicida nesta vegetação.
As plantas herbáceas e arbustivas rebrotadas, por terem a folhagem nova e volumosa, são mais suscetíveis aos herbicidas, apresentando a condição ideal para que a absorção dos produtos seja maximizada, podendo levar a recomendações com tratamentos até menos potentes, e consequentemente, com custos mais favoráveis, do que se exigiria caso não houvesse essa nova vegetação mais exuberante.
Outra condição em que a roçada na época seca é aliada da aplicação foliar de herbicidas nas plantas herbáceas, arbustivas e até algumas lenhosas, se dá em função do nivelamento de altura das plantas da área para quando o tratamento herbicida for aplicado, e se elimina ou minimiza, o chamado efeito guarda-chuva durante a aplicação. O efeito guarda-chuva é a interceptação das gotas pulverizadas pelas plantas maiores, impedido que plantas daninhas de menor porte não recebam o tratamento, não sendo consequentemente controladas.
Deve-se levar em conta que na opção pelo manejo da aplicação, a operação de roçada está agregando um fator de custo no controle das plantas daninhas como um todo, cabendo ao técnico que faz a recomendação avaliar caso a caso o balanço entre os pontos favoráveis mencionados, e o custo adicional da roçada, e tomar sua decisão.
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