Os eventos climáticos cada vez mais frequentes e intensos representam um desafio significativo para os produtores rurais, causando perdas nas plantações, infraestrutura, criação de animais, além de riscos à própria vida das pessoas.
Nos solidarizamos com os sofrimentos e angústias de todas as pessoas afetadas pelo desastre ocorrido no Rio Grande do Sul e aproveitamos desta oportunidade para tratar de algumas questões jurídicas referentes à desastres naturais, responsabilidade civil e outras situações relacionadas à reparação e prevenção de danos ocasionados por estas situações.
Abandono de lares inundados, riscos à saúde por agentes contaminantes, patológicos ou químicos, perdas humanas, interrupção da atividade econômica das áreas inundadas são apenas algumas consequências, por vezes causadas por uma precária prevenção estrutural em eventos possivelmente previstos.
Em situações de enchentes, mesmo que sejam situações naturais, causadas pelo transbordamento de água do leito natural (córregos, lagos, rios), mais frequentes em áreas mais populosas, quando a drenagem se torna menos eficiente, tradicionalmente esperam-se cheias cíclicas.
No caso das atividades produtivas, além de medidas de prevenção para minimizar riscos e danos, sugere-se algumas medidas para reparação dos estragos causados, possibilitando a retomada das atividades e garantia da segurança alimentar.
Uma das várias sugestões é realizar um diagnóstico detalhado da situação por meio de peritos e técnicos que possam detalhar em um laudo técnico, os danos causados à infraestrutura da propriedade, incluindo insumos, cercas, estradas, pontes, galpões e demais instalações, possibilitando a tomada de medidas jurídicas imediatas em âmbito extrajudicial ou judicial.
Os laudos assinados com anotação de responsabilidade técnica auxiliarão na identificação dos maiores problemas e prioridades que demandem obras e benfeitorias úteis e necessárias nas áreas mais críticas para a produção, como cercas para contenção do gado, estradas de acesso para escoamento da produção e locais para armazenamento seguro de insumos e grãos.
Nos arrendamentos, na ocorrência de desastres climáticos recomenda-se ao arrendatário comunicar imediatamente o arrendador, proprietário do imóvel rural, para que não seja considerado inadimplente e excessivamente onerado pelo contrato, contando com esforço das partes para realizar uma negociação extrajudicial que atenda aos interesses de todos, o que também se aplica aos bancos seja para o arrendatário ou proprietário, que necessitam renegociar suas dívidas.
É sugerido também a realização de análise de solo para identificar os danos causados pela inundação, como erosão, compactação, salinização, alterações na fertilidade, contaminações por químicos carreados, direcionando medidas de recuperação, correção do solo, recuperação da capacidade de produção e redução da possibilidade de responsabilizações ambientais.
As perícias, atas notariais e boletins de ocorrência servirão ainda para fornecer elementos de ajustes na declaração do Imposto Territorial Rural (ITR) e no Certificado de Cadastro do Imóvel Rural (CCIR), já que nestes dois instrumentos jurídicos é necessário classificar benfeitorias, informar a produção para que seja corretamente tributada a propriedade (ITR) e para que não seja considerada improdutiva e destinada à reforma agrária (CCIR).
Os mesmos laudos e diagnósticos serão utilizados também para acionar seguro agrícola, caso existente, garantindo redução de prejuízos por meio da apólice e cobertura contratadas.
A situação de cada região deve ser analisada com suas peculiaridades, já que a legislação estabelece hipóteses de responsabilidade civil por danos causados por enchentes que podem recair até mesmo sobre o poder público, empresas privadas e outros que eventualmente tenham contribuído indiretamente para as enchentes, no caso de falta de manutenção de sistemas de drenagem, ausência de obras de contenção de enchentes e outros fatores.
No caso do governo, segundo a legislação, pode responder por ação ou omissão, sendo necessário demonstrar a existência do dever jurídico de praticar determinado fato (de não se omitir) e que o dano poderia ter sido evitado ou que a demandaria obrigação de agir para impedir o evento danoso.
A atuação deficiente do Estado, ou a omissão genérica, aparece quando, do evento, concorrer com a falta de obras que razoavelmente seriam exigíveis, ou de providências que seriam possíveis, dentro das possibilidades de socorro da administração, onde seu grau de previsibilidade pode ser considerado muito maior do que do particular.
Eventos climáticos não são necessariamente excludentes de ilicitude do Estado, por ser possível considerar as ações preventivas para evitar danos por meio de obras de infraestrutura.
O chamado “direito dos desastres”, tema relativamente recente da legislação brasileira engloba um conjunto de normas e princípios voltados para a prevenção, mitigação e resposta a eventos adversos, como enchentes, deslizamentos, secas e incêndios florestais.
A Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, instituída pela Lei nº 12.608/2012, é o principal marco legal, estabelecendo diretrizes para a atuação do poder público e da sociedade civil na gestão de riscos e desastres, incluindo ações de mapeamento de áreas de risco, capacitação de agentes envolvidos e elaboração de planos de contingência.
Além disso, a Lei de Proteção e Defesa Civil (Lei nº 12.340/2010) define os procedimentos para reconhecimento de situação de emergência e estado de calamidade pública, permitindo a mobilização de recursos para assistência às vítimas e recuperação das áreas afetadas.
O direito dos desastres também abrange a responsabilidade civil e penal por danos causados, tanto pela omissão na prevenção quanto pela ação que contribui para a ocorrência de desastres, promovendo uma abordagem integrada e proativa para a redução dos riscos e a proteção da população frente aos desastres naturais e provocados pelo homem.
Com a necessidade de recuperação socioeconômica das regiões afetadas, é necessário que urgentemente sejam tomadas medidas para financiar a reconstrução da infraestrutura, a recuperação do solo e das plantações e a retomada da produção, possivelmente concedendo benefícios fiscais, contando ainda com o apoio de assistência técnica e extensão rural.