Prezados leitores, informo a todos que por motivos estritamente pessoais, que após 2,5 anos de ininterruptas publicações, esta é a última edição do RADAR SANITÁRIO.
Agradeço imensamente o Portal DBO, em nome do jornalista Demétrio Costa, e o site da Scot Consultoria, em nome do engenheiro agrônomo Alcides Torres, por terem veiculado, com grande destaque este boletim mensal.
Reconheço a grande contribuição que recebi, de mais de cinco dezenas de destacados veterinários de campo, eméritos professores universitários de todas as regiões brasileiras, fabulosos pesquisadores de Instituições de Pesquisa, argutos consultores independentes em saúde animal, competentes profissionais de empresas de nutrição e indústrias veterinárias, e fundamentais responsáveis pela Defesa Sanitária Animal de 12 estados brasileiros, este últimos pela informação mensal dos casos de raiva, brucelose, fasciolose e cisticercose bovina em 12 estados brasileiros. Sem vocês não existiria este Boletim!
Agradeço particularmente aos pecuaristas, gerentes de fazendas, profissionais em pecuária, acadêmicos, estudantes e demais leitores por prestigiarem mensalmente essa coluna, fazendo com que atingíssemos, segundo dados dos próprios editores dos sites, entre 5.915 a 12.576 leitores mensais, os quais enviaram críticas construtivas, incentivaram e repassaram as informações do RADAR para outros. Fico feliz que muitos dados aqui publicados foram citados e serviram de exemplos de discussão em aulas teóricas e práticas universitárias e em palestras de profissionais, além de terem servido de alerta sobre várias enfermidades transmissíveis ou não, e serem motivos de medidas de prevenção de doenças em fazendas de corte do Norte ao Sul, Leste ao Oeste de nosso imenso Brasil. Espero com isso, que tenha cumprido meu desejo de informar, quase em tempo real, o que se passou do ponto de vista sanitário em nossas propriedades. Meu muito obrigado a todos. Sou eternamente grato!
No mês de dezembro, poucas atividades aparentemente são feitas nas fazendas de boa parte do Brasil, ideal para fazer um balanço geral sanitário do que ocorreu no ano.
No mês passado, em que foram vacinadas as bezerras contra brucelose, sugeri adiar a vacinação contra clostridioses para este mês, visto que um recente estudo brasileiro indica que não se deve vacinar ao mesmo tempo contra brucelose e clostridioses, pois isto faz com que a produção de anticorpos e proteção contra as clostridioses diminua para valer, colocando em risco os animais. Assim, chegou a hora agora de vacinar as fêmeas contra as clostridioses, lembrando que os bovinos, a partir de quatro meses, devem receber duas vacinações com espaço de um mês.
Nota importante: As vacinas brasileiras contra as várias clostridioses retiraram do produto, a proteção contra o carbúnculo hemático (uma outra clostridiose). Assim, em locais que têm risco dessa última doença, em especial a região sul do RS, devem fazer uma vacinação extra com as poucas vacinas exclusivas no mercado (Laboratórios Venco e Labovet) que contêm bacterinas contra o Bacillus anthracis, causador desta doença.
Segundo orientações da Embrapa, sugere-se a descarrapatização estratégica do gado bovino, nessas áreas citadas, para diminuir a futura infestação de carrapatos nas próximas estações do ano, que são mais problemáticas. Para decidir sobre quais produtos utilizar, peça orientação ao seu veterinário de confiança, pois os carrapatos têm adquirido resistência contra múltiplos tipos de carrapaticidas. Para aumentar o índice de eficácia e escolher o carrapaticida ideal para sua propriedade, faça o teste do biocarrapaticidograma. Além do Instituto Veterinário Desidério Finamor, também no Rio Grande do Sul, esse teste pode ser feito no Laboratório de Parasitologia da UNIPAMPA, contato whatsapp (55) 9 9964-8232 ou pelo email: parasitounipampa@gmail.com ou pelo @parasitounipampa (Instagram).
Vermifugação estratégica contra Fasciola hepatica no RS e nas regiões baixas de SC
Segundo orientação da Embrapa, sugere-se nas regiões alagadiças e que contenham o caramujo que transmite as “larvas” de Fasciola hepatica (baratinha do fígado) do RS e de SC, a vermifugação estratégica do rebanho contra este parasita, que causa grande perda de peso e anemia aos bovinos. Para tal, recomenda-se o uso, sempre consultando seu veterinário de plantão, as seguintes bases de fasciolocidas: tricabendazole, nitroxinil, clorsulon ou closantel.
Sugiro que no mês de dezembro, seja feito um balanço geral da saúde no seu rebanho, por meio do cálculo de um simples índice, desde que tenha o registro de todos os nascimentos e mortes no ano. Primeiro, quantifique o número global de animais de 1º de dezembro de 2023 a 1º de dezembro de 2024, presente nas seguintes categorias: A) bezerros até desmama, B) da desmama até dois anos, C) de dois a três anos, D) de três a 10, E) mais de 10 anos. Multiplique por 100 o número de mortes e o resultado deve ser dividido pelo número total de animais, dentro da mesma categoria. Com isso, você obterá o número percentual de mortalidade no ano, para cada faixa de idade. Faça isso também com o total de seu rebanho criado no espaço de 12 meses. A média de mortalidade geral nos rebanhos brasileiros é de 6,0% e nas categorias A) 8,5%; B) 3,5%; C) 2,5%; D) 1%; E) 3,5%. Países com pecuária de corte mais desenvolvidos (EUA e Austrália), têm uma mortalidade média geral de 3,2% e nas categorias A) 4,5 % a 5,0%; B) 1,3%; C) 1,0%; D) 1,1 e E) 2,0%. Com seus dados calculados, análise com seu veterinário os gargalos sanitários que levaram a morte os animais, nas diversas categorias, e trabalhem em conjunto para mudar o manejo sanitário da fazenda, a fim de atingir metas mais próximas dos países desenvolvidos. Boa sorte na empreitada!
A brônquio-pneumonia é a principal doença nos confinamentos brasileiros e pelo mundo afora. Isto você está careca de saber! Porém, na grande maioria dos casos acomete entre 5,0% a 20,0% dos confinados, e mata não mais de 5,0% dos doentes. Mas, quando a conta explode e ultrapassa os 50,0% de um lote, acompanhado de alta mortalidade o sinal vermelho piscante e sonoro agita a todos.
Esse grande surto aconteceu num boitel paulista, cujo gerente na hora que percebeu o tamanho da encrenca, chamou em caráter de urgência um veterinário ligado à Empresa. O confinamento recebeu do sul de Goiás 80 bois da raça Nelore e Brahman, um tanto magros (condição corporal 2,0/2,5 de no máximo 5), com pesos variando entre 380 kg a 400 kg. Segundo apurou o profissional, os animais tiveram um deslocamento longo (48 horas) do local até o centro de engorda, viajando parte do trajeto em estrada de terra.
Após chegarem ao centro de engorda, as rezes foram vacinadas contra clostridioses, vermifugadas e brincadas, indo direto para o confinamento, onde receberam a dieta padrão (milho moído, bagaço de cana, farelo de soja, e núcleo mineral + aditivos) com aumento gradual de alimentos energéticos durante os 14 dias de adaptação. Nos 3º e 4º dias de cocho ocorreu uma virada térmica com chegada de uma frente fria, que baixou a temperatura ambiente mínima para 8º C, acompanhada de garoa e ventos frios.
A partir do 7º dia de cocho, os “leitores de saúde” começaram a detectar diariamente o surgimento anormalidades em vários animais, que apresentaram os seguintes sintomas: isolamento do lote, menor ida ao cocho, dificuldade para respirar, e vários deles apresentavam tosse e corrimento nasal translúcido (secreção serosa). Nos dias seguintes, os casos se avolumaram e atingiram 55,0% do lote (44/80), ocorrendo morte de 13 deles (mortalidade 16,3%; letalidade 29,5%). Os animais com sintomas foram tratados aleatoriamente com um antibiótico, avaliado como inapropriado.
O veterinário detectou as seguintes alterações no exame físico dos doentes: síndrome febre (40º a 40,5º C); marcada dispneia (dificuldade respiratória); pescoço esticado, narinas bem dilatadas e pernas dianteiras bem abertas (posição ortopnéica); na auscultação pulmonar ficou evidente, bilateralmente, a respiração rude, silencio respiratório na região antero-ventral, estertores secos (chiados e crepitação) nas partes dorsais e posteriores dos pulmões. Na necrópsia detectaram-se áreas de consolidação nas áreas antero-ventrais dos pulmões, de coloração vermelha-enegrecida, ao qual ao corte apresentava hiperplasia de septos interlobulares, presença de secreção mucoide nos bronquíolos, severo enfisema intersticial e certo grau de edema nos lobos caudais e dorsais. Foi observado um pequeno grau de inflamação nas pleuras visceral e parietal. Não foram encontrados nos brônquios e bronquíolos espécimes de vermes (Dictyoculus viviparus), que poderiam provocar enfisema pulmonar.
Baseado nas condições que geraram alto estresse, nas mudanças meteorológicas, no surgimento de grande quantidade de casos (alta morbidade), alta transmissibilidade da doença, e nos achados clínicos e de necrópsia, o veterinário suspeitou de infeção inicial por vírus sincicial respiratório (VSR), seguido por infecção secundária por agentes oportunistas (Mannheimia haemolytica, Haemophilus somnus etc.). O profissional recomendou aumento de uma para três inspeções diárias dos “leitores de saúde” no lote, e que os animais com suspeita de doença fossem imediatamente retirados e isolados do piquete. Além disso, preconizou a imunização de todos os animais ainda sem sintomas, e dos lotes que estavam em piquetes próximos, com vacina intranasal que contêm vírus VSR vivo atenuado, e tratamento dos animais doentes com antibiótico apropriado, com essas medidas poucos casos novos surgiram a partir daí, estancando de vez o surto.
Várias condições provavelmente facilitaram esse surto de brônquio-pneumonia acima do esperado. Segundo se apurou posteriormente, estes animais nunca tinham sido vacinados contra problemas respiratórios. A longa e desgastante viagem certamente gerou estrese e aumentou a liberação de cortisol, que diminui a eficácia da principal célula de defesa dos pulmões (macrófagos alveolares), facilitando a penetração de agentes infecciosos, além de interferir na produção de anticorpos. Um estudo que realizamos num confinamento paulista identificou, que comparado com animais que não viajaram, que deslocamentos acima de 800 km aumentam o risco de brônquio-pneumonias em 3,8 vezes. Nesse mesmo estudo, constatamos que gado zebuíno têm 1,84 vezes maior risco de terem a doença, provavelmente por serem mais estressados que os taurinos, produzindo mais cortisol que estes últimos.
O alto grau de transmissibilidade da doença dentro do lote e as lesões nas regiões caudo-dorsais dos pulmões, reforçam a possibilidade do quadro inicial ser causado pelo vírus sincicial respiratório, surgindo posteriormente outros agentes bacterianos, visto que o primeiro agente facilita muito a penetração de bactérias oportunistas. Tudo sugere que esse lote nunca tinha entrado em contato com esse vírus, visto que a doença é mais intensa e mais rapidamente transmitida entre confinados nesta condição. O vírus pode ter sido contraído de algum animal do próprio lote ou de outros bovinos engordados de forma contígua. A literatura sugere que a principal fonte de transmissão da enfermidade é feita pelas gotículas nasais contaminadas com o vírus podem ser espalhadas pela tosse.
A queda na temperatura ambiente, ventos e garoa fria também deve ter favorecido o quadro, pois embora este vírus também ataca no período quente do ano, ele é mais caraterizado por se difundir nos períodos mais frios. Mesmo assim, constatamos em vários surtos em SP, que a baixa temperatura por si só parece ser um fator desencadeador de brônquio-pneumonia, quanto a temperatura mínima é inferior a 5º C a 6º C, numa virada de tempo em que no dia anterior a máxima atingiu 30º C ou mais, seguido de chuva e ventos frios.
Figura 1.
Posição ortopneica; dificuldade respiratória.
Fonte: Banco de imagens do autor.
Figura 2.
Pulmões: lobos craniais avermelhados-enegrecidos e lobos posteriores inchados.
Fonte: Banco de imagens do autor.
Figura 3.
Lobos caudais edemaciados e enfisematosos.
Fonte: Banco de imagens do autor.
Figura 4.
Foto ilustrativa da tosse espalhando gotículas.
Fonte: MSD
O veterinário de campo, associado ao professor de clínica de ruminantes de uma universidade paulista, descreveram um surto de dermatofilose em um rebanho de cria e recria de gado Nelore, do estado do Mato Grosso do Sul. Segundo o relato, foram acometidos cerca de 40 bovinos, vários deles mamando e boa parte deles desmamados. Os casos surgiram depois de uma prolongada seca na região, em que as pastagens estavam em condições ruins, seguida de intensas chuvas, em especial na primeira quinzena do mês de outubro, superando os 150 mm no mês.
Os animais apresentaram graves lesões na pele da cabeça, orelhas, pescoço, costado, traseira e cauda (figura 5). Essas lesões passaram cronologicamente por três estágios distintos: 1) inicialmente a aderência dos pelos, que ficavam emaranhados; 2) seguido de formação de crostas enegrecidas; 3) terminando com expansão em tamanho e altura (atingindo entre 0,5 e 2 cm) das crostas, tornando-se de alguma forma semelhantes a uma verruga. Nesse último estágio as crostas facilmente caíam e expunham a presença de úlceras rosadas com secreção amarelada. Não precisa dizer que a perda der peso foi notória, predispondo alguns animais a desenvolverem inclusive quadros de brônquio-pneumonia.
O tratamento foi inicialmente feito na própria fazenda, sem orientação técnica, com aplicação de um antibiótico com baixa eficácia contra a doença e lavagem dos animais com solução a base de sulfato de cobre, bastante contraindicado. O diagnóstico, feito pelos profissionais citados, se baseou nos aspectos clínicos da doença e no raspado de pele, que detectou pela presença da bactéria gram-positiva Dermatophilus congolensis, que se apresenta após corado uma forma de “trilho de trem” (figura 8). Os veterinários indicaram o tratamento dos doentes com um antibiótico apropriado e a melhora na nutrição mineral, em especial com maiores ofertas de zinco e fontes de nitrogênio, obtendo rápida cura nos casos mais leves e melhora gradual nos mais afetados.
Essa doença é relativamente comum em várias regiões subtropicais e tropicais do mundo, durante o período chuvoso e quente do ano, chamada popularmente em algumas regiões brasileiras como “mal das chuvas”. A pele normal evita a entrada das bactérias, principalmente pelo “sebo” produzido pelas glândulas cutâneas, mas o excesso de chuvas retira essa proteção, facilitando a entrada dos agentes. Pastagens sujas com presença de espinho facilitam também a penetração das bactérias. Dizem que a infestação por carrapatos poderia inocular a bactéria na pele, mas pessoalmente não acredito nessa possibilidade. Boa parte dos surtos que atendi, a doença estava ligada a má condição nutricional do gado, principalmente em gado que ficou em pastagens “rapadas”, durante o período seco do ano, sem ter recebido suplementação extra com fontes de proteína, como parece ter acontecido nesse surto em particular.
Ela é mais comum em bovinos jovens, mas também pode acometer os mais erados. Os zebuínos são mais acometidos que outras raças taurinas. Por aqui, boa parte dos surtos são em gado Nelore. Um pesquisador francês constatou a alta frequência da doença em certas linhagens de gado Brahma, na chuvosa ilha caribenha de Martinica, constatou que elas carregavam um gene que favorecia a instalação da enfermidade. Com a simples substituição dos reprodutores que não tinham o determinado gene, fez com a doença diminuísse de 70,0% para 5,0%. Falta um trabalho nacional para estudar a presença desse gene em de rebanhos de gado Nelore com a doença. Geneticistas e melhorista nacionais, ABCZ, mãos-a-obra!
Figura 5.
Quadro inicial: aderência de pelos.
Fonte: Banco de imagens do autor.
Figura 6.
Quadro intermediário: formação de crostas na pele.
Fonte: Banco de imagens do autor.
Figura 7.
Quadro muito evoluído
Fonte: Banco de imagens do autor.
Figura 8.
Imagem da bactéria corada com aspectos de trilho de trem.
Fonte: Banco de imagens do autor.
Antes de mais nada, o estranho nome da doença significa necrose (degeneração) do segmento cinzento do cérebro (pólio =cinzento; malácea = amolecimento ou necrose; encéfalo = cérebro). O veterinário de campo detectou cinco casos de polioencefalomalácea num lote de 130 bovinos de 8 a 12 meses de idade, com peso corporal entre 250 kg a 300 kg, numa propriedade no planalto catarinense. Os animais foram mantidos em pastagens naturais associadas ao azevém (Lolium multiflorum Lam.) e recebiam cerca de 3g/kg peso corporal de sal proteico-energético. Dois dias antes do início do quadro foi trocada a ração por outra marca comercial, mas a quantidade oferecida se manteve a mesma. Segundo o relato do proprietário, o primeiro garrote a apresentar a doença teve dificuldade para andar parecendo estar cego, cambaleou e caiu em um açude, sucumbindo a seguir. Um segundo desmamado, apresentou os mesmos sintomas e foi tratado contra tristeza parasitária, admitindo que o quadro fosse de babesiose nervosa (Babesia bovis), mas independente do tratamento, o animal morreu. Alguns dias após, outras três rezes da mesma categoria animal, apresentaram idêntico quadro, sendo chamado imediatamente o profissional.
Constatou-se que todos os animais apresentavam boa condição corporal. Dois garrotes estavam andando descoordenados, cambaleantes e em forma de círculos. Um exame mais detalhado constatou que ambos estavam cegos. O terceiro animal já apresentava o quadro mais evoluído, se encontrava deitado e apoiado na quilha, já com quadro depressivo e com contração dos músculos do pescoço, fazendo com que a cabeça ficasse voltada para cima, em posição de mirar estrelas (opistótono); o ranger dentes era muito evidente, apresentava alguma salivação (sialorreia) e tremor muscular. O profissional constatou também que o novo sal proteico-energético continha altos teores de enxofre (26 g de sulfato/ kg de produto), sendo que segundo a tabela de nutrição (NRC, 2016), garrotes com cerca de 294 kg podem receber no máximo 30 g de sulfato/dia. Frente ao quadro clínico e a quantidade de sulfato na ração, a suspeita do profissional foi de polioencefalomalácea, sendo que os doentes foram medicados com altas doses de tiamina (vitamina B1), associado ao uso de corticosteroide. Dois dos três bovinos reagiram muito bem e se recuperaram, mas o animal com quadro evoluído piorou, apresentando cegueira de origem central (amaurose) e ficou completamente sem comer, sendo realizado a eutanásia do mesmo.
Para evitar o surgimento de novos casos, foi suspenso o uso do novo sal proteico-energético e nos animais que mostraram algum grau de apatia, foi aplicado, por via intramuscular, uma dose de vitamina B1, não surgindo mais casos da doença.
A polioencefalomalácea é decorrente de lesão cerebral por carência de tiamina, excesso que substâncias que destroem essa vitamina no tubo gastrintestinal ou por excesso de sulfato (enxofre) na ração. A tiamina protege os neurônios da área cinzenta do cérebro, porém seus estoques são bem baixos no organismo. Nos ruminantes ela é produzida adequadamente pelas bactérias do rúmen. Em certas circunstâncias, em especial após quadro de acidose ruminal, há o crescimento de determinadas bactérias ruminais que produzem uma enzima (tiaminase) que destrói a tiamina. O excesso de sulfato na dieta é convertido no rúmen em sulfeto de hidrogênio (H2S), o qual é absorvido para o sangue e daí para o cérebro, onde entre outras coisas destrói a tiamina neste sítio.
A polioencefalomalácea é muito mais comum em bovinos desmamados que adultos, acometendo geralmente animais bem nutridos e que recebem rações concentradas ou alimentos e água ricos em sulfato. Têm-se descrito no Brasil surtos após mudança de rezes de áreas de pastejo ruins, para pastagem verdejantes e luxuriantes. Os capins temperados, incluindo o azevém, contêm maior quantidade de enxofre, na forma de sulfato, que as gramíneas tropicais, entre elas as braquiárias. Teoricamente, o uso exagerado de DDG (dried destilled grains) de milho para ruminantes jovens poderia facilitar o surgimento dessa doença, visto que é muito rico em enxofre (até 0,60 % S da matéria seca), porém, maiores estudos são necessários para comprovar isto. É esperar para ver!
Figura 9.
Sequência de fotos mostrando bovinos andando em círculo.
Fonte: Banco de imagens do autor
Figura 10.
Quadro evoluído: posição de mirar estrelas
Fonte: Banco de imagens do autor.
O veterinário ligado à Empresa de Nutrição atendeu um confinamento de bovinos da raça Angus, no município de Derrubadas RS, em que cerca de 80,0% dos animais apresentavam uma tosse relativamente seca e com mínima secreção nasal translúcida, com aspecto de clara de ovo, se acentuando logo depois da ingestão de alimento no cocho. Um exame (físico) mais detalhado dos pulmões, aparentemente não detectou nenhuma alteração maior, descartando-se a possibilidade de ser brônquio-pneumonia. A ração era constituída por 58,0% de milho bem moído (fubá), 14,0% de silagem de capim napier capiaçú, 15,0% de farelo de arroz, 9,0% de farelo de soja, 3,0% de núcleo mineral-vitamínico e 1,0% de ureia. O técnico também constatou que não era adicionado água ou qualquer agregador (glicerina, melaço etc.) na ração. O teste das peneiras (Pennsylvania State Separator), composto de três peneiras com diferentes malhas e uma última caixa coletora, identificou que uma quantidade significativa da ração passava por todas as três peneiras, indicando que o milho estava excessivamente triturado, seco e poeirento na caixa coletora. O veterinário também observou que na hora que o vagão distribuía a ração, levantava alguma poeira no cocho
Frente aos sintomas dos animais e a composição da dieta, o técnico suspeitou de tosse seca causada por oferecimento de ração poeirenta. Para a resolução do problema ele sugeriu a adição de 8,0% a 10,0% de água em relação ao peso bruto da ração, ´promovendo uma boa mistura, de no mínimo, cinco minutos. Realizou novamente o teste das peneiras da nova ração, que acabava de ser entregue no cocho, e verificou uma significativa diminuição na última peneira, indicando a agregação das partículas pequenas às maiores pela adição da água. Com essas medidas, a tosse na grande maioria dos animais sumiu em poucos dias, ocorrendo concomitantemente a diminuição da secreção nasal. Também percebeu uma ligeira melhora no ganho de peso da boiada. Essa tosse seca já foi citada em outros confinamentos brasileiros. Um levantamento paulista, feito em 2024, com os maiores nutricionistas dos confinamentos nacionais, indicaram que 30,6% empregam milho moído fino na engorda.
O reflexo da tosse protege as vias aéreas (narinas, cornetos, faringe, laringe e traqueia) e os pulmões da aspiração de partículas irritantes, incluindo a poeira e de certos gases químicos, e ajuda na eliminação de secreções acumuladas nestes locais. O reflexo se inicia por ativação do nervo vago eferente, quer seja pela presença de substâncias irritantes ou de inflamação nas vias aéreas e nos pulmões. No presente caso, a poeira da ração provocou esse reflexo de tosse, que foi acompanhada por uma leve secreção nasal serosa.
Figura 11.
“Teste das peneiras”: dedo indicando a caixa coletora.
Fonte: Banco de imagens do autor
Figura 12.
Bovinos do confinamento
Fonte: Banco de imagens do autor.
Figura 13.
Animal tossindo
Fonte: Banco de imagens do autor.
Segundo dados do ADAPAR (Agência de Defesa Agropecuária do Paraná), em levantamento de casos em frigoríficos submetidos à Inspecção Estadual, foram constatados casos de cisticercose bovina em animais abatidos em determinadas propriedades localizadas nos seguintes municípios: Ibiporã (20 positivos/70 abatidos; 28,5%); Castro (8/37 25,8%) Carlópolis (7/35; 20,0%) Braganey (20/100; 20,0%) Janiópolis (13/63; 20,0%; Ribeirão do Pinhal 28/147; 19,0%).
Esse levantamento feito nos frigoríficos é essencial para saber quais propriedades têm o problema, o qual deve ser acompanhado com um exame detalhado nas fazendas positivas para saber de onde se originou a infestação das rezes que culminou com a presença de cisticercos vivos ou calcificados na carcaça, com a devida eliminação das causas ou fontes de contaminação. A cisticercose penaliza duramente os pecuaristas que têm animais positivos, com a cobrança por parte dos frigoríficos (até 60,0% do preço do pagamento por bovino), por realizarem o tratamento térmico da carcaça. Além dessa penalização, a cisticercose poderá ser um futuro gargalo sanitário a ser imposto pelos países importadores de nossa carne, assim como aconteceu com a Índia que exportou carnes contaminadas com cisticercos para alguns países, incluindo o Egito, sofrendo sansões na importação.
Infelizmente, apenas um estado (MS) faz este trabalho completo de levantamento nos frigoríficos e tentativa de correção nas propriedades problemáticas. Contactei pessoalmente, em 2022, o MAPA para propor um programa nacional de controle de cisticercose bovina, assim como existe no combate à raiva, brucelose, tuberculose etc., a fim de orientar os estados a realizarem adequadamente este controle. No entanto, com a mudança de governo e da equipe do setor de Defesa Sanitária Animal do MAPA, foi sugerido apenas um grupo de trabalho sobre o tema, em que faço parte, e que não trouxe nenhum resultado prático. A cisticercose é um problema complexo e que toda cadeia pecuária, incluindo o MAPA, os frigoríficos, as Associações de Criadores e principalmente os serviços estaduais de defesa sanitária animal, deve estar envolvido, para a minoração dessa zoonose. Torço por uma mudança para valer em futuro próximo! Aguardemos!
Como previsto nesse RADAR, aumentaram os focos de raiva nas áreas alagadas recentemente no RS, em especial na região do Vale do Rio dos Sinos e região Centro-Sul do estado. Também continua com alta frequência de casos as regiões do Vale do Jaguari e das Missões, em que se acredita que foram invadidas por colônias de morcegos, contaminados com o vírus rábico, oriundos da fronteira com as bandas da Argentina. Os seguintes municípios gaúchos tiveram maior número de focos: Jaguari (6 focos); Alegrete, Caibaté, Encruzilhada do Sul (5 focos); São Miguel das Missões (4 focos); São Vicente do Sul e Cacequi (3 focos).
Apresentaram também casos de raiva propriedades nos seguintes municípios dos estados: AC: Mâncio Luna; PA: Muaná, na Ilha do Marajó; PI: Campo Maior e Piripiri; RN: Tangará; GO: Varjão; SP: Iguape; PR: Catanduvas, Campo Bonito, Curitiba, Guaraniaçu e Lindoeste.
Foi um prazer tê-lo como leitor!!