O dia 6 de dezembro de 2024, ficou marcado na história dos países que compõem dois importantes blocos econômicos do mundo, o Mercosul e a União Europeia (UE).
Em Montevidéu, no Uruguai, dirigentes sul-americanos e europeus firmaram um acordo histórico, que era esperado e vinha sendo negociado, entre idas e vindas, por mais de três décadas, desde o início dos anos 1990.
O acordo ainda não foi assinado – isso acontecerá uma vez que os textos negociados passem por uma revisão jurídica e sejam traduzidos para os idiomas oficiais dos países (os textos foram negociados em inglês).
O processo de revisão legal dos textos, que haviam sido negociados em 2019 e compõem a pauta central, está avançado. O anúncio em 6 de dezembro efetiva a conclusão das negociações entre os blocos.
A oferta realizada pelo Mercosul abrange ampla liberalização tarifária, com cestas de produtos submetidos a desgravação imediata ou linear ao longo de prazos que variam entre 4, 8, 10 e 15 anos.
A oferta da União Europeia também apresenta um escopo abrangente de liberalização, com cestas de produtos que terão desgravação imediata ou linear em prazos de 4, 7, 8, 10 e 12 anos.
Para o agronegócio, com destaque ao setor de carnes, o acordo traz pontos importantes. Na tabela 1, resumimos os produtos e como deverá ficar as condições de negociação com os países do Mercosul.
Tabela 1.
Resumo com produtos e situação de tributação para o acordo entre Mercosul e União Europeia.
Produto | O que prevê o acordo |
---|---|
Café | Exigência de que 40% do café verde e 50% do café solúvel sejam originários do Brasil. Para os três tipos de café (verde, torrado e solúvel), as tarifas, atualmente entre 7,5% e 11%, serão eliminadas de quatro a sete anos. |
Uvas frescas de mesa | Retirada imediata da tarifa de 11%, com livre-comércio. |
Abacates | Alíquota de 4% retirada em quatro anos. |
Limões e limas | Tarifa de 14% retirada em até sete anos. |
Melancias e melões | Alíquota atual de 9% eliminada em sete anos. |
Maçãs | Tarifa atual de 10% retirada em dez anos. |
Etanol industrial | Tarifas zeradas gradualmente, com cota de 450 mil toneladas sem tributo quando o acordo entrar em vigor. |
Etanol combustível e para outros usos | Tarifas zeradas gradualmente, com cota de 200 mil toneladas, com um terço da tarifa europeia (6,4 euros ou 3,4 euros a cada cem litros), com volume crescente em seis estágios até cinco anos após a entrada em vigor do acordo. |
Açúcar | Tarifas zeradas gradualmente, cota de 180 mil toneladas com tarifa zero e tarifas atuais, entre 11 euros e 98 euros por tonelada, sobre o que ultrapassar a cota. Cota específica de 10 mil toneladas para o Paraguai, com alíquota zero. |
Fonte: Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).
O governo brasileiro estima que, com o acordo, até 2044 o Produto Interno Bruto (PIB) terá um aumento de 0,34% - R$37,0 milhões - apenas em função do acordo entre os blocos comerciais.
Em 2023, a compra de carnes (bovina, suína e de aves) pela União Europeia representou US$1,1 bilhão – ou 4,7% do faturamento somado da exportação de carnes.
Em 2024, o bloco, até novembro, permitiu um faturamento de US$896,8 milhões – ou 4,0% do faturamento total da exportação de carnes.
No setor de carnes, destacamos a carne de frango e suína, cujos nossos vizinhos e parceiros de Mercosul, não são grandes produtores e exportadores – ou seja, esperamos que as cotas sejam preenchidas, majoritariamente, pelo mercado brasileiro.
Apesar da participação em volume relativamente pequena, frente ao total exportado – as exportações de carnes de frango e suína, para a União Europeia, representaram, respectivamente, 4,3% e 0,03% do total exportado pelo Brasil, em 2023 e em 2024, até novembro.
Destacamos o preço e, consequentemente, faturamento. A União Europeia paga, em U$/kg, mais que a média do mercado para as carnes bovina, suína e de aves do Brasil.
Em 2024, para se ter uma ideia, o preço médio da carne de frango e suína exportada foi, até novembro, respectivamente, 49,5% e 34,3% maior que a média. Para a carne bovina, o preço pago pelo bloco europeu foi 68,8% maior que o média.
Tabela 2.
Resumo das informações sobre a exportação de carne de aves, bovina e suína, para a União Europeia e todos os destinos, em 2024*.
Produto | Faturamento (US$, milhões) UE | Faturamento (US$, milhões) Geral | Volume (mil t) UE | Volume (mil t) Geral | Preço (U$/kg) UE | Preço (U$/kg) Geral | Var. %, preço UE |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Aves | 573,03 | 8.906,35 | 203,25 | 4.723,68 | 2,82 | 1,89 | 49,5% |
Bovina | 447,83 | 10.654,61 | 58,35 | 2.343,53 | 7,67 | 4,55 | 68,8% |
Suína | 1,13 | 2.591,89 | 0,35 | 1.085,97 | 3,21 | 2,39 | 34,3% |
*até novembro
Fonte: Secex / Elaboração: Scot Consultoria
Ou seja, bom para o Brasil, que deverá exportar mais, com uma taxa menor – ou até mesmo isenta.
No setor de carne bovina, o Brasil poderá aumentar a sua exportação para a União Europeia com a concretização do acordo.
Mas, há a ressalva de que hoje, no Mercosul, existem mais fornecedores potenciais para compor a cota de 99,0 mil toneladas com tarifa reduzida para 7,5% - Argentina, Uruguai e Paraguai são concorrentes do Brasil. É claro que, em volume, o Brasil destaca-se e, com isso, existe o potencial de aumento das vendas brasileiras.
Além disso, a Cota Hilton, acordo comercial que permite a exportação limitada de cortes de carne bovina de altíssima qualidade para a União Europeia (UE), cuja tarifa é de 20%, até volumes predefinidos para cada país – no caso do Brasil, o volume é de 8,9 mil toneladas anual –, passará a ter alíquota zero para até 10,0 mil toneladas a partir da assinatura do contrato.
Pode soar positivo, mas o Brasil nos últimos anos não chegou a usar toda a Cota Hilton – estima-se que o país tenha usado, deste mercado, apenas 30,0% do volume potencial. Considerando que Argentina e Uruguai utilizaram bem mais a sua parcela da Cota Hilton do que o Brasil, estimamos que a alíquota zero pouco influênciaa terá no mercado brasileiro.
Por outro lado, o destaque é para a exportação à União Europeia em geral (sem considerar a Cota Hilton), que em 2024, o Brasil exportou 58,4 mil toneladas de carne bovina in natura para o bloco.
Para a carne suína, sendo a União Europeia um dos principais produtores do mundo e pouco importador, o acordo pouco deverá inferir em mudanças.
O acordo é bom para o Brasil e, em nossa interpretação, deverá trazer impactos positivos, principalmente, para o mercado de aves.
Firmado o acordo, abre-se o espaço para que outros mercados, mais exigentes, passem a olhar com outros olhos para o Mercosul – e, principalmente, para o Brasil.
É bem verdade que deverão crescer as pressões ambientais e outros pontos relacionados ao protecionismo comercial, mas conhecendo o sistema produtivo e a legislação ambiental de nosso país, vale a briga.
É esperar para ver.