Entre 2008 e 2010, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social investiu cerca de R$ 10 bilhões em grandes frigoríficos
Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) atribuiu a uma "falha" da Casa Civil o choque entre duas políticas públicas do governo Lula. Nos dois últimos anos, o BNDES investiu bilhões em frigoríficos, contribuindo para o avanço da pecuária na Amazônia, na contramão da política de combate ao desmatamento.
Entre 2008 e 2010, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social investiu cerca de R$ 10 bilhões em grandes frigoríficos, como JBS, Bertin (que se fundiram) e Marfrig. A compra de participação acionária dessas empresas pelo banco pretendia consolidar a posição do País como principal exportador mundial de proteína animal.
O "complexo carnes" deveria se tornar o principal setor exportador do agronegócio brasileiro, segundo a Política de Desenvolvimento Produtivo do Ministério do Desenvolvimento. Na época, o governo já reconhecia a pecuária como o maior motivo do abate da Floresta Amazônica.
Faltou coordenação no governo para evitar trombadas entre as duas políticas, aponta o TCU. "Foram identificadas falhas na articulação e coordenação, a cargo da Casa Civil", entre os diferentes programas de governo. A Casa Civil era comandada à época por Dilma Rousseff, que não é citada pelo TCU. A ministra era, formalmente, a coordenadora de todos os programas do governo espalhados pelos ministérios. O próprio presidente da República, tão logo começou a campanha eleitoral, a apresentou ao eleitorado como sendo a segunda pessoa mais importante na estrutura de governança do País.
Questionada sobre a conclusão dos auditores, a Casa Civil argumentou que contribuiu para a redução do desmatamento na Amazônia. A taxa anual anunciada no fim de 2009 foi a mais baixa em 20 anos: 7,4 mil km2. ?Isso não significa que estamos satisfeitos. Precisamos continuar melhorando e sempre há espaço para isso?, disse a Casa Civil.
Na época do grande investimento em frigoríficos, relatórios oficiais mostravam que a pecuária dominava 80% das áreas desmatadas. Em 2006, a Amazônia concentrava a terça parte do rebanho nacional. Em 2007, o ritmo das motosserras voltara a crescer. Com recursos do BNDES, os frigoríficos reforçaram o avanço da pecuária na Amazônia: todos têm estabelecimentos industriais na região. "Como consequência, verificou-se que frigoríficos beneficiados pelo BNDES adquiriram gado de fazendas envolvidas com desmate ilegal e trabalho escravo", relata auditoria aprovada pelo TCU.
A auditoria avaliou a suspeita de que empréstimos e investimentos do BNDES estimularam o desmatamento ilegal na região. Os investimentos do BNDES em frigoríficos desde 2005 somaram R$ 12,7 bilhões. O tribunal avaliou também créditos do Banco da Amazônia e do Banco do Brasil, num total de R$ 31 bilhões, que alcança parte do crédito rural concedido na década.
No momento em que os auditores foram a campo, não foi constatado descumprimento da legislação ambiental. Mas o relatório lembra que a prova de regularidade por parte dos tomadores de dinheiro começou a ser exigida em julho de 2008. E que esse controle não verifica os documentos nem avalia os impactos na cadeia produtiva.
Só no fim de 2009 o BNDES passou a cobrar dos frigoríficos beneficiados que não comprassem gado de áreas desmatadas. Foi uma reação à pressão do Ministério Público do Pará contra o gado ilegal, que contou com o apoio de grandes supermercadistas. A reação do BNDES veio seis meses após um estudo da ONG Amigos da Terra ter identificado o avanço dos grandes frigoríficos na Amazônia, patrocinado por investimentos do banco.
Novas frentes - O avanço da pecuária em nova frente é a principal explicação disponível por ora no governo para o aumento do abate de florestas no Amazonas - único Estado que registrou crescimento do ritmo das motosserras entre agosto de 2009 e julho de 2010, no período de apuração da taxa oficial de desmatamento, comparado ao período anterior de 12 meses.
A taxa oficial deverá ser divulgada no mês que vem, e a expectativa é que o ritmo do desmatamento no País caia pelo segundo ano consecutivo. Mas dados preliminares do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o desmatamento no Amazonas aumentou 8% no período em que os demais Estados registraram queda.
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, pediu estudos detalhados para esclarecer se o aumento do desmatamento no Amazonas pode ter sido causado por estradas instaladas ou em processo de licenciamento no Estado, como a BR-317 e BR-319. Por enquanto, técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) consideram o avanço da pecuária em uma nova fronteira agrícola a hipótese mais forte.
Imagens de satélite mostram a degradação em níveis elevados de florestas nos municípios de Boca do Acre, Lábrea, Manicoré e Apuí. Em Apuí, o sistema de detecção do desmatamento em tempo real do Inpe, o Deter, captou o abate de 43 quilômetros quadrados de florestas. Mas o desmatamento pode ter sido ainda maior, porque o sistema não capta o abate de árvores em áreas menores.
Topo do ranking. O aumento do ritmo das motosserras no Amazonas não foi suficiente, no entanto, para tirar os Estados do Pará, Mato Grosso e Rondônia da liderança do ranking dos que mais desmatam no País.
Em 2010, o desmatamento no bioma deve ficar abaixo de 5 mil quilômetros quadrados, ou cerca de três vezes o tamanho da cidade de São Paulo, de acordo com expectativas preliminares. Se isso ocorrer será um recorde no período de apuração da taxa de desmatamento, iniciado em 1988.
O governo se comprometeu a reduzir o desmatamento na Amazônia em 80% até 2020. As informações são da edição de domingo do jornal O Estado de S. Paulo
Fonte: Agência Estado. 25 de outubro de 2010.