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Scot Consultoria

O boi, a água e uma oportunidade


Segunda-feira, 1 de março de 2010 - 11h24

Fonte: Célio Silva Júnior - Fazenda São Bento Dentre os inúmeros argumentos contrários à pecuária, geralmente fomentados por ONGs (organizações não governamentais), encontramos também a questão da água como variável proibitiva à pecuária de corte. Não é difícil encontrar opiniões, ou argumentos escritos, afirmando que em um bife existam 5 mil litros de água. Apesar do absurdo, muitos assimilam automaticamente a informação sem parar para pensar no quão incoerente ela é. Se assim fosse, cada churrasco daria uma enchente. Os mais sensatos não acreditam que os cinco mil litros de água estejam ali. Mesmo assim, equivocados da mesma maneira, acabam por acreditar que a produção daquele bife tenha gasto os cinco mil litros de água. Em defesa da pecuária, muitos se contrapõem a esta argumentação, dizendo que um bovino gasta, em média, cerca de 40 mil litros de água em sua vida. Considerando que seja abatido com 17,3@ e que renda 180kg de músculos (o que forma os bifes), o total de água gasto por bife de 300 gramas seria de cerca de 70 litros, ou próximos de 215 litros de água para cada quilograma de carne produzida. Este raciocínio também é incompleto e acaba por confundir mais do que esclarecer. A primeira fragilidade deste raciocínio se relaciona com a terminologia empregada. Os verbos “gastar” e “consumir” denotam extinção, fim, destruição, anulação, etc. E o uso da água, contrariando tais verbos, não a leva à exaustão. Pelo contrário, o uso da água ocorre dentro de um ciclo natural em que ela vai simplesmente mudando de lugar, participando de diversas reações e em estados físicos diferentes: líquido, gasoso e até sólido. A água estará no lençol freático, na capilaridade do solo, na planta, no bebedouro, no animal, nas excretas e na atmosfera, tenha ela sido evaporada ou transpirada. Depois, na forma de chuva ou granizo, retorna ao solo, iniciando novamente seu ciclo. Duvidar deste ciclo é questionar o próprio Lavoisier (1743-1794), considerado o criador da química moderna. É dele um dos enunciados mais famosos da química: “Na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma.” A água não se perde, não se gasta, não se exaure. Ela se transforma a todo momento. Cabe ao homem transformá-la com responsabilidade. Portanto, a produção de carne não gasta água; a produção de carne usa água. Por isso é preciso cuidado para que, na tentativa de defender a pecuária, não acabemos nos juntando aos falsos dados técnicos, difundidos por aqueles que ignoram as leis da química e da biologia, com o objetivo de descredenciar os benefícios da produção pecuária e do consumo de carne. Outra fragilidade do raciocínio, que aponta 215 litros de água para cada quilo de carne, é deixar de fora outros usos da água pela própria pecuária. A pecuária não usa apenas a água que o bovino ingeriu. A pecuária usa a água para a produção de alimentos que o boi irá consumir. Só em evapotranspiração das plantas a quantidade de água demandada para produzir um quilo de carne aumenta exageradamente. Evapotranspiração é a soma da evaporação da água do solo com a transpiração das plantas que estão sobre ele. Além da evapotranspiração das pastagens ou forragens em geral, é preciso incluir no cálculo também a água usada nas áreas agrícolas que produzirão os concentrados para alimentar os animais. Imaginem então a água ao longo de toda a cadeia agroindustrial da carne, desde a produção dos insumos até chegar ao consumidor final. Há necessidade de muita água para se produzir um quilo de carne. É por isso que a pecuária de corte é considerada uma das menos eficientes no uso da água, conforme os dados da tabela 1. Observe que, de acordo com o relatório da ONU (Organização das Nações Unidas), são necessários quase 16 mil litros de água para se produzir um quilograma de carne bovina. Tal número nos leva aos 5 mil litros por bife de cerca de 300 gramas. Novamente, vale ressaltar que essa água foi usada e não gasta. Pois bem, qualquer um que olhar para estes dados, sem o devido cuidado em interpretá-los, poderá incorrer em erro, muito comum, de que essa informação é negativa à pecuária brasileira. Acreditando nisso, a primeira reação é negar tais números, ou tentar descredenciá-los. Com isso o debate recai sobre a idoneidade de quem produziu a informação ou de como a pesquisa foi conduzida. Aí a pecuária brasileira perde o debate. Prato cheio para os “ongueiros” de plantão. Claro que é preciso questionar os dados, checar a veracidade, mas nunca duvidar sem conhecê-los. Essa é uma atitude típica de quem ataca a produção agropecuária e não de quem a defende. É preciso manter a linha tradicional de trabalho e de produção, com informações baseadas em fatos ou em pesquisas. Além de perder o debate, o setor pecuário perde a ótima oportunidade de justamente pressionar os países desenvolvidos a abrir maiores espaços para a carne brasileira. Todas as questões comerciais, políticas de subsídios, pressões ambientais ou sociais cobradas por países ricos, emanam da opinião pública de suas sociedades. O tempo todo o mundo vive um debate global, patrocinado por interesses comerciais. Não se trata de teoria de conspiração, trata-se de uma constatação. Basta ver as propagandas, as verbas das ONGs, as produções cinematográficas e as próprias conferências internacionais, como a COP-15, realizada em Copenhague (Dinamarca) no final de 2009. Vivemos um debate constante. Debate não se ganha apenas com bom senso. É preciso bom senso e comunicação. Pois bem, como a informação de que a carne bovina é recordista em má eficiência no uso da água poderia ser favorável ao Brasil? A resposta é mais simples do que parece. Essa informação é favorável justamente pelo fato de que o Brasil é o país que detém, individualmente, a maior porcentagem da água disponível ao ser humano em todo o planeta. Observe a distribuição global da água e da população em porcentagens (figura 1). O Brasil é de longe o país com maior disponibilidade de água por habitante. É, portanto, o mais apto de todos a produzir alimentos que demandam elevados volumes de água para a produção, como é o caso da pecuária de corte. É na explicação deste contexto que surge o conceito de “água virtual”, ou seja, cada quilo de carne bovina importada que um europeu consome, de certa forma ele está usando quase 16 mil litros de água de algum outro país. Se fosse produzido na Europa, haveria necessidade de usar essa água. No lugar de produzir um quilo de carne, a mesma água permite a produção de 99 quilogramas de batata ou 35,5 quilos de milho, por exemplo. Evidentemente, assim como no Brasil, a água na Europa também desenvolve seu ciclo. Mesmo assim, na mesma safra, há uma competição entre os produtos agropecuários pela água. Enfim, se haverá consumo de carne bovina no mundo, nada mais lógico do que ela ser produzida em regiões de menor competição por recursos. E o Brasil é uma dessas regiões, conforme ilustra a figura 1. Existe também a preocupação de que as informações falaciosas, contrárias à pecuária, reduzam o consumo de carne. O risco existe e é real, mas é preciso lembrar que em toda a história, à medida que a humanidade evoluiu, o consumo de proteínas de origem animal também aumentou. Ora como causa, ora como consequência do processo de evolução de humanidade. Por isso, sempre que houver recursos e disponibilidade de produto, o homem consumirá carne e outras proteínas animal. Vegetarianismo por opção é um luxo raro de uma minoria da população que nunca esteve próxima ou em contato com a fome, salvo exceções mais raríssimas ainda. Voltando à questão do uso da água com responsabilidade, maiores benefícios seriam colhidos pela humanidade se as ONGs se preocupassem em educar as populações urbanas a descartar seu lixo e a tratar seu esgoto. Claro que isto seria cobrado do cidadão comum, que está longe de querer arcar com tais custos. Isso também inclui aquele formador de opinião, com consciência ecológica, que vive na cidade. Melhor para ele é continuar colocando a culpa e o dedo nos olhos do agropecuarista, responsável por uma atividade que limpa a água que foi suja na cidade ou nas indústrias. Ou alguém conhece algum filtro melhor do que o processo de evapotranspiração?
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