Os setores da agricultura, de florestas plantadas e de bioenergia do Brasil entendem que a busca pelo desenvolvimento de “economias de baixo carbono” é uma meta central, no Brasil e no exterior, com o objetivo de lutar pela mitigação e adaptação aos efeitos das mudanças climáticas. Nesse sentido, a Aliança Brasileira pelo Clima: Agricultura – Florestas Plantadas – Bioenergia torna pública a sua posição sobre as negociações ligadas à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (doravante Convenção) e ações correlatas que o País precisa adotar nessa matéria, considerando e reconhecendo que:
- Os países desenvolvidos têm maior responsabilidade histórica pela concentração de gases causadores do efeito estufa (GEE) na atmosfera e, por isso, devem adotar metas internacionais ambiciosas no sentido de limitar o aumento da temperatura em no máximo 2°C;
- Os países em desenvolvimento devem assumir responsabilidade de redução significativa do crescimento de suas emissões futuras por meio de medidas efetivas de mitigação, em conformidade com o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas;
- As mudanças climáticas constituem um problema global que exige ações coordenadas e urgentes de todas as partes envolvidas, priorizando tecnologias de mitigação disponíveis, economicamente viáveis e de impacto no curto prazo;
- Os mecanismos de comércio de permissões de emissão são essenciais para o sucesso de qualquer regime internacional de mudanças climáticas, mantendo o custo total de ajuste da economia em níveis aceitáveis e promovendo tecnologias limpas ou pouco intensivas em carbono. Porém, o mercado de carbono não deve ser um fim em si mesmo, nem é a única solução no combate às mudanças climáticas e sua eficácia está vinculada à atuação do Estado no que se refere aos aspectos regulatórios e aos esforços de geração de sinergias positivas com políticas públicas nacionais e internacionais;
- O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto (MDL) é um passo importante para estabelecimento de projetos que visem reduzir emissões de GEEs, e tem elevada importância para o engajamento dos países em desenvolvimento nos esforços globais de mitigação. Entretanto, é imperativo aperfeiçoar seu funcionamento, o que exige: (i) reduzir os custos de transação, (ii) ampliar o seu escopo e (iii) avaliar a sua possível fusão ou interligação com mecanismos de mercado complementares, respeitando o princípio da irretroatividade para iniciativas existentes e sem prejuízo da integridade ambiental;
- O desenvolvimento responsável da agricultura, das florestas plantadas e de outros setores baseados em biomassa contribui de maneira especial para a mitigação das mudanças climáticas, na medida em que resultam em (i) sumidouros adicionais, por meio da captura, manutenção e aumento de estoques de carbono nos diversos ecossistemas terrestres, e principalmente em (ii) diferentes fontes de energia renovável (como o etanol, o biodiesel, as florestas plantadas, o carvão vegetal renovável e outras formas de biomassa) capazes de substituir vários combustíveis fósseis ou não-renováveis provenientes de desmatamento, favorecendo a redução de emissões de GEEs;
- Mais de 2 bilhões de pessoas em todo o planeta, sobretudo nos países em desenvolvimento, dependem da biomassa como fonte de matéria prima ou energia. Portanto, a promoção do uso de energias renováveis baseadas em biomassa é fundamental não só para os esforços de mitigação pelos países desenvolvidos e em desenvolvimento, mas também para a integração sustentável entre o desenvolvimento rural (uso da terra) e o desenvolvimento industrial (uso de biomassa como matéria prima ou energia), o que tem especial relevância para o combate à pobreza, ao êxodo rural descontrolado e para a promoção do desenvolvimento socioeconômico nesses países;
- O agronegócio representa 26% do PIB nacional e os setores aqui representados respondem por 16% das exportações brasileiras, ou US$ 31,4 bilhões, valor que supera o atual saldo da balança comercial brasileira. Além disso, o uso dos diversos tipos de biomassa, incluindo a cana-de-açúcar, as florestas plantadas e o carvão vegetal renovável, representa aproximadamente 28% de toda a matriz energética nacional, o que reflete o potencial desses setores para o desenvolvimento econômico, social e ambiental do País;
- O Brasil tem uma matriz energética limpa e sua contribuição para a concentração de GEEs na atmosfera é extremamente baixa em relação a maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. No entanto, grande parte das emissões brasileiras se refere ao desmatamento;
- Os setores aqui representados desenvolvem e disseminam práticas de produção responsáveis, mas são negativamente afetados pela imagem do Brasil no exterior, em função do alto nível de emissões provenientes de desmatamento na Amazônia. É preciso destacar que esse fato tem impactos diretos no acesso de seus produtos a mercados consumidores importantes;
- O aumento da produtividade das diversas culturas brasileiras e a disponibilidade de áreas agricultáveis antropizadas, inclusive de áreas degradadas, dispensam a necessidade de conversão de florestas nativas para fins agroindustriais;
O posicionamento da Aliança Brasileira pelo Clima: Agricultura – Florestas Plantadas – Bioenergia é dividido em dois pilares: (a) recomendações ligadas ao regime internacional que deverá ser definido pelas negociações no âmbito da Convenção do Clima; e (b) recomendações para ações no plano interno.
Negociações sobre o regime internacional de mudanças climáticas
1. A Aliança Brasileira pelo Clima apóia a meta de redução de emissões de GEEs até 2020 de, no mínimo, 40% em relação aos níveis de 1990, para os países Anexo I, signatários ou não do Protocolo de Kyoto, nos termos da proposta apresentada pelo G-77 / China;
2. O futuro acordo internacional deverá priorizar a adoção de tecnologias de mitigação já disponíveis, economicamente viáveis e de impacto no curto prazo, principalmente considerando a necessidade de cumprimento das metas dos países desenvolvidos;
3. A adoção de compromissos voluntários pelos países em desenvolvimento, na forma de Nationally Appropriate Mitigation Actions – NAMAs, mensuráveis, reportáveis e verificáveis é essencial para viabilizar a redução significativa das emissões de GEEs, incentivar a adoção de boas práticas que favoreçam a transição para uma economia de baixo carbono, e, conseqüentemente, para o cumprimento dos objetivos da Convenção do Clima;
4. É importante considerar a possibilidade de que alguns tipos de NAMAs específicos (ou outro mecanismo), definidos a partir de linhas de base pré-determinadas, sejam concebidos com vistas a gerar créditos de reduções de emissões para cumprimento parcial das metas dos países do Anexo I, desde que as reduções sejam mensuráveis, reportáveis e verificáveis, e impliquem metas mais ambiciosas por parte dos países do Anexo I;
5. Tendo em vista a importância das atividades agrícolas, de florestas plantadas e de
bioenergia para as políticas de mitigação das mudanças climáticas em países em desenvolvimento, é fundamental que as atividades relacionadas ao uso da terra, à mudança do uso da terra e às florestas (LULUCF), bem como o uso de biomassa como fonte de energia renovável, tenham destaque no desenvolvimento de NAMAs;
6. É fundamental incluir políticas e medidas que assegurem a redução das emissões por desmatamento e degradação com a maior brevidade possível. Para tanto, é essencial a criação de um mecanismo de Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação (REDD), incluindo o papel da conservação, manejo sustentável de florestas e o aumento dos estoques de carbono nas florestas (REDD plus), nos termos do parágrafo 1(b)(iii) do Plano de Ação de Bali;
7. Os mecanismos de REDD e REDD plus devem ser baseados em um sistema misto, que inclua o financiamento voluntário de países desenvolvidos e mecanismos associados ao mercado, a partir de incentivos e contrapartidas econômicas. Deve-se garantir que tais incentivos contemplem diretamente os agentes responsáveis pelas reduções, como populações tradicionais e proprietários rurais em regiões elegíveis;
Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)
8. Facilitar e otimizar o processo de definição de cenários de linha de base e de cumprimento com os critérios de adicionalidade, sem prejuízo da integridade ambiental do Protocolo de Quioto, por meio do desenvolvimento de ferramentas e metodologias mais simples, eficazes e customizadas em nível setorial. É fundamental reconhecer que ainda existem falhas significativas na regulamentação do atual sistema, e falhas de mercado em países em desenvolvimento, que impedem análises financeiras consistentes. Esses e outros entraves dificultam o desenvolvimento legítimo de projetos e programas adicionais de mitigação, a promoção do uso mais eficiente e a expansão do uso de combustíveis renováveis, sobretudo as diversas formas de energia derivadas de biomassa;
9. Facilitar e estimular o desenvolvimento de Programas de atividades de projetos (PoA) e de projetos em nível setorial no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), com os objetivos de reduzir custos de transação, aumentar o número de projetos, e de contribuir para a viabilização de projetos de menor escala, tendo em vista a necessidade de se incrementar a eficácia do MDL em relação ao objetivo duplo de geração de reduções de emissões certificadas e de contribuição ao desenvolvimento sustentável em países em desenvolvimento;
10. É essencial considerar que projetos de florestamento e reflorestamento (F/R) no âmbito do MDL têm especial relevância para a recomposição florestal, para o aumento de estoques de carbono e para a promoção do desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, é fundamental que o MDL continue contemplando atividades de F/R nos próximos períodos de compromisso, e que todos os países do Anexo I, especialmente os países da União Européia, reconheçam a importância supracitada, por meio da isenção de quaisquer restrições de comercialização aos créditos florestais, sem prejuízo dos riscos de nãopermanência e da integridade ambiental. Mais do que as dificuldades metodológicas para tratar o risco de não-permanência, os principais entraves para o desenvolvimento de projetos de F/R derivam da falta de liquidez no mercado resultante das barreiras praticadas pela União Européia;
11. Para garantir a integridade ambiental e a credibilidade do sistema, é fundamental que o risco de não-permanência seja devidamente levado em consideração no desenvolvimento de projetos de F/R no MDL, o que pode ser tratado conforme o atual princípio de créditos temporários ou, preferencialmente, por meio de um sistema em que créditos florestais tenham como base os mesmos atributos das demais Reduções de Emissões Certificadas, desde que: (i) exista um monitoramento periódico sobre as possíveis variações de estoques de carbono; (ii) que as organizações ou os países envolvidos nas transações de compra ou venda dos créditos se responsabilizem pela reposição dos referidos créditos, caso haja qualquer diminuição nos estoques florestais, e (iii) que os riscos de não-cumprimento das obrigações de reposições por agentes privados sejam cobertos por mecanismos de garantia como, por exemplo, o desenvolvimento de seguros e re-seguros;
12. Permitir no âmbito do MDL a implementação de projetos de florestamento e reflorestamento em áreas que continham florestas plantadas em exaustão em 31 de
Dezembro de 1989 e antes da implementação do projeto, que seriam colhidas independentemente do MDL em função de ciclos de colheita, com o objetivo de ampliar a quantidade de áreas disponíveis para a implementação de diversos tipos de projetos de F/R em áreas previamente cultivadas;
Ações do governo brasileiro
Além das recomendações acima, centradas nas negociações no plano da Convenção, é essencial que o governo Brasileiro adote outras ações em direção a uma economia de baixo carbono. Nesse sentido, a Aliança apresenta suas recomendações nos seguintes termos:
1. As ações de mitigação brasileiras devem ser prioritariamente pautadas pela diminuição do desmatamento e os compromissos de redução de desmatamento, assumidos no Plano Nacional sobre Mudanças do Clima, de fato implementados e registrados internacionalmente como NAMAs no âmbito da Convenção;
2. O Brasil deve desenvolver uma ampla Política Nacional sobre Mudanças Climáticas, incluindo aspectos de mitigação e adaptação, a partir dos seguintes pontos estruturais: (i) as necessidades futuras de crescimento e desenvolvimento do país; (ii) o envolvimento efetivo dos ministérios responsáveis pela gestão da matriz energética brasileira e produção industrial, para evitar contradições nas diferentes políticas públicas; (iii) a necessidade de aceleração da definição do zoneamento ecológico-econômico federal, (iv) incentivos para a produção e o consumo de matérias-primas e fontes de energias renováveis; (v) a necessidade de se incrementar o processo de consulta aos diversos setores da economia brasileira e (vi) atribuição de competências a estados e municípios, para que os mesmos possam legislar e formular políticas públicas regionais e locais de acordo com suas circunstâncias específicas;
3. A formulação de políticas públicas de mitigação deve privilegiar incentivos que não prejudiquem a competitividade e o crescimento da economia brasileira como, por exemplo, mecanismos de comércio de reduções de emissões, uma vez que tendem a racionalizar os custos de ajustes da economia nacional, incentivando tecnologias limpas e renováveis. Mecanismos relacionados à taxação sobre emissões devem ser evitados por serem menos eficientes e mais prejudiciais a economia;
4. É fundamental e urgente promover a interligação das políticas públicas vigentes e geridas no âmbito dos Ministérios (MDIC, MAPA, MME, MCT, MMA e MRE) com os atuais mecanismos internacionais de mitigação no âmbito da Convenção e do Protocolo de Kyoto, sobretudo o MDL. É necessário reforçar a estrutura orçamentária da Secretaria Executiva da Comissão Interministerial sobre Mudanças Climáticas, para que não se restrinja à aprovação ou reprovação de projetos de MDL. Assim, a Secretaria Executiva poderá atuar de maneira pró-ativa na geração de políticas de fomento à utilização do MDL e de outros instrumentos eventualmente criados no âmbito da Convenção, à luz das circunstâncias específicas da estrutura econômica brasileira e de seus diferentes setores;
5. O processo de consulta entre os diferentes setores da economia brasileira e o Ministério das Relações Exteriores deve ser incrementado, além das reuniões preparatórias para as COPs. O referido processo precisa ser urgentemente intensificado e sistematizado, por meio da criação de um mecanismo permanente de consulta sobre as negociações internacionais, para que o País aprimore a identificação e a defesa de seus interesses. O setor produtivo tem acesso a informações estratégicas que podem ajudar substancialmente na identificação de eventuais ameaças e oportunidades inerentes às negociações internacionais sobre mudanças climáticas;
6. Considerando a relevância da utilização de matérias-primas e energias renováveis derivadas da biomassa para a mitigação das mudanças climáticas, e a crescente importância de sistemas nacionais de comércio de emissões em outros países, é essencial que o Brasil tenha uma estratégia pró-ativa de negociações bilaterais, por exemplo, com Austrália, Canadá, Estados Unidos, Japão, Rússia, Nova Zelândia e União Européia. Apesar da natureza global do problema, a política externa brasileira sobre as mudanças climáticas não deve restringir-se ao nível multilateral;
7. O governo brasileiro deve combater tentativas de imposições de Carbon Border Adjustment Taxes (sobretaxação para produtos importados baseada em emissões de GEE) a fim de evitar que medidas dessa natureza sirvam como barreiras comerciais aos produtos brasileiros. Por outro lado, é importante o incentivo ao comércio de produtos renováveis e que promovam a mitigação das mudanças climáticas;
8. Considerando as vulnerabilidades às mudanças climáticas de diversas comunidades, ecossistemas e das próprias atividades agrícolas e florestais (fontes de alimentos e biomassa), é importante que o Brasil dedique maior atenção às questões de adaptação. Para tanto, deve atuar de maneira pró-ativa na regulamentação e no aproveitamento do fundo de adaptação constituído na Convenção, desenvolvendo e incentivando pesquisas e sistemas preventivos para os efeitos adversos das mudanças climáticas.
Entidades que participam da Aliança Brasileira pelo Clima: Agricultura – Florestas plantadas – Bioenergia
ABAG – Associação Brasileira de Agribusiness
ABAG/RP – Associação Brasileira do Agronegócio da Região de Ribeirão Preto
ABIOVE – Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais
ABRAF – Associação Brasileira de Produtores de Florestas Plantadas
ABTCP – Associação Brasileira Técnica de Celulose e Papel
ALCOPAR – Associação de Produtores de Álcool e Açúcar do Estado do Paraná
ARES – Instituto para o Agronegócio Responsável
BIOSUL – Associação dos Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul
BRACELPA – Associação Brasileira de Celulose e Papel
ICONE (apoio técnico) – Instituto de Estudos do Comércio e Negociações
Internacionais
ORPLANA – Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil
SIAMIG – Sindicato da Indústria de Fabricação do Álcool no Estado de Minas Gerais
SIFAEG – Sindicato da Indústria de Fabricação de Álcool do Estado de Goiás
UNICA – União da Indústria de Cana-de-açúcar