Para que se possa melhor compreender o debate sobre o Cdigo Florestal e o parecer do deputado Aldo Rebelo necessrio analisar o trabalho de ONGs nacionais e internacionais que atuam fortemente no Congresso e entre os formadores de opinio.
Apesar de sua aura de politicamente corretos, representam interesses concretos, mormente de pases do Primeiro Mundo que competem com o Brasil e gostariam de ter maior ingerncia em nossos assuntos. Agricultura, pecuria, agronegcio e energia ficariam com eles, enquanto ns deveramos cuidar de nossas florestas. Se a posio deles prevalecer, o Pas se tornar um grande museu ambiental, um zoolgico de luxo, enquanto eles se dedicaro s atividades produtivas. Economia de mercado protegida para eles, atraso para ns.
Observe-se, ademais, que essas ONGs, de "direita" e de "esquerda", atuam como verdadeiros lobbies, fazendo valer seus interesses. Seria interessante que fosse aprovada uma lei de regulamentao da atuao de lobbies, em que algumas condies bsicas seriam estabelecidas: 1) Quem so seus dirigentes? 2) Quem so seus apoiadores e financiadores? 3) Quais so os seus respectivos oramentos? 4) Quanto ganham seus executivos e operadores? Trata-se de uma questo bsica de transparncia, para alm do palavreado de defesa da "humanidade".
Alis, a "humanidade" deles bastante curiosa, pois o que vale para ns no vale para eles. Em nosso Cdigo Florestal atual existe a "reserva legal", pela qual toda terra cultivvel deve preservar, de florestas e biomas nativos, no Sul, 20% da rea; no Cerrado, 35%; e na Amaznica, 80%. Ora, esse instituto no existe nos EUA e na Europa. Eles no so obrigados a preservar nada, poluem o planeta com seu estilo de vida e exigem que nosso pas seja preservacionista. Os pases de Primeiro Mundo devastaram praticamente todas as suas florestas nativas.
Vejamos alguns desses movimentos e ONGs.
O WWF Brasil, ONG sediada nos EUA, tem fortes financiadores e apoiadores, contando com grande equipe. Sua atuao no Brasil, alm de militar contra a reviso do Cdigo Florestal, situa-se nas reas de infraestrutura e agricultura. contra a construo do Terminal Porturio de Morrinhos (MT), do Terminal Porturio da Bamin, do Porto Sul (BA) e a soja produzida no Pas.
O Greenpeace, ONG cada vez mais acusada de fraudes na Europa e de utilizao dos recursos coletados para seus dirigentes, contra a construo da Hidreltrica de Belo Monte, os transgnicos, a pecuria na Amaznia, alm de ser evidentemente contra a reviso do Cdigo Florestal. Seus financiadores e apoiadores so expressivos.
O Instituto Socioambiental (ISA), ONG ambientalista e indigenista, alm de ser contra a reviso do Cdigo Florestal, contra a construo de hidreltricas, centrando seus ataques em Belo Monte. Seus apoiadores e financiadores se dizem defensores dos "povos da floresta". Dentre eles, alm de empresas e fundaes, temos governos estrangeiros.
O Centro de Apoio Scio-Ambiental (Casa), por sua vez, segue a orientao da Teologia da Libertao, no sentido de promover, inclusive, movimentos de criao no Pas de "naes indgenas". Alm de suas aes contrrias reviso do Cdigo Florestal, o Casa posiciona-se contra a construo de hidreltricas, em particular a de Belo Monte. Procura igualmente condicionar os financiamentos do BNDES s suas prprias condies, evidentemente apresentadas como de "preservao da natureza". Seus apoiadores internacionais so importantes, misturando-se igrejas, empresas, ONGs e fundaes.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), brao do MST, alm de contrrio reviso do Cdigo Florestal, contra a transposio do Rio So Francisco e a construo das hidreltricas em geral. Centra suas aes nos projetos de Jirau e Santo Antnio, no Rio Madeira, de Belo Monte, Riacho Seco e Pedra Branca, na Bahia, e de Itapiranga, na fronteira do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, entre outras.
J a Via Campesina-MST atua tambm contra a reviso do Cdigo Florestal, os transgnicos, o agronegcio, a cultura de cana-de-acar e a produo de etanol, as florestas de eucaliptos e a cultura da soja. Ademais, tem forte atuao junto aos movimentos indigenistas e quilombolas.
A Conservation International tem vasta atuao internacional, est presente no Peru, no Equador, na Selva Lacandona (Mxico), centro operacional dos "zapatistas". No Brasil, posiciona-se contra a reviso do Cdigo Florestal e a agricultura em Minas Gerais e na Bahia, por meio da ampliao em 150 mil hectares do Parque Nacional Grande Serto Veredas. contra a construo do Terminal Porturio da Bamin, do Porto Sul (BA) e do traado final da Ferrovia de Integrao Leste-Oeste (Fiol). Tem fortes apoiadores empresariais, de fundaes e governos estrangeiros.
A Amigos da Terra, forte ONG internacional, tem entre seus fundadores Brice Lalonde, que foi ministro do Meio Ambiente de Mitterrand. Ele chegou a declarar que o Brasil deveria "renunciar a parcelas de sua soberania sobre a regio amaznica". Destaca-se na Europa por sua campanha contra o etanol brasileiro.
A lista apresentada no , evidentemente, exaustiva, mas permite um olhar um pouco mais abrangente sobre os interesses em jogo. Todos lutam pela preservao da "reserva legal", isentando-se de qualquer ao do mesmo tipo em seus pases de origem.
Se no fossem hipcritas, deveriam usar os mesmos critrios. Fica uma sugesto: o Brasil poderia comprometer-se com o "desmatamento zero" e essas ONGs, com todos os seus recursos e apoiadores, deveriam comprometer-se com a criao da "reserva legal" nos EUA e na Europa, com a recriao de "florestas nativas". Utilizariam todo o conhecimento e tecnologia de suas grandes universidades.
Poderiam comear com 20%, o mnimo existente no Brasil. Mostrariam sua verdadeira vocao ambiental e planetria.
Denis Lerrer Rosenfield
denisrosenfield@terra.com.br
Texto publicado no jornal O Estado de S. Paulo na segunda-feira, 5 de julho de 2010, pgina 2.
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