Todo mundo reconhece que o Brasil tem as melhores credenciais do planeta para a proteo do meio ambiente e o desenvolvimento da agropecuria. Basta dizer que nas duas ltimas dcadas nossas reas protegidas mais do que duplicaram, chegando hoje a 175 milhes de hectares. Nesse mesmo perodo, a produtividade total na agricultura brasileira cresceu 5% ao ano, ante menos de 2% ao ano na maioria dos grandes produtores agrcolas, incluindo os EUA.
S que, infelizmente, em vez de buscar a plena conciliao entre o desenvolvimento agrcola e a proteo ambiental, estamos contrapondo esses dois gigantes de forma absurda. O maior exemplo a interpretao que vem sendo dada ao Cdigo Florestal Brasileiro, fruto de dezenas de alteraes desde a publicao da lei em 1965, at por medida provisria que foi reeditada nada menos que 67 vezes! Essa interpretao vem gerando inacreditvel insegurana no campo sem conseguir induzir a preservao ambiental.
Exemplos dos problemas que se somam neste momento so:
1) Risco de perda de enormes reas de terras frteis, com grande aptido agrcola, cultivadas h mais de um sculo nas Regies Sul, Sudeste e Nordeste, o que pode levar ao aumento dos custos de produo e dos preos da terra;
2) impedimentos ao licenciamento e regularizao ambiental e limitao ao acesso a linhas de crdito com bancos;
3) gigantesco passivo judicial e a criminalizao em massa de produtores rurais;
4) imensa confuso jurdica, falta de clareza nas regras de aplicao e cumprimento do cdigo e continuidade do desmatamento descontrolado.
Desde 2005 diversas tentativas para solucionar as imperfeies mais nefastas do Cdigo Florestal foram conduzidas por ministros da Agricultura e do Meio Ambiente, parlamentares e representantes da sociedade civil. Por inmeras vezes quase se chegou a um acordo mnimo aceitvel, fracassado pela falta de coordenao das partes envolvidas e pelo foguetrio de factoides miditicos que apenas causaram mais fumaa, radicalizando o debate.
Olhando para o que est sobre a mesa e para o conceito de sustentabilidade no sculo 21 - traduzido na difcil combinao entre eficincia econmica, responsabilidade ambiental e equidade social -, um Cdigo Florestal moderno para o Brasil seria aquele que incorporasse as seguintes premissas:
Compensao das reservas legais no bioma - Reservas florestais legais referem-se obrigao de recompor a vegetao nativa em 20% da rea de cada propriedade agrcola na maioria do territrio nacional, 35% nos cerrados da Amaznia Legal e 80% na floresta amaznica, uma exigncia que no encontra paralelo em nenhum pas. Sem entrar nesse mrito, que torna o Brasil a nao mais preservacionista do planeta, a questo que se coloca se no faz mais sentido formar grandes aglomeraes florestais no bioma, em vez de se buscar a tarefa irracional de recompor "ilhotas desconectadas" de vegetao em cada propriedade. Essa alternativa criaria incentivos econmicos que trariam ganhos efetivos ao meio ambiente, gerando renda para a floresta "em p", desenvolvendo um mercado eficiente de compensaes ambientais e reduzindo o custo para os produtores rurais. o caso da Cota de Reserva Ambiental e dos mecanismos de servido florestal, ambos negociveis no mercado, que poderiam gerar uma verdadeira revoluo ambiental no Pas, especialmente aps a indicao das reas prioritrias de conservao pelo poder pblico.
Restaurao das reas de preservao permanente (APPs) nas propriedades - Trata-se do princpio da restaurao plena das matas ciliares e outras APPs, definidas pela geografia de cada propriedade (nascentes, cursos d"gua, reas com alto declive, etc.). Essa restaurao seria incentivada pela possibilidade do cmputo das APPs na rea da reserva legal e pela remunerao dos servios ambientais, desde que elas fossem devidamente recuperadas e que isso no permitisse novos desmatamentos. Claro que essa soluo tambm deveria respeitar casos clssicos de ocupao sustentvel, como o caf e a ma no topo e encostas de morros, o arroz irrigado de vrzea, o boi pantaneiro e outros.
Respeito lei vigente no tempo - Parece desnecessrio, mas sempre preciso reafirmar o princpio constitucional de que a lei no pode retroagir no tempo, ou seja, no se pode obrigar algum a recuperar algo que foi removido quando era permitido ou mesmo estimulado pela lei. Essa interpretao do Cdigo Florestal pode ser comparada a uma norma absurda que obrigasse todos os prdios urbanos j construdos na cidade de So Paulo a terem, no mximo, cinco andares, cabendo unicamente aos proprietrios atingidos adequar-se lei, sem nenhuma indenizao.
Essas premissas foram incorporadas pelo relatrio do deputado Aldo Rebelo, que deveria estar sendo analisado pelo Congresso neste momento. Entendo que a existncia de pontos polmicos no relatrio no desmerece o trabalho realizado e no justifica a recusa de uma negociao no curso de sua votao, momento legtimo para a participao dos representantes eleitos pela sociedade. O fato que solues simples podem ser encontradas para melhorar o Cdigo Florestal, desde que as pessoas efetivamente leiam os documentos em pauta despidas de preconceitos e posies apriorsticas, buscando solues concretas e adotando a racionalidade e o bom senso como norte.
Deixar de votar o relatrio este ano significa um novo retorno estaca zero com a nova legislatura, agravando a confuso e os conflitos no campo e nas florestas brasileiras em 2011, com insegurana jurdica, disputas judiciais e desmatamento descontrolado.
Poderamos j ter entrado no sculo 21 nessa matria e estar neste momento efetivamente concentrados em produo e exportao agrcola combinadas com conservao e restaurao de florestas, seguindo a vocao bvia ululante do Brasil.
Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S. paulo, edio de 01 de dezembro de 2010.
<< Notícia Anterior
Próxima Notícia >>