O maior dilema da humanidade, j nos dias de hoje e cada vez mais no futuro, o de continuar aumentando a produo de alimentos para atender a uma demanda crescente, sem que a agropecuria avance sobre reas nativas e sem degradar o meio ambiente.
A FAO estima que at 2050 a produo de alimentos dever ser dobrada em relao de 2000 para atender a demanda mundial. Segundo Lopes et al., (2010), em 1990, quando a populao mundial alcanou 5,2 bilhes de habitantes, a produo mundial de alimentos foi de 2 bilhes de toneladas, mas esta dever atingir 4 bilhes de t. no ano de 2025 para alimentar uma populao mundial estimada em 8,3 bilhes de habitantes.
Os fatores que tm concorrido para traar este cenrio so os seguintes: crescimento da populao mundial a uma taxa de 1,25% ao ano; alm do crescimento da populao mundial a renda per capita dever dobrar nos pases em desenvolvimento, passando de US$1.080 em 1995, para US$2.217 em 2020; crescimento econmico acelerado da sia, Rssia e Europa Oriental. A China, com 1,3 bilho de habitantes cresceu em mdia 9,5% nos ltimos 20 anos, enquanto a ndia, com 1,1 bilho de habitantes, cresceu 9,2% em 2007; a taxa de crescimento da economia mundial foi em mdia 4,75% entre 2004 e 2007, o maior dos ltimos 30 anos.
A China j consome 19% da produo de gros do mundo, e consumir 41% por volta do ano 2031. Em 2030, este pas precisar importar 200 milhes de toneladas de gros, total exportado mundialmente em 2007 para mais de 100 pases. H sete anos consecutivos que os estoques mundiais de alimentos vm caindo de 130 dias (em 2000) para 55 dias (em 2007). Os estoques de milho e de trigo foram os menores dos ltimos 24 e 60 anos, respectivamente.
A demanda por produtos de origem animal no tem sido diferente. O consumo de carne per capita na China saltou de 20 kg em 1995 para 50 kg em 2007, enquanto que o de leite passou de 4 litros, em 2001, para 13,5 litros, em 2006. A demanda mundial de carne bovina tem aumentado numa mdia anual de 350 mil toneladas.
A produo de alimentos enfrentar cada vez mais uma competio acirrada com outras atividades de explorao da terra. A maior ameaa considerada pela FAO o uso do solo para a produo de culturas destinadas produo de biocombustveis. At 2020 pases da UE, a China, os EUA e o Brasil, substituiro os combustveis convencionais pelo biocombustvel em propores de 10 a 25%.
A rea ocupada com reflorestamento tambm crescer devido crescente demanda para a produo de energia. Entretanto, a terra agricultvel no passar dos atuais 1,5 bilho de hectares at 2050, o que causar uma reduo na rea agricultvel per capita de 0,23 ha/habitante para 0,16 ha.
Segundo a FAO, de todo o aumento na produo de alimentos entre 1993 e 2020, apenas 20% viro da incorporao de reas naturais em reas de produo e que os 80% restantes viro das reas j exploradas atualmente, indicando a necessidade de se incorporar mais tecnologia dentro dos sistemas de produo.
Nesse contexto, a contribuio de fertilizantes para a produo agrcola dever, obviamente, aumentar. Estudos realizados pela equipe da FAO indicaram que, no inicio da dcada, a aplicao de fertilizantes contribuiu com 43% dos 70 milhes de toneladas de nutrientes removidos pela produo agrcola global. No futuro, para suprir a demanda crescente por alimentos, essa contribuio deveria ser de 84% (MARTHA JUNIOR; VILELA; SOUSA, 2010).
No Brasil no tem sido e no ser diferente apesar de ser um dos nicos pases do mundo com uma rea de 104 milhes de hectares de reas nativas com potencial agrcola disponveis para a incorporao de atividades econmicas. A competio pelo uso do solo j uma realidade. Entre os censos agropecurios de 1996 e 2006, a pecuria perdeu 5,36 milhes de hectares de pastagens, enquanto as reas ocupadas por matas/florestas e por lavouras, tiveram um crescimento de 5,59 milhes e 34,9 milhes de hectares, respectivamente.
Alm da competio pela terra entre diferentes atividades econmicas, parte da rea agricultvel hoje dever ser substituda por reservas legais (20% da rea total nas regies Sul, Sudeste e Nordeste, 35% no bioma Cerrado; 80% no bioma Amaznico e 50% na transio para este ltimo bioma) e reas de preservao permanente para a eliminao de passivos ambientais.
Diante deste cenrio um dos reflexos esperados ser o aumento significativo do valor da terra agricultvel. Uma concluso aceitvel desta rpida anlise que a explorao da terra dever ser intensificada atravs da adoo de tecnologia.
Pergunta-se, como a pecuria brasileira (leia-se, as pastagens) estar inserida neste contexto, j que ocupa grandes extenses do solo brasileiro (172 milhes de ha,ou 20% do territrio) de forma extensiva/extrativista. Estima-se que nos prximos 10 anos a rea de pastagens brasileiras dever sofrer uma reduo de 17 milhes de hectares, ao mesmo tempo em que o rebanho bovino dever aumentar de 169 milhes de cabeas para mais de 185 milhes, determinando aumentos mdios de 20% na taxa de lotao.
Tem sido defendida a adoo do principio da substituio da terra, para reduzir o impacto do dilema que estou abordando desde o inicio deste artigo. Por este, uma determinada quantidade de fertilizantes, utilizada racionalmente, gera uma produo equivalente quela que seria obtida pelo cultivo adicional de novas reas sem o uso de fertilizantes.
Em 1976 o professor Moacyr Corsi, da ESALQ/USP de Piracicaba, demonstrou que era possvel reduzir a rea de pastagens em at nove vezes, quando a taxa de lotao mdia fosse aumentada de 0,5 UA/ha para 5 UA/ha. Naquela poca a preocupao era estritamente econmica, pois ainda no havia a conscincia de sustentabilidade que a humanidade tem hoje. O objetivo da intensificao era to somente para tornar a pecuria competitiva com alternativas de uso da terra, principalmente no estado de So Paulo, onde naquela poca o tamanho mdio das propriedades j era pequeno e o valor da terra j relativamente alto.
Em 2002, durante o V Congresso Brasileiro das Raas Zebunas (Uberaba-MG), Aguiar (2002) demonstrou que era possvel substituir em mdia 7 por 1 a 12:1 quando fossem adotadas as tecnologias de correo e adubao do solo sem irrigao, e com irrigao, respectivamente.
Entretanto, nestes clculos levou-se em considerao somente a varivel taxa de lotao, a qual apenas uma das variveis que define a produtividade da pastagem. Mas em 2007, durante o II Congresso Internacional do Boi do Capim (Salvador-BA) considerando o impacto da intensificao sobre esta varivel, mas tambm sobre a varivel, desempenho animal, Aguiar (dados no publicados) demonstrou que era possvel substituir em at 28 por 1 a 43:1 quando fossem adotadas as tecnologias de correo e adubao do solo sem irrigao associadas com suplementao concentrada, e com irrigao, respectivamente.
Na tabela 1, encontra-se uma comparao entre diferentes nveis tecnolgicos de explorao da pastagem para a atividade de recria/engorda e seus impactos sobre as variveis, taxa de lotao, ganho por animal por ano, e produtividade por hectare em peso vivo e em equivalente carcaa.
Tabela 1.
Taxa de lotao (UA/ha), produtividade por animal (PA) em Peso Vivo (kg PV/ano) e produtividade da terra (kg PV/ha/ano e kg de equivalente carcaa (EQC/ha/ano) em diferentes nveis da explorao da pastagem.
Estes nveis tecnolgicos de explorao vm sendo validados nos ltimos 15 anos em campo, tanto em fazendas de pesquisas, como em fazendas comerciais.
prudente deixar claro que a adoo de qualquer um destes nveis tecnolgicos depende de uma anlise criteriosa de fatores, tais como condies climticas e de solos, tamanho da propriedade, valor da terra, custos de produo e preos regionais, competio com alternativas de uso da terra, como tambm a atividade desenvolvida (pecuria de corte ou leite; cria, recria ou engorda). E que ainda possvel adotar um ou mais dos nveis tecnolgicos apresentados em uma mesma propriedade.
A intensificao da produo da pastagem passa pela escolha da espcie forrageira adaptada s condies ambientais e de uso da propriedade, pelo manejo do pastejo em bases tcnicos-cientificas, pelo controle de plantas invasoras e pragas, pela correo e adubao dos solos, pela irrigao e pelo manejo racional dos animais (suplementao, sanidade e conforto, mrito gentico apropriado para os sistemas de pastagens).
Entretanto, na atualidade e no futuro seremos cada vez mais questionados a respeito dos impactos ambientais da intensificao do uso do solo. Neste sentido, preciso estar seguro para explicar os efeitos do uso intensivo de fertilizantes, de gua de irrigao, do efeito das altas taxas de lotao sobre a compactao do solo e da emisso de gases de efeito estufa pelos ruminantes.
Em relao ao uso intensivo de fertilizantes, a maior preocupao com a contaminao dos cursos dgua por nitrato devido ao uso de adubos nitrogenados. Entretanto, at agora, os trabalhos de pesquisas tm suportado que em ambiente tropical, solos sob pastagens recebendo altas doses de nitrognio (entre 500 kg a 1.000 kg/ha/ano) s apresentaram teores de nitrato acima dos encontrados nos tratamentos no adubados (testemunha) at uma profundidade de 90 cm, indicando que o nitrognio no lixiviado para maiores profundidades no perfil do solo.
Alm disso, o monitoramento do nvel de nitrato na gua de cursos dgua que cortam reas de pastagens intensivas que vieram recebendo dose de N por volta de 400 kg/ha/ano durante 10 anos, no foi nem 10% do nvel mximo tolervel pela legislao (CONAMA, Resoluo nmero 20) que de 10 mg/L (variaram entre 0,17 a 0,73 mg/L). Estes resultados so explicados pelos seguintes fatores: as forrageiras tropicais so verdadeiras bombas de absoro de N, com respostas mdias trs vezes maiores que as obtidas em forrageiras de clima temperado; os solos tropicais so muito profundos devido ao seu alto grau de intemperizao, ao contrrio dos solos rasos e poucos intemperizados sob clima temperado; e ainda ao uso de N-uria como fonte de N em quase sua totalidade (por ser a fonte de N mais barata) o qual menos lixiviado que o N na forma de nitrato (N-nitrato).
Em relao compactao do solo pelas altas taxas de lotao animal em pastagens intensivas, os trabalhos de pesquisas tm suportado que devido ao intenso crescimento do sistema radicular e da parte area (planta bem nutrida), o solo bem estruturado (aerado) e sempre coberto por cobertura viva (a prpria planta) ou por cobertura morta proveniente dos resduos da planta no consumidas pelos animais, os quais atuam como, potentes amortecedores do impacto do pisoteio animal e das aes de chuvas e da radiao solar. Ao contrrio, em pastagens manejadas de forma extensivas/extrativistas onde ocorre maior grau de compactao j que aquelas condies citadas no esto presentes.
Da gua usada na irrigao da pastagem, apenas prximo a 1% fica retida na estrutura da planta, enquanto os 99% restantes so transpirados e voltam para a atmosfera. Em projetos bem conduzidos a uniformidade da aplicao de gua pelo sistema de irrigao (piv ou asperso em malha) muito alta, pode-se irrigar a noite para evitar perdas por evaporao e com o solo bem protegido pela planta (viva ou seus resduos) no h perda de gua por escorrimento superficial j que o solo sempre est bem protegido, como tambm as perdas por percolao no perfil do solo so minimizadas, devido extenso do vigoroso sistema radicular das forrageiras tropicais.
Em relao emisso de gases de efeito estufa pelos ruminantes, simulaes usando modelos matemticos tm sugerido que quanto maior o nvel de intensificao da produo da pastagem (leia-se principalmente pelo uso de N) maior o seqestro de carbono (C) pela planta (leia-se pela pastagem) mantendo um balano positivo. Este resultado pode ser explicado pelo seqestro do C da atmosfera e incorporao deste nos tecidos da planta, tanto na parte area quanto no sistema radicular (40% da composio da matria seca da planta C).
Trabalhos de pesquisas realizados por mais de 10 anos na Amaznia, tm demonstrado que em pastagens bem manejadas, o teor de matria orgnica (MO) reduzido nos primeiros anos aps a implantao da pastagem pelo mtodo tradicional de limpeza do terreno (leia-se com uso do fogo), mas no final de uma dcada, o teor de matria orgnica (leia-se, de carbono, j que este corresponde a 58% da MO do solo) alcana nveis acima daqueles existentes no solo virgem antes da derrubada da floresta.
A esto algumas das bases que podem suportar a concluso de que as pastagens, como qualquer outra cultura, quando intensificada, poder contribuir para pelo menos minimizar o dilema da produo de alimentos x preservao ambiental, e evitar uma possvel crise de propores mundiais devido escassez de alimentos que pode levar a uma guerra pelos recursos solo e gua.
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