O Rio de Janeiro organizar, no prximo ano, a Conferncia da ONU sobre o Desenvolvimento Sustentvel (UNCSD 2012), denominada de Rio +20, Na ocasio ter lugar igualmente a Cpula dos Povos para o Desenvolvimento Sustentvel - tambm chamada de Rio +20. Ser uma oportunidade de reunio de pases, ONGs e movimentos sociais, tendo como objetivo a preservao do meio ambiente. O seu mote , portanto, uma grande discusso sobre o que a ONU denomina "economia verde" e desenvolvimento em "harmonia com a natureza". A mdia internacional se debruar sobre esses eventos.
A oportunidade ser nica para todos os pases levarem a srio o que se prope, e no fazerem uma mera encenao que sirva apenas para impor regras aos pases em desenvolvimento, em particular o Brasil, um dos que mais conservaram suas florestas nativas. No deixa de ser estranho que o pas mais preservacionista seja o alvo das atenes mundiais, sobretudo dos pases desenvolvidos.
Uma proposta simples e singela seria a elaborao de um Cdigo Ambiental Internacional, que fosse seguido por todos os pases, a comear pelos EUA e pelos pases europeus. O atual Cdigo Florestal e o prximo estipulam que os empreendedores rurais e o agronegcio em geral devem, em todo o Pas, preservar a vegetao e a floresta nativas em 20% de suas propriedades, chegando a 35% no Cerrado e na zona de transio para a Floresta Amaznica, e a 80% nesta ltima. Isso se chama "reserva legal".
Nessa perspectiva, os EUA e os pases europeus deveriam tambm criar o instituto da "reserva legal", estipulando um porcentual mnimo de 20%. Como se trata de pases desmatadores, que devastaram sua vegetao e as florestas nativas, teriam um belo trabalho de recomposio de seus biomas originrios. Meios cientficos, tecnolgicos e financeiros certamente no faltariam. Seria uma extraordinria contribuio preservao ambiental, "economia de verde" e ao desenvolvimento em "harmonia com a natureza". No isso que defendem? Por que no aplicam em seus prprios pases?
Imaginem um planeta onde, uniformemente, em todos os Estados, houvesse a preservao de 20% de sua vegetao e das florestas nativas, obrigando os produtores rurais e o agronegcio desses pases a renunciarem a tal parcela de suas propriedades. O ndice poderia ser at mais alto, dependendo do maior interesse ambiental. Penso que deveriam fazer isso voluntariamente, pois no se cansam de defender essa ideia para o Brasil e outros pases, como a Indonsia. Guardariam a coerncia e seus discursos no seriam meros disfarces. No esqueamos que o Brasil preserva, at hoje, 61% de suas florestas nativas, chegando essa taxa a pouco mais de 80% na Amaznia. Nos EUA e nos pases europeus, no chega, em mdia, a 5%. O ganho ambiental para eles, e para o planeta, seria enorme.
O ministro Antnio Patriota, em recente viagem aos EUA, foi obrigado a se explicar a um "think tank" sobre a legislao ambiental brasileira a partir da aprovao pela Cmara dos Deputados do novo Cdigo Florestal. Como assim, se explicar? Ele que deveria pedir explicaes sobre a pouca ateno desse pas sua vegetao e s florestas nativas. Deveria perguntar por que os produtores rurais americanos e o seu agronegcio no dispem da "reserva legal". No deveriam cri-la? Tm medo do lobby desse seu setor? Por que vociferam aqui e se calam l?
Um princpio elementar da cincia consiste na validade universal de suas proposies, que de hipteses se tornam, ento, verdades cientficas. Se, por exemplo, a "reserva legal" ganha o estatuto de verdade cientfica, ela no poderia ser vlida apenas para o Brasil, mas para todos os pases do planeta. A SBPC e a Academia Brasileira de Cincias deveriam engajar as organizaes congneres nos EUA e na Europa na defesa da mesma posio, sob pena de ficar patente estarem elas a servio particular de uma causa em que no haveria cincia alguma, mas to s uma posio parcial e poltica.
Imaginem o ganho "cientfico" se essas entidades congneres americanas e europeias se engajassem nos mesmos tipos de estudos e, sobretudo, na aplicao de polticas, pressionando os respectivos governos e se comprometendo, como fazem no Brasil, junto s editorias de jornais e dos meios de comunicao em geral.
Continua sendo um enigma, digamos de maneira polida, a omisso de ONGs e movimentos sociais em relao preservao do meio ambiente nos pases desenvolvidos. Ressalte-se que os ditos movimentos sociais no Brasil so, em sua maioria, patrocinados e financiados por entidades religiosas catlicas, protestantes e anglicanas, tendo suas sedes em pases como Gr-Bretanha, Canad, Alemanha e ustria.
Deveria ser provocada uma grande campanha internacional para a criao de reserva legal ou a conservao de reas de preservao permanente (APPs) nos mesmos ndices que so vlidos no Brasil. Por que no utilizam, por exemplo, os mesmos critrios para os Rios Douro, Sena, Tmisa e Reno? Por que no fazem campanha contra as plantaes de tulipas na Holanda e o cultivo de uvas e produo de vinho na Frana, na Alemanha, na Itlia e em Portugal? No Brasil no se pode cultivar beira de rios, encostas e topos de morro e l pode? De onde provm essa parcialidade?
Ressalte-se ainda que algumas dessas ONGs internacionais, e mesmo nacionais, so atuantes nesses pases, algumas tendo neles seus escritrios centrais. Ademais, muitos pases europeus financiam ONGs brasileiras, o que mostra uma mistura, diria "impura", entre interesses estatais e atuao ambientalista no Brasil.
A Conferncia da ONU sobre o Desenvolvimento Sustentvel e a Cpula dos Povos para o Desenvolvimento Sustentvel, ou seja, o megaevento Rio +20, seriam uma ocasio nica para levantar o vu da hipocrisia.
Por que no um Cdigo Ambiental Internacional?
* Professor de Fiolosofia da UFRGS
Fonte: O Estado de So Paulo.
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