É sabido que as mudanças climáticas irão afetar de uma ou outra forma nosso modo de vida. Vivemos com frequência cada vez maior eventos climáticos severos, como secas, chuvas torrenciais e furacões que reduzem safras, destroem construções e plantações, e que resultam em aumentos de custos, tanto de produção como de reparação de bens.
Uma das causas prováveis para a ocorrência destes fenômenos climáticos é o aumento na atmosfera dos Gases de Efeito Estufa (GEE). Uma parte considerável destes gases é produzida pela ação humana, através da queima de combustíveis fósseis, do desmatamento, da utilização de alguns insumos agrícolas, do manejo de animais, de algumas reações químicas e da produção e liberação de gases com alto poder de aquecimento global.
A cadeia de produção de alimentos é responsável por aproximadamente 1/3 das emissões de GEE produzidas pela ação humana. Isto inclui a produção, processamento e distribuição dos alimentos e seus insumos. O conteúdo final de carbono de cada alimento é chamado de pegada de carbono. Entre os alimentos que consumimos, as carnes bovina e ovina estão no topo do
ranking de pegada de carbono.
Isto se deve a que tanto bois como ovelhas são ruminantes. Eles ingerem pasto e outros alimentos fibrosos, que são degradados no rúmen, na ausência de ar. Por este motivo, parte das moléculas de carbono contida nos alimentos se associa ao hidrogênio, formando metano, que é expelido à atmosfera através do chamado arroto. O metano tem um poder de aquecimento global 21 vezes maior que o gás carbônico, e este é o principal fator para que a carne destes animais tenha uma pegada de carbono tão elevada.
Então, se quisermos reduzir nossa pegada de carbono, basta reduzirmos o consumo de carne bovina, certo? Não necessariamente. A maioria dos estudos que resultaram no levantamento da pegada de carbono dos alimentos foi realizada em países do hemisfério Norte. Nestes lugares, é alta a porcentagem de animais que nascem e crescem em regime de confinamento. Por este motivo, os estudos levaram em consideração as emissões do manejo dos animais nestas condições, que incluem a produção de alimentos levados ao cocho, o arroto, as emissões dos dejetos, transporte e processamento da carne.
No Brasil, a situação é bem diferente, pois a maioria dos bovinos é criada a pasto.
As pastagens estocam baixas quantidades de carbono acima do solo, mas quantidades bem significativas abaixo da linha do solo, na forma de raízes e matéria orgânica. Para ter uma ideia, na região dos Cerrados, a quantidade média de carbono (C) estocado acima do solo é de 2 toneladas por hectare de pastagens degradadas e 2,9 toneladas de carbono por hectare de pastagens bem manejadas. Já a quantidade de carbono estocada debaixo da linha do solo varia de 185,7 a 197,5 toneladas por hectare, nas mesmas situações.
Estudos elaborados pela EMBRAPA indicam que pastagens mal manejadas efetivamente emitem pequenas quantidades de carbono à atmosfera. Isto se deve ao processo de degradação, em que há diminuição no volume de matéria orgânica e de raízes no solo. Acima da linha do solo, a perda é insignificante, uma vez que o menor volume de pasto é compensado pelo aumento no volume de plantas invasoras. A emissão de pastagens nestas condições pode ir de zero a 270kg de carbono por ha e por ano.
Numa pastagem manejada adequadamente ocorre um fenômeno importante: há um acúmulo de carbono abaixo da superfície do solo, ao longo do tempo.
Informações publicadas indicam que este acúmulo varia de 0,27 a 6 toneladas de carbono por hectare por ano, dependendo do autor. Porém, para que as pastagens sejam produtivas, devem receber nutrientes em quantidade suficiente à carga de animais que deverão suportar. Os nutrientes são fornecidos principalmente na forma de corretivos e fertilizantes. O principal corretivo utilizado é o calcário, que emite CO
² através da reação dos íons Ca e Mg, liberando uma média de 0,44 toneladas de CO
² por tonelada de calcário.
Os fertilizantes nitrogenados emitem GEE principalmente através da volatilização do nitrogênio. Parte do Nitrogênio emitido reage com Oxigênio na atmosfera formando óxido nitroso (N
²O), uma gás de efeito estufa 310 vezes mais potente que o CO
². A emissão de N por fertilizantes varia em função de fatores como clima, tipo de fertilizante, tipo de solo e dose aplicada. O IPCC (
International Panel on Climate Change) recomenda um fator de 1,25%, ou seja, a proporção de N do fertilizante emitida como N
²O. Contudo, este dado se baseia em estudos realizados no hemisfério Norte, em latitudes mais altas. No Brasil, estudos realizados pela EMBRAPA em diversas localidades encontraram valores mais baixos, variando de 0,18% a 0,37%. Isto equivale a 22,3kg de CO
² por ha para uma dose de 40kg de N a 183,5kg de CO
² por ha para uma dose de 160kg de N, em capim elefante.
Os bois emitem metano pela fermentação entérica e em proporção menor, metano e oxido nitroso pelas fezes depositadas no pasto. Em média, um animal emite 1.068,68kg de CO
² equivalentes (considerando os poderes de aquecimento global do metano e do oxido nitroso) por ano
. Contudo, as emissões dos bois devem ser contrabalanceadas com as emissões do ambiente em que se encontram. É preciso considerar o sistema como um todo, incluindo a pastagem. Foi realizada uma avaliação, que se resume ao que ocorre “da porteira para dentro”, de fazendas que produzem bois a pasto.
Foram incluídas na avaliação as perdas ou ganhos de carbono da pastagem, de acordo com o manejo adotado, as emissões entéricas e da produção de dejetos dos animais, e as emissões da produção e utilização de corretivos e fertilizantes. Não foram computadas emissões pela utilização de combustíveis fósseis na formação e distribuição de insumos nos pastos, pois seu volume é insignificante. As áreas de pastagens foram classificadas como “muito boa”, “boa” e “degradada”.
Na tabela a seguir
, foram adotados dois níveis de absorção e dois níveis de emissão de carbono dentro da faixa de variação indicada pelos estudos disponíveis. As adições de fertilizantes e corretivos, a carga animal e os ganhos de peso vivo foram alocados de acordo com níveis de produtividade comumente adotados.
Tabela 1.
Sequestro e emissão de carbono por tipo de pastagem.
Fonte: Mello
et al., 2006; Suércio
et.al, 2008.
Os resultados de emissão de Carbono (CO
2) por kg de carne produzido estão próximos dos valores indicados na literatura internacional para sua pegada de carbono
. Mas isto se aplica à pegada de carbono de pastagens mal manejadas ou em estado de degradação, situação da maior parte destas no Brasil. Estes dados também são compatíveis com a situação de animais confinados, em que a pastagem não entra na equação.
Porém, como pode ser verificado na tabela acima, é preciso considerar que a pegada de carbono da carne produzida em pastagens bem manejadas pode ser bem menor ou negativa. Ou seja, carne produzida em pastagens bem manejadas pode ter pegada de carbono negativa.
O Brasil já possui sua Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC – Lei Federal nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009), com compromisso de redução de 36,1% a 38,9% das emissões projetadas até 2020. Como a pecuária é atualmente a terceira maior fonte de emissões de GEE no país, existe a possibilidade que a redução de suas emissões seja mandatória, ou que países importadores instituam barreiras à carne brasileira utilizando este critério. Com a difusão do sistema de rastreabilidade bovina e sua adequação ao assunto carbono, cada produtor poderá indicar a pegada de Carbono das cabeças enviadas para abate, adotando práticas simples como a mensuração da capacidade de suporte de suas pastagens, anotação do peso médio dos animais e dos insumos utilizados na propriedade.
Esta situação poderá criar um estímulo à recuperação de pastagens, o que possibilitará melhor resultado à produção, seja de forma direta (maior produção de carne) como indiretamente (carne com melhor valor agregado). Isto reforça o conceito de que em muitos casos, a adoção de sistemas de produção de baixo carbono melhora o resultado financeiro das atividades envolvidas.
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