O programa nacional aprovado em 1975 (Proálcool) para produção de etanol combustível nasceu de um movimento sob a liderança dos senhores Lamartine Navarro, Maurílio Biagi e Cícero Junqueira Franco. Várias entidades e outras lideranças do setor sucroalcooleiro apoiaram o movimento, que embalado pelas crises do petróleo e do mercado do açúcar, teve a aceitação decisiva do General Geisel, então Presidente da República, apesar das muitas reações contrárias dentro do governo.
O Sr. Maurílio Biagi, usineiro tradicional, homem do campo e da indústria, com radar de mil milhas, propunha ao governo, sob o comando da Petrobrás, que se fosse criado um só padrão para este combustível renovável. A parte contrária alegava que os combustíveis eram jurisdição do monopólio estatal, e destarte seriam criados dois padrões: um para que ela controlasse a mistura do anidro na gasolina e o outro o hidratado para abastecimento de motores exclusivamente “engenheirados” para consumi-lo, quando nasceu o pioneiro FIAT 147, a álcool.
O empresário argumentava que se fosse adotado somente o anidro, este poderia ser distribuído diretamente aos postos de abastecimento, pelas usinas e destilarias, nos quais bombas dosadoras abasteceriam o consumidor com a mistura que este considerasse de seu interesse. Cada produtor do etanol o entregaria dentro de sua capacidade empresarial, no preço, na distância, etc... Dentro do padrão de qualidade oficialmente estabelecido e monitorado. Seria um programa livre pelas forças de mercado.
A parte contrária não aceitou essa proposta e inclusive, por outras medidas periféricas criou a obrigatoriedade de conversões de motores de gasolina para etanol em oficinas homologadas para tal! E os dois padrões do etanol permanecem até hoje. Maurílio argumentava que o carro era propriedade particular. Cada proprietário iria usar do bom senso para não avariar o que era seu e que as definições das misturas aconteceriam pelo próprio caminhar da “carruagem” dos serviços técnicos disponíveis no mercado, sem necessidade de se criar mais obstáculos burocráticos.
A imagem era de um filhote de periquito conversando com a águia!
Daí a razão do etanol hidratado passear levando água do tanque da usina aos postos de abastecimento e o etanol anidro viajando para as bases onde é misturado junto à gasolina no momento de se carregar o caminhão tanque da distribuidora, sendo que daí volta a passear dentro da gasolina até o ponto de consumo.
Quanto custou e custam ao contribuinte estes passeios, da água e do vai e vem do anidro, que o saudoso Maurílio previa e já queria eliminar na origem nos idos de 1975?
Muito poucos sabem desta história, que pudemos testemunhar.
A engenharia criou então o motor a álcool e depois mais recentemente o motor flex, dando margem de liberdade ao consumidor sob a ótica da preferência pelo conteúdo do valor energético do combustível, mas aqueles passeios continuam em plena atividade.
Além deste defeito de origem nosso etanol verde nasceu e foi criado inadvertidamente com uma conotação inadequada, que na época não se podia avaliar.
Não pode e não deve-se comparar as atratividades do etanol e da gasolina pelo holofote no valor de bomba, como sendo o resultado de uma simples conta onde o etanol é condenado e preso por uma grade que vale 70% do preço da gasolina, sendo este ainda manipulado não pelo mercado, mas resultante de inúmeras, secretas e políticas maquinações do monopólio estatal que esperamos que em algum dia acabará.
Não como acabou o monopólio na Líbia, mas sim pelo crescimento da qualidade da educação do povo e do comportamento consciente do consumidor brasileiro.
Porque os Estados Unidos são hoje o maior produtor de etanol combustível do mundo, a partir do milho, com processo mais complexo e mais intensamente energético, mesmo tendo começado o programa depois do Brasil? Porque necessitam mitigar seu grande consumo de petróleo, ao redor de 22-23 milhões de barris dia, quando produzem cerca de 8 a 9 milhões em casa? Vejam a diferença em barris que precisam trazer de algum lugar para satisfazer o consumo com manobras diplomáticas e principalmente militares, estas que devem só elas consumir por dia mais que os 2,2 milhões produzidos no Brasil. Porque lá o etanol além de estratégico é ecológico. Porque lá o etanol ainda vale muito mais que o preço da bomba!
Mas vamos comparar os holofotes nas bombas. Lá o valor do etanol tem ao seu preço agregado o valor ambiental e o estratégico, pois reduz a pressão sobre geração dos gases efeito estufa, CO2 principalmente, com o selo ambiental da “Environment Protection Agency (EPA, sigla em inglês)”, agência americana de proteção ambiental e substitui mortes e despesas militares. Daí não se verificar uma equivalência com a gasolina estritamente pelo poder calorífico (como no Brasil, R$ etanol = R$0,70 X R$ gasolina!), onde há tipos de mistura e também motores flex, em um emaranhado de tecnologias de propulsão automotiva, elétrica, a hidrogênio, híbrida, etc.. Todas elas desejando reduzir o consumo do temível combustível fóssil e do seu efeito no aquecimento terrestre.
Neste momento, precisamente em que o setor brasileiro produtivo do etanol, altamente empregador, sofreu intempéries climáticas e financeiras, todos na mídia dizem:
”o etanol só é compensador em dois estados”!
”O etanol subiu X% em doze meses”!
”Não compensa mais abastecer com etanol”!
”Tendência de redução na fabricação dos motores flex”!
“Etanol perde espaço no “mix” de combustíveis”, e daí por diante... Necessitamos de criadores de conceitos proativos e não de produtores de estatísticas.
É incrível, mas até os fabricantes de bens de capital para o setor sucroalcooleiro estão sendo flertados pelo monopólio para fabricar equipamentos para o “pré-sal” (PROIMP?). A tendência da onda é clara, sair do baixo para o alto carbono, onde os negócios de plataformas, suportes à operação, etc., geram negócios de bilhões de dólares, onde tecnologias e estrangeiros dominam o terreiro, de onde sobrarão migalhas para os tupiniquins do etanol.
Por falar em Pré-Sal alguém já viu uma usina afundar a 1.500m do fundo do mar? Alguém já viu uma usina inundar algo como o Alaska com o vazamento de petróleo? Alguém já viu uma usina virar notícia internacional como no caso do vazamento no Golfo do México? E os mesmos fatos os há muitos na história e não caberiam nestas curtas páginas. Furar o fundo do mar é muito pior do que desmatar a Amazônia. Nem a academia sabe estimar o que irá acontecer, qual será a resposta da natureza, que já anda muito pouco tranquila!
Alguém já viu uma plataforma de petróleo com condições para engordar boi, plantar milho, soja e feijão, recuperar erosões, plantar essências nativas, recuperar matas ciliares, equilibrar o ecossistema, gerar energia elétrica já distribuída com créditos de carbono, gerar empregos em todas as categorias nos municípios em que operam, gerar riqueza nos municípios direta ou indiretamente, criar cooperativas de produtores, e até fazer churrascos com boa viola caipira? E o derivados outros da cana, do açúcar e do etanol, na área de polímeros para a indústria química, combustíveis outros, etc, etc. Tampinhas de embalagens TETRAPACK e garrafas Pet já utilizam produto derivado do etanol!
O programa do combustível renovável da cana de açúcar é brasileiro, consumiu muito trabalho e lutas daqueles e de outros líderes, de inúmeros pesquisadores e professores, de empresas produtoras de todo o tipo de equipamento e prestadoras de serviços; de universidades, fundações, institutos de pesquisa como o venerável Instituto Agronômico; da Embrapa, CTC, Ridesa, Esalq, Unicamp e outros; de técnicos, engenheiros, biólogos, administradores, economistas e de muitas outros profissionais e principalmente daquele desconhecido homem do campo, que no chão ou na máquina dedicou grande parte de sua vida como sendo peça fundamental do programa. Enfim, o programa criou uma cadeia produtiva eficiente que não será encontrada em qualquer país do mundo. Não é agora que vamos e deixar a onda, talvez orquestrada para enfraquecê-la.
Somos vários periquitos para enfrentar a águia.
Há espaço para todos; outras energias renováveis, em sinfonia, mas não à custa do abandono do apoio ao programa do etanol e da interpretação errônea de seu alcance na tão desejada sustentabilidade, ou seja, em resumo, a contribuição para a preservação da vida para as futuras gerações.
A revista Science (29 de julho de 2011), da AAAS – The American Association for the Advancement of Science, publicou um artigo especial sobre o crescimento mundial da população:
“Em 1900 havia 1,6 bilhões de pessoas na Terra. Em 2000 este número, como foguete, foi a 6,1 bilhões. Em outubro passado deve ter chegado a 7 bilhões e está projetado para ser 9 bilhões em 2050. A ONU projeta para 10 bilhões em 2100.”
A sustentabilidade na produção de energia em geral, dos combustíveis e dos alimentos participam do plano de proteção de um ambiente para a sobrevivência das atuais futuras gerações.
Precisamos olhar para o preço do etanol na bomba e entender que “não vale o que está escrito”.
No maço de cigarros diz-se que “fumar é prejudicial à saúde”
Na bomba de gasolina deveria estar escrito “consumir gasolina é prejudicial ao meio ambiente”
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