Considerado uma das maiores bandeiras em políticas públicas para combater os efeitos das mudanças climáticas, o programa brasileiro de Agricultura de Baixo Carbono, o "ABC", pode ajudar o país a evitar a emissão de ao menos 1,8 bilhão de toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera até 2023. É um número significativo, sobretudo se comparado a um cenário em que nenhuma ação seja tomada para diminuir a pegada de carbono no campo. Nesse caso, a agricultura e a pecuária brasileiras seriam responsáveis pela emissão de 3,6 bilhões de toneladas de gases na atmosfera no intervalo.
A conclusão está em estudo inédito realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), ao qual o Valor teve acesso, e chega num momento de importante sinalização política do governo Dilma. A presidente anunciou ontem, em Washington, a intenção de restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares até 2030, antecipando compromissos costurados para a conferência global do clima, que ocorre em dezembro, em Paris.
O Plano ABC prevê a expansão agrícola no país através do financiamento de técnicas produtivas de baixa emissão de carbono, como o plantio direto ou o consórcio de lavoura, floresta e pecuária. É um modelo "ganha ganha", no qual a produção cresce e "captura" gases prejudiciais. Lançado em 2013, porém, o programa encara desafios e seus resultados não são monitorados.
Intitulado "Invertendo o sinal de carbono da agropecuária brasileira", o estudo é mais uma tentativa de chamar a atenção para uma revisão urgente no programa. Coordenado pelo Centro de Agronegócio da FGV, o documento indica que o potencial de mitigação do CO2 equivalente (medida que equipara os outros gases estufa ao CO2 2) da agropecuária brasileira através do ABC é mais do que dez vezes maior do que a meta estipulada pelo próprio programa.
E é uma estimativa conservadora, pois considera só três tecnologias, realça Eduardo Assad, ex-secretário de Mudanças Climáticas, pesquisador da Embrapa e coordenador do estudo. Segundo ele, dentre as técnicas previstas no ABC foram consideradas no estudo só a recuperação de pastagens, a integração lavoura pecuária e a integração lavoura pecuária floresta.
Para chegar à conclusão que com o avanço do ABC o setor mitigaria 1,8 bilhão toneladas de CO2 equivalente ente 2012 e 2023, a FVG considerou as projeções do Ministério da Agricultura e da Fiesp para o crescimento da produção agrícola e do rebanho bovino do país de 2012 a 2023. Sete culturas (soja, milho, arroz, feijão, algodão, trigo, cana) foram analisadas, além dos bovinos. O escopo do estudo também foi limitado às pastagens degradadas, para onde a expansão agropecuária ocorreria. Há estimados 52,3 milhões de hectares no país nesse estado.
Os economistas da FGV concluíram que, caso nenhuma técnica seja adotada em larga escala, o milho, com a maior área plantada (primeira e segunda safras), seria a principal fonte de emissões de gases da agricultura, contribuindo com 9 milhões de toneladas de CO2 equivalente. Na sequência viriam cana e açúcar (8,6 milhões e 2,6 milhões de toneladas). A soja não tem emissões de peso, por naturalmente utilizar a fixação biológica de nitrogênio.
É a pecuária, porém, a maior preocupação. Os bovinos seriam a principal fonte de emissões de gases estufa, graças à fermentação entérica e ao manejo de dejetos de um rebanho nacional hoje acima de 200 milhões de cabeça. Sem tecnologia, o segmento responderia por 3,45 bilhões de toneladas de CO2 equivalente até 2023 94% do total.
Com a tecnologia de recuperação de pastagens aplicada em 75% da área de pastos degradados e com a implantação de integração lavoura pecuária e integração lavoura pecuária floresta nos 25% restantes, seria possível evitar emissões de 670 milhões de toneladas de CO2 equivalente e armazenar 1,1 bilhão de toneladas de CO2 no solo, diz Assad.
Fonte: Valor Econômico. Por Bettina Barros. 2 de julho de 2015.
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