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Scot Consultoria

Comunicação: Uma luta que a pecuária tem que aprender a travar


Quinta-feira, 24 de setembro de 2015 - 15h17

Por Sérgio Raposo de Medeiros, especialmente para a Scot Consultoria.

Sérgio é Pesquisador Nutrição Animal Embrapa Gado de Corte; Doutor em Ciência Animal e Pastagens (ESALQ-USP); atualmente Cientista Visitante na Universidade Califórnia Davis.

Sérgio Raposo de MedeirosSérgio Raposo de Medeiros.

Uma das manchetes de jornal dessa semana que passou foi que, para cada R$ 1 milhão de receita da pecuária, outros R$ 22 milhões de impactos ambientais seriam gerados. Isso segundo o relatório "Exposição do Setor Financeiro ao Risco do Capital Natural" do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), feito em parceria com a Agência Alemã de Cooperação Internacional. Para tal, foi contratada uma empresa, a Trucost, de cujo relatório (disponível em http://cebds.org/wp-content/uploads/2015/07/GIZ-Natural-Capital-Risk-Exposure.pdf) foram analisados alguns dados que discutiremos neste espaço.

Esse relatório quantificou o impacto ambiental de 45 setores da economia brasileira, levando em conta o custo do capital natural, conceito que atribui um valor monetário para o impacto ambiental das atividades produtivas. Seu intento é que os impactos ambientais sejam quantificados em Reais.O valor do capital natural, então, seria o custo para a sociedade do uso dos bens naturais não precificados. Como, em geral, eles tampouco são pagos, são considerados "custos externos". Todavia, em algum momento podem ser internalizados, isto é, passarem a ser contabilizados. Isso pode ocorrer por variados motivos, como no caso de surgir "taxas sobre atividades poluentes", pelo investimento colocar em risco a reputação da empresa, por escassearem determinado recurso ou de qualquer outra forma que impacte o custo da atividade.

No relatório não é detalhado como foram calculados os dados para o custo de capital como emissão de gases de efeito estufa, dejetos, uso da terra, uso de água e poluentes atmosféricos e das águas. Todavia, as informações disponíveis foram mais do que suficientes para entender a enorme distorção no caso do cálculo de risco da pecuária. Dos R$ 22 milhões de impactos discutidos acima, quase R$ 17 milhões (aproximadamente 77%) seriam pelo uso da terra. A maneira de calculá-lo foi considerar um valor para a situação de cobertura original da área, que inclui os serviços ambientais prestados por ela nesta situação, e fazer a pecuária pagar toda essa conta.

A distorção vem, em primeiro lugar, do fato de que as pastagens também podem prestar serviços ambientais no sequestro de carbono, como veremos mais detalhes logo a seguir. Outro importantíssimo serviço ambiental que as pastagens, desde que manejadas adequadamente, podem prestar, é a produção de água. Por exemplo, a água que abastece a cidade de Nova Iorque é, em boa parte, captada em fazendas de leite algumas centenas de quilômetros ao norte dela.

O outro aspecto distorcido desta análise do CEBDS é que ela penaliza nossas grandes áreas destinadas às pastagens quando, exatamente por ser feita de forma menos intensiva e necessitar mais área, é que nossa produção pecuária é ecologicamente virtuosa. Um trabalho de análise de ciclo de vida britânico (ACV) mostrou que uma tonelada de carne produzida no Brasil necessita 5 vezes menos energia, 2,5 vezes menos pesticida, tem um potencial de eutrofização 1,5 vezes menor e um potencial de acidificação 6 vezes menor do que a mesma tonelada produzida no Reino Unido.

Neste trabalho de ACV britânico, o único item em que nossa pecuária teve um índice pior foi no potencial de aquecimento global, o que esse trabalho demonstrou decorrer das nossas médias de produção serem muito baixas. O que nos condena mesmo nesta equação são os GEE (Gases de Efeito Estufa) produzidos sem contrapartida de produção de carne, como no caso de animais perdendo peso na seca ou vacas vazias.

Há, então, para resolver esse problema, alternativas de intensificação inteligentes que podem melhorar significativamente a produtividade nas pastagens, mas, simultaneamente, mantendo a produção pecuária com baixa necessidade de fatores externos e, portanto, com baixo impacto. Um dos melhores exemplos é o uso de proteinados na seca que permitem uma redução de um ano na idade de abate.

Felizmente, nesta mesma semana, em flagrante oposição ao relatório do CEBDS, recebi um trabalho científico feito em uma parceria entre pesquisadores brasileiros e escoceses, publicado em uma das mais prestigiosas revistas científicas da área, que coloca o mesmo assunto em uma perspectiva muito mais sensata. O título, na melhor forma que consegui traduzir, seria "Desenvolvendo ação nacional apropriada de mitigação baseda no potencial de abatimento de gases de efeito estufa da produção pecuária no Cerrado brasileiro" . Trata-se de um sofisticado estudo das opções para redução da emissão de gases de efeito estufa (GEE). Ele demonstra de forma plausível que há caminhos nos quais é possível unir o útil (reduzir a intensidade das emissões), com o agradável (aumentar a rentabilidade), ao se intensificar a atividade.

O que este estudo mostra é que, de cinco alternativas de intensificação pecuária, três delas - suplementação com concentrado, suplementação com proteína e recuperação de pastagem - têm "custo-efetividade" negativa, isto é, ao adotá-las economiza-se dinheiro. Para as outras duas - confinamento e inibidores de nitrificação - é necessário gastar para se obter a redução da emissão.

O estudo mostra, ainda, que. em função da enorme área de pastagens com algum grau de degradação (60 milhões de ha), a recuperação de pastagem é a alternativa que mais pode contribuir com a redução de GEE, com um potencial de 26,9 Milhões de toneladas de CO2-equivalente por ano. Essa redução viria tanto do sequestro de C no solo sob pastagens, como do deflorestamento evitado, este último responsável por 96% do valor total. O potencial de abatimento da terminação em confinamento, em comparação, seria de 440 mil toneladas de CO2-equivalente por ano, ao custo de US$ 31,32 por tonelada.
Associando-se a recuperação de pastagem com as suplementações e mais a terminação em confinamento seria possível um abatimento de 24,1% até 2030. Mesmo que apenas as medidas com custo-efetividade negativa fossem usadas, haveria uma redução em 23,7%  em relação às emissões basais de hoje.

No contraste entre as duas abordagens, fica evidente o decompasso do trabalho do CEBDS com a realidade, cujo resultado seria a redução dos investimentos e, como consequência, aumento do impacto ambiental da atividade. Além da distorção em penalizar a produção em pastagem pela grande área que ocupa, o relatório do CEBDS  parece usar baixíssimos valores de produtividade pecuária que não seriam os esperados com investimentos sendo realizados de maneira correta.
Aliás, a redução do impacto da atividade vem ocorrendo há muito tempo, havendo entre 1975 e 2006, por exempo, um aumento em quatro vezes na produção de carne, ao mesmo tempo em que reduziu-se em 4% a área de pastagem . O aumento de produtividade continua, nos últimos nove anos, com uma tendência mais forte para a redução das áreas de pastagem.

Replicam-se no Brasil exemplos de sistemas de produção pecuários de grande eficiência, chegando a alcançar até a produção de 90 arrobas de carcaça por hectare, valor 30 vezes superior aos valores médios da pecuária brasileira. Entre esses dois extremos, há opções de intensificação ao alcance de todos que podem ajudar a resolver tanto a questão ambiental como outro igualmente desafiador: alimentar um Mundo cada vez mais ávido por alimentos de qualidade.

Concluindo, fica claro que, no campo e na ciência, temos excelentes chances de caminhar bem em direção a uma produção pecuária realmente sustentável, desde que o setor continue incorporando cada vez mais as tecnologias e mantenha-se atento às questões ambientais. Agora, a luta que o setor precisa urgentemente aprender a travar é a da comunicação. No caso, tentar conseguir o mesmo destaque que foi dado para a notícia do relatório do CEBDS para o trabalho científico aqui relatado. Esse é nosso desafio e, certamente, precisaremos de recursos financeiros e aconselhamento de profissionais da comunicação para conseguir passar a mensagem correta para a sociedade e ser reconhecida como uma força do bem em prol do crescimento do país e do bem estar da nossa população.

1 - O título original é: "Developing a nationally appropriate mitigation measure from the greenhouse gas GHG abatement potential from livestock production in the Brazilian Cerrado" em Agricultural Systems Volume 140, páginas 45-55 (link: http://dx.doi.org/10.1016/j.agsy.2015.08.011)

2 - O trabalho que mostra isso pode ser acessado em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0308521X12000340


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