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Em 2012, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a resistência aos antimicrobianos (AMR) como uma das três principais ameaças à saúde pública do século 21. A emergência e a disseminação da resistência aos antimicrobianos limita as opções de tratamento não somente em humanos, como também em animais, representando uma ameaça aos antibióticos utilizados na prática clínica.
Na produção animal, os antimicrobianos são fundamentais para tratar, controlar ou prevenir doenças infecciosas. Apesar disso, eles têm sido amplamente utilizados como promotores de crescimento desde 1950, quando o Food and Drug Administration (FDA) aprovou a sua utilização. Entretanto, o uso com esta finalidade tem sido associado a um fator importante na emergência e disseminação da resistência aos antimicrobianos.
Vale ressaltar que, desde 2010, existe uma aliança formada pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) e a Organização Pan-Americana da Saúde (PAS).
A aliança uniu esforços para implementação do projeto “Trabalhando juntos para combater a resistência aos antimicrobianos”. O objetivo estratégico do projeto é apoiar iniciativas para combater a AMR por meio da implementação dos planos de ação nacional, em sete países da América do Sul, incluindo o Brasil. Recentemente, uma abordagem mais integrada ganhou força para enfrentar os desafios, com a inclusão do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).
De acordo com a OMS, a AMR desenvolve-se quando um microrganismo - como bactéria, fungo, vírus ou parasita - não pode ser destruído ou ter o seu crescimento limitado por um fármaco ao qual, anteriormente, era sensível. Isto leva a dificuldades no tratamento e controle de infecções, com internações prolongadas e risco aumentado de transmissão de doenças, elevação dos custos socioeconômicos e maiores riscos de morte.
No Brasil, todas as substâncias antimicrobianas utilizadas devem ser informadas no boletim sanitário dos animais, documento oficial obrigatório que acompanha os lotes no momento do abate. Para que possam ser empregadas, estas substâncias devem constar na lista de aditivos alimentares autorizados pelo MAPA. Outrossim, os produtores devem respeitar o período de carência compreendido entre a administração do fármaco e o abate dos animais, evitando, desse modo, a presença de resíduos nos produtos de origem animal que serão consumidos (carne, mel ou leite, e seus derivados).
Desta maneira, as cadeias de produção e abastecimento estão cada vez mais buscando adotar tecnologias e formas para intensificar o uso racional de antibióticos na produção leiteira. A bovinocultura de leite é um importante setor da indústria de alimentos, e as doenças que acometem o rebanho leiteiro são responsáveis por uma série de impactos econômicos e ambientais.
Entre as doenças recorrentes no gado de leite está a mastite, a inflamação da glândula mamária que prejudica a qualidade do leite. Tradicionalmente, seu controle baseia-se em menor exposição ao patógeno e antibioticoterapia.
Sabendo disso, a OMSA criou um protocolo de agentes antimicrobianos para os médicos-veterinários:
1. Conduzir a avaliação clínica do animal e prescrever antimicrobianos somente quando necessário;
2. Os antimicrobianos não devem ser empregados como substitutos das boas práticas agropecuárias e do manejo sanitário dos animais, devendo o profissional implementar, na propriedade, condições adequadas de higiene, biosseguridade e programas de vacinação com foco na prevenção das doenças;
3. Sempre que possível, realizar testes de diagnóstico e testes para avaliar o perfil de sensibilidade das moléculas de antimicrobianos;
4. Registrar junto ao proprietário as informações referentes ao histórico epidemiológico e ao uso de antimicrobianos na propriedade;
5. Compreender os mecanismos da farmacodinâmica (atividade contra patógenos envolvidos) e farmacocinética (distribuição nos tecidos, eficácia no local da infecção);
6. Instruir adequadamente o proprietário, ou colaborador da fazenda, acerca da administração adequada dos antimicrobianos, incluindo a dose utilizada, a via de aplicação e a duração do tratamento;
7. Instruir adequadamente o proprietário, ou colaborador da fazenda, sobre o período de carência e o descarte do leite;
8. Ser capaz de promover adaptações baseadas em estudos científicos, de modo a suprir os desafios de cada propriedade.
Para os produtores, existe também um protocolo para o uso consciente e responsável dos antimicrobianos na pecuária leiteira:
• Utilizar antimicrobianos somente quando prescritos por um médico veterinário;
• Seguir exatamente as recomendações sobre a dose e a duração do tratamento, prescritas pelo médico veterinário;
• Adquirir antimicrobianos somente de fontes autorizadas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), que possam garantir a qualidade dos produtos;
• Desenvolver junto ao médico veterinário um protocolo sanitário, adaptado para o seu rebanho;
• Executar as boas práticas agropecuárias em sua propriedade;
• Manter os registros de todos os antimicrobianos utilizados no rebanho, bem como os resultados laboratoriais.
No Brasil, ainda não se pode afirmar que a utilização de antibióticos na produção leiteira esteja completamente erradicada. No entanto, com os devidos cuidados por parte dos produtores e médicos-veterinários, o índice de utilização pode ser baixo e aceitável.
O uso consciente e responsável de antimicrobianos refere-se às ações proativas tomadas para preservar a eficácia dos antimicrobianos, a prevenção de doenças bacterianas e o uso de protocolos de tratamento baseados em evidências.
Estas evidências podem ser exemplificas como conhecer a causa da infecção que será tratada por meio de exames microbiológicos onde se identifica o gênero e a espécie bacteriana. Se houver também a evidência do perfil de resistência do agente bacteriano de acordo com classes e moléculas dos antimicrobianos, o tratamento pode ter mais sucesso na eliminação da infecção.
Entretanto, a avaliação da situação clínica pelo médico-veterinário é fundamental para a decisão em relação a realização ou não do tratamento. Caso o tratamento com antimicrobianos seja o eleito, este ainda precisa definir qual o princípio ativo utilizar, a frequência e o tempo de tratamento e a concentração da dose a ser utilizada.
A capacidade de implementar o uso consciente e responsável de antimicrobiano baseia-se no reconhecimento da utilização apropriada dos antimicrobianos, bem como na compreensão dos benefícios de participar de tais programas.
A redução no uso exige argumentos para avaliação de possíveis abordagens que diminuam o uso de antimicrobianos, que incluem seleção genética para resistência a doenças, uso de vacinas, identificação e redução de fatores de risco e avaliação medição da prática atual.
A substituição do uso de antimicrobianos por medidas alternativas não antimicrobianas, sempre que possível é apropriado. O refinamento, dado que, os testes de diagnóstico baseados em cultura microbiológica, ou os dados da contagem de células somática e isolamento do agente etiológico por meio de exames microbiológicos, podem ser utilizados para orientar quanto ao uso do tratamento seletivo no rebanho. Finalmente, a revisão que inclui a medição do progresso em direção ao objetivo.
A mastite é a doença bacteriana mais comum das vacas leiteiras e pequenas mudanças nos protocolos de tratamento para a mastite clínica e na secagem para a mastite subclínica podem resultar em reduções consideráveis no uso de antimicrobianos sem comprometer a saúde do animal.
Contudo, em muitas fazendas, a mastite é tratada sintomaticamente sem conhecimento do agente etiológico e muitos destes tratamentos são desnecessários.
O tratamento seletivo da mastite clínica e a terapia da vaca seca seletiva são alternativas interessantes que tem como finalidade tratar os casos de infecção intramamária de forma consciente e responsável, reduzindo o uso de antimicrobianos e, como consequência, retardando o surgimento de cepas resistentes aos antimicrobianos e diminuição da ocorrência de resíduos no leite.
Para isto, é necessário a identificação do patógeno que está causando a mastite, por meio do diagnóstico microbiológico e, a partir deste resultado, pode-se determinar o tratamento, conforme mostra a pois os casos de mastite clínica de grau leve e moderado, causadas por bactérias Gram-negativas, ou que não tiveram crescimento bacteriano, não tem recomendação de uso de antimicrobianos.
A problemática da presença de antimicrobianos em leite tem relação intrínseca com o sistema de produção. A saúde do rebanho deve ser mantida de modo a assegurar a produção de alimentos inócuos, garantindo sua segurança, e permitindo, ao mesmo tempo, condições de competitividade dentro da cadeia leiteira.
A fonte do problema, contudo, parece estar justamente na tentativa de se evitarem prejuízos econômicos decorrentes de problemas com o rebanho.
A utilização de doses sub-terapêuticas, usadas preventivamente contra infecções e como promotores de crescimento, bem como a administração de antibióticos sem respeitar os períodos de suspensão prescritos no período próximo à ordenha descrito pelo médico-veterinário, demonstram claramente a intenção de alguns produtores de manter a competitividade à margem das recomendações de entidades internacionais e da legislação vigente.
Tem sido frequente a detecção, no Brasil, de antibióticos em leite em grandes quantidades. E, apesar de ser um grande produtor de leite e derivados e possuir boas relações comerciais com países importadores, seus sistemas de legislação e fiscalização ainda se mostram ineficientes para a resolução do problema.
Novas discussões acerca do tema devem ser lançadas, na tentativa de criação de condições para uma produção leiteira que respeite as regulamentações que vigoram no País. A adoção das Boas Práticas de Fabricação em propriedades fornecedoras de leite seria uma solução bastante eficiente.
Cabe, portanto, uma ação conjunta entre o poder público e a cadeia produtiva para minimizar os efeitos da presença desses resíduos no leite.
O vislumbre de novas alternativas para produção de leite e derivados que visem à eliminação dos resíduos nos produtos torna-se necessário, à medida que cresce cada vez mais a preocupação com o alcance da segurança alimentar, como forma de disponibilizar a todos os indivíduos alimentos de qualidade, sem qualquer tipo de contaminantes que coloquem em risco sua saúde.
Referências
AJUDA, I; BOND, V; JEWELL, J. Antibiotic use in animals. The Business of Farm Animal Welfare, 1 ed. Routledge. 2017
Revista milkpoint. Parceria Frísia e Onfarm: uso racional de antibióticos, controle da mastite e maior qualidade no leite. Disponível em: https://www.milkpoint.com.br/canais-empresariais/onfarm-o-produtor-em-primeiro-lugar-sempre/parceria-frisia-e-onfarm-uso-racional-de-antibioticos-controle-da-mastite-e-qualidade-no-leite-227076/
OPAS. Organização Pan-Americana da Saúde. Trabalhando juntos para combater a resistência aoantimicrobianos.
WHO. World Health Organization. Orientaciones normativas de la OMS sobre las actividades integrales para la optimización de los antimicrobianos.
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