O atual patamar de preços ao consumidor da dupla arroz e feijão está bem distante dos níveis pagos aos agricultores que os produzem. Incluídos na lista dos “vilões da inflação” em boa parte de 2010, os componentes da tradicional dieta dos brasileiros tiveram seus valores reajustados para baixo no campo nos últimos meses, enquanto nas gôndolas do varejo eles permaneceram valorizados.
Entre janeiro de 2010 e janeiro de 2011, o indicador de preços do Cepea/ESALQ para o arroz colocado na indústria do Rio Grande do Sul recuou 29,3%, fechando o mês passado a um valor médio de R$22,63. No mesmo período, o pacote de três quilos dentro da cesta básica comercializada na cidade de São Paulo recuou modestos 1,5%, para R$5,97 em janeiro passado, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
No caso do feijão, a situação é ainda mais diferenciada. Dados do Departamento de Economia Rural (Deral) do Paraná - maior Estado produtor do país - mostram que, em 12 meses até janeiro, a saca recuou de R$65,25 para R$55,86. Na cesta básica, no entanto, o feijão seguiu o caminho oposto e acumulou uma valorização de 29,8%, conforme os dados do Dieese.
A instabilidade das cotações aos agricultores fez com que novamente o governo tomasse medidas para evitar uma retração ainda maior, uma vez que os atuais patamares são inferiores aos garantidos pela política de preços mínimos. Mas a decisão do Ministério da Agricultura de comprar e apoiar o escoamento de 1,78 milhão de toneladas de arroz e feijão, anunciada há quase 20 dias ainda não surtiu os efeitos esperados.
“O mercado está em compasso de espera. Os preços pelo menos pararam de cair, e no caso do feijão estão até subindo um pouco, mas muito mais pela baixa disponibilidade de um produto de melhor qualidade do que pelas medidas anunciadas pelo governo”, afirma Carla Corbeti, analista da consultoria Safras & Mercado. Ela lembra que, tanto para o arroz quanto para o feijão, o governo ainda não anunciou os valores, prêmios ou mesmo quando vai realizar os leilões de Aquisições do Governo Federal (AGF) e de Prêmio de Escoamento da Produção (PEP).
A tendência divergente para os preços do feijão ao consumidor e ao produtor deve-se, em boa medida, ao baixo nível de organização da própria cadeia produtiva, além da falta de uma política adequada para estabilização das cotações. Para a analista da Safras & Mercado, os atuais preços ao consumidor ainda refletem a valorização das cotações ao produtor nos meses de setembro e outubro de 2010. Aquela alta foi alavancada pela queda na oferta do produto - causada por uma depressão dos preços no início do ano passado.
É essa histórica gangorra que deve fazer os valores do feijão pagos ao produtor subirem novamente no segundo semestre, o que poderá novamente pesar sobre os índices inflacionários. “O atual preço não incentiva o plantio da segunda safra, fato que vai reduzir a oferta e pode puxar os preços novamente no segundo semestre”, afirma Marcelo Eduardo Lüders, presidente do Instituto Brasileiro do Feijão (Ibrafe).
No caso do arroz, a queda nas cotações em plena entressafra da cultura foi resultado de uma combinação de fatores. No ano passado, o governo prorrogou os Empréstimos do Governo Federal (EGF) feitos para custear as lavouras gaúchas. Para quitar os empréstimos que começaram a vencer, os produtores começaram a entregar arroz para se capitalizar, elevando a oferta do produto no mercado. No mesmo período, a importação do cereal do Mercosul aumentou, motivada pela entressafra e pelo câmbio favorável a aquisições em outros países.
“Ainda temos uma perspectiva muito positiva para a safra. Os reservatórios gaúchos ficaram normais, mesmo com o La Niña, e devemos ter uma safra cheia no Rio Grande do Sul, entre 7,5 milhões e 8 milhões de toneladas”, afirma Cláudio Brayer Pereira, presidente do Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga).
Fonte: Valor Econômico. Por Alexandre Inácio. 22 de fevereiro de 2011.